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Esperar imunidade de rebanho 'é absurdo e antiético', diz líder de estudo que investiga quantos tiveram Covid-19 no Brasil
Um dos até agora no país para descobrir o tamanho real da pandemia do novo coronavírus concluiu que 3,8% dos brasileiros já foram infectados.
Isso significa que muito mais gente teve covid-19 do que mostram as estatísticas oficiais, que são distorcidas pelo baixo número de testes realizados.
Os cientistas do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fizeram testes para detectar anticorpos contra o coronavírus em 89.397 pessoas de 133 cidades de vários Estados e entrevistas para entender como o vírus afeta diferentes classes sociais e grupos étnicos.
A investigação indica que o Brasil está longe de atingir a chamada imunidade de rebanho. Isso ocorre quando uma parcela grande o suficiente da população foi infectada naturalmente e desenvolveu uma defesa contra o vírus. A doença não consegue se espalhar, porque a maioria das pessoas é imune. Esse patamar é estimado por especialistas em torno de 60% a 70%.
Diante disso, falar em atingir a imunidade de rebanho hoje é "quase uma piada", diz o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da UFPel e coordenador da pesquisa.
"Mirar a imunidade de rebanho como uma política de saúde é uma ideia absurda, mal pensada e antiética", diz Hallal.
– e a abrir mão de medidas drásticas de isolamento social – foi a Suécia, citada pelo presidente Jair Bolsonaro, em maio, como exemplo a ser seguido. O Reino Unido cogitou seguir essa linha, mas as projeções de que isso levaria a milhares de mortes fizeram o governo recuar. Até agora, em comparação aos vizinhos nórdicos, a Suécia teve até sete vezes mais mortes e o declínio econômico foi equivalente ao de quem fechou comércios e escolas (já que habitantes evitaram circular nas ruas). Mas o número de mortes tem caído no país, o que reacendeu o debate sobre imunidade coletiva.
8 milhões
O estudo da UFPel também indica qual é o tamanho da subnotificação de casos no país: 3,8% da população equivale a 8 milhões de pessoas infectadas até 24 de junho, quando a pesquisa acabou.
De acordo com o Ministério da Saúde, havia 1,19 milhão de casos confirmados na mesma data. Ou seja, o número real de pessoas que contraíram o vírus seria seis vezes maior.
Esse trabalho mostra ainda que foram mais contaminados brasileiros amarelos (2,1%), pretos (2,5%), pardos (3,1%), e indígenas (5,4%) do que brancos (1,1%) e, que quanto mais pobre é uma pessoa, maior é o risco de ela ter covid-19. Para Hallal, isso indica que a política de combate à pandemia "fracassou".
Uma boa notícia é que a taxa de letalidade do vírus no país seria na realidade bem menor, cerca de 1% em vez dos 3,8% calculados hoje com base na relação entre casos e mortes oficiais.
A prevalência do vírus varia muito entre as cidades do país, segundo a pesquisa: entre 0% e 26,4% (em Sobral, no Ceará). As regiões Norte (8%) e Nordeste (5,1%) tiveram proporcionalmente mais testes positivos do que Sudeste (1,1%), Centro-Oeste (0,9%) e Sul (0,4%).
É nestas últimas duas regiões que o vírus mais avança hoje, quase cinco meses após o primeiro caso confirmado. A proposta de Hallal para mudar isso não é nada popular, como ele reconhece. "É hora de fazer um lockdown rigoroso no Sul e no Centro-Oeste."
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – O estudo mostrou que taxa nacional de infecção foi de 3,8%. Com isso, a imunidade de rebanho é possível?
Hallal – A imunidade de rebanho é um conceito mais teórico do que prático nesta pandemia. Quando tiver uma doença que não mate ninguém ou não seja grave, talvez a gente possa falar de imunidade de rebanho. Mas, para essa pandemia, falar nisso é quase uma piada.
A imunidade de rebanho só acontece com uma vacina – que não existe – ou quando muita gente adquire naturalmente anticorpos. Se hoje já morreram mais de 76 mil pessoas, seria ético esperar contaminar 60% a 70% da população e deixar morrer quase 1 milhão para então atingir a imunidade de rebanho? É óbvio que não. A ideia de mirar a imunidade de rebanho como uma política de saúde é absurda, mal pensada e antiética.
Exceto se algumas teorias que começaram a surgir nas últimas duas semanas estiverem certas. Elas falam da imunidade cruzada, que pessoas que tiveram exposição a outros coronavírus no passado não pegam covid-19. Se isso se confirmar, será uma notícia espetacular, porque uma parcela das pessoas teria imunidade porque pegou covid-19 e outra parcela teria imunidade porque já teve exposição a outros coronavírus. Seria mais possível chegar perto da imunidade de rebanho.
Mas isso ainda é muito incipiente. A gente precisa esperar um pouco mais para saber se a teoria da imunidade cruzada se confirma ou não.
BBC News Brasil – Alguns estudos recentes apontam que a imunidade de rebanho para a covid-19 poderia ser atingida com percentuais bem menores, entre 10% e 43%.
Hallal – Isso é tão recente quanto a teoria da imunidade cruzada. Todos nós torcemos para que se confirme, mas ainda não podemos ter certeza de que vai. É só uma teoria ainda.
BBC News Brasil – O estudo mostrou que as regiões do país tem uma prevalência do vírus muito diferente. Por que isso ocorreu?
Pedro Hallal – O Brasil é um país muito grande e não conseguiu controlar a epidemia em única zona. Com a exceção da China, que isolou bem a área onde começou a epidemia, todos os países com dimensões continentais, como os Estados Unidos, a Índia e a Rússia, estão enfrentando a mesma situação.
A epidemia chegou ao Brasil primeiro por São Paulo e Rio e pelo Norte, depois foi para o Nordeste. O Centro-Oeste e o Sul ficaram para o fim. Hoje, os números só estão aumentando consideravelmente no Centro-Oeste e no Sul. No Norte, já está baixando, felizmente. E o Nordeste e o Sudeste estão próximos de uma estabilidade.
BBC News Brasil – Quais foram as falhas na reação do país ao coronavírus?
Hallal – O maior erro foi nunca ter tido uma política de testagem ampla e maciça. É um problema gravíssimo, porque essa política não é para contar quantos doentes temos, é para isolar os positivos e testar seus contatos. Isso o Brasil nunca fez.
O segundo erro talvez seja inédito no mundo. Vários outros países também não testaram bem, mas não reabriram antes da curva estar caindo. Nenhum outro lugar fez algo tão equivocado. O Brasil parece que está desafiando o vírus, porque a gente reabre as cidades quando estamos no pico ou próximo do pico. Então, é óbvio que o vírus vai continuar infectando.
Se a gente tivesse feito tudo certo, era para estarmos hoje reabrindo uma parte da região Norte, onde já passou o pior, e com planos bem avançados para começar a reabrir no Nordeste e no Sudeste, onde a pandemia está começando a diminuir. E estaríamos elaborando planos para o Sul e o Centro-Oeste, focando na assistência da população. Mas a gente basicamente reabriu todas as regiões ao mesmo tempo.
BBC News Brasil – Por que as regiões Sul e Centro-Oeste não conseguiram impedir o avanço da pandemia, mesmo sendo afetadas depois?
Hallal – Elas adotaram políticas para restringir a propagação do vírus no final de março. Então, o vírus circulou pouco no início, mas elas flexibilizaram a quarentena enquanto a epidemia ainda existe, e o vírus começou a circular mais. É uma explicação simples, mas também é triste: o Sul e o Centro-Oeste flexibilizaram quando a curva ainda estava baixa, mas subindo. Esse foi o problema.
Mas podem perguntar: será então que eles fecharam muito cedo? Diria que não, porque, mesmo que esteja subindo a prevalência nestas regiões, ela está chegando só agora a 1%. No Norte, está em 10%. Então, muitas vidas foram preservadas ao adotar o distanciamento cedo.
Agora que a epidemia está bombando no Sul e no Centro-Oeste, é hora de fazer um lockdown rigoroso nestas regiões para fazer a curva descer. Sei que essa ideia não é popular e que muita gente vai me xingar e dizer que eu sou professor universitário e tenho o salário garantido, mas a verdade é que todos os outros lugares do mundo fizeram isso quando a situação se descontrolou.
O que acho que a população brasileira não notou ainda é que existe uma luz no fim do túnel: a Europa ainda segue tendo casos, porque não há vacina, mas não teve uma onda nova descontrolada. Isso é a prova de que, se a gente consegue baixar a curva, mesmo que a epidemia volte, ela não vai ter a mesma intensidade.
BBC News Brasil – Bastaria um lockdown no Sul e Centro-Oeste ou precisaria ser feito em outros lugares?
Hallal – Há um momento certo de fazer o lockdown. Não faria no Norte, porque a curva já está descendo. O lockdown é para quando a epidemia está bombando, quando começa a lotar as UTIs. Nesta hora, tem que estar tudo fechado. Por isso, as outras regiões não precisam fazer, a não ser com exceção de alguns lugares do Sudeste, como talvez São Paulo, que ficam nesse vai e vem preocupante.
BBC News Brasil – Uma quarentena mais flexível não seria suficiente?
Hallal – Depende do que entendemos como suficiente. Sempre vai ter mais casos se for quarentena do que se for lockdown. A questão é quantos casos o sistema de saúde consegue comportar e o quanto a gente acha aceitável. Neste momento, acho que é hora de fazer lockdown no Sul e o Centro-Oeste.
BBC News Brasil – Porque em algumas cidades, como São Paulo, Manaus e Recife, a prevalência do vírus foi caindo ao longo das fases do estudo?
Hallal – Há uma explicação burocrática e a outra, desafiadora cientificamente. A burocrática é que foi uma flutuação amostral, porque várias destas quedas estão dentro da margem de erro do estudo. Mas tem algumas que ficam muito evidentes. Chamam especialmente a atenção as quedas nas cidades em que a taxa estava muito alta. E isso pode ser por causa da imunidade cruzada ou do tempo que a imunidade dura no organismo – e essa é a hipótese mais interessante.
Alguns estudos apontam que a quantidade de anticorpos de pessoas que se infectaram há mais de três ou quatro meses começa a baixar, especialmente em quem teve uma infecção leve. Não quer dizer que ela perdeu imunidade. Os estudos mostram que a imunidade se mantém, mas o nível de anticorpos é pequeno para o teste dar positivo. Estamos fazendo estudos específicos nas cidades onde teve essa diminuição para entender se é isso que aconteceu.
BBC News Brasil – Mas isso não indica que a prevalência nacional apontada pelo estudo pode ser maior?
Hallal – Pode, e aí pode ser que estejamos não perto, mas um pouco menos longe da imunidade de rebanho. Mas, se estamos em 3,8% hoje e isso realmente for verdade, a taxa seria apenas um pouco maior e ainda estaríamos muito distantes da imunidade de rebanho.
BBC News Brasil – O que explica a queda tão brusca da epidemia em Manaus?
Hallal – Essa queda coloca em xeque o que estou dizendo sobre a imunidade de rebanho, porque Manaus não fez lockdown. Mas precisamos entender isso com o devido cuidado. Em Manaus, o vírus chegou muito cedo através do vínculo da Zona Franca com a China, e as epidemias costumam ter um limite temporal, que é normalmente de cerca de treze semanas. Essa é uma possibilidade. Outra é que o vírus circulou e esgotou sua capacidade de infectar. Mas uma terceira explicação possível, da qual tenho dúvidas, é que seria por causa da imunidade cruzada. A resposta está entre essas três possibilidades.
BBC News Brasil – Ou seja, o caso de Manaus pode indicar que o percentual de infecção necessário para atingir a imunidade de rebanho é menor do que se imaginava?
Hallal – Exatamente. Inclusive, há artigos sobre este assunto que citam isso. Porque Manaus não fez uma quarentena rigorosa o suficiente para ter essa queda. Então, pode ser que, seja por causa do passar do tempo ou pela quantidade de suscetíveis, o patamar necessário para a imunidade de rebanho tenha sido atingido em Manaus.
BBC News Brasil – Qual foi a principal surpresa do estudo?
Hallal – A prevalência tão alta no Norte. Teve lugares em que foi acima de 20%. Nas cidades de Breves, Boa Vista, Sobral… São números muito altos, que a gente não encontrou praticamente em lugar nenhum do mundo.
Outro resultado que salta aos olhos é a diferença entre a estimativa de casos do estudo e o que aparece na estatística oficial. É seis vezes mais. A mídia está noticiando que o Brasil chegou a 2 milhões de casos, mas minha leitura é que o Brasil já tem entre 10 milhões e 14 milhões de casos. A gente se preocupa e se assusta com essa diferença gritante.
BBC News Brasil – A pesquisa também mostrou o percentual de assintomáticos é muito menor do que se pensava. Olhando retrospectivamente, quão diferentes deveriam ter sido as estratégias adotadas contra a pandemia?
Hallal – Esse é um dos resultados mais importantes do estudo. Vou dar o exemplo de um sintoma, que a pesquisa mostrou que 60% das pessoas positivas tiveram: a perda de olfato e paladar. Isso é diferente de tosse, que qualquer pessoa pode ter de vez em quando. A perda de olfato e paladar é um sintoma muito específico.
Se a gente soubesse antes que tanta gente ia ter isso, certamente teríamos montado no país um sistema de vigilância por telefone, nas unidades de saúde, nos hospitais, teríamos divulgado mais na mídia, dizendo que quem sentisse isso fosse imediatamente fazer teste e informasse as dez pessoas com quem mais se teve contato recentemente.
Mas também encontramos aí um percentual de pessoas que não relatou nenhum sintoma – de só 11%. Ou seja, o que se falava, de que a maior parte das pessoas são assintomáticas, está errado. O que é verdade é que a maior parte das pessoas têm sintomas leves e não precisam ir para o hospital, mas a maioria das pessoas vai ter algum sintoma. E isso poderia ter ajudado desde o começo a identificar quem está em risco e mandar testar. Inclusive, se a gente tivesse uma política ampla de testagem, ela poderia ter mostrado isso. É essa a política de testagem que a Coreia e outros países usaram e que deu tão certo para reduzir a intensidade da pandemia.
BBC News Brasil – O estudo também mostrou que as taxas mais altas estão nas regiões mais pobres do país e que também entre os níveis socioeconômicos mais baixos.
Hallal – Isso é uma característica brasileira. Chama muita atenção esse "empobrecimento" da pandemia no Brasil em comparação com outros países. O estudo mostra que há um risco muito maior de infecção entre os pobres. Nesta parte da população, as famílias são maiores, e as casas são menores. Então, a aglomeração é maior. E os pobres infelizmente acabam tendo que sair mais para a rua para conseguir dinheiro para se sustentar. Isso é cruel.
Todo mundo falava que, quando chegasse nos grupos socioeconômicos mais baixos, a transmissão seria maior. Quando o vírus chegou ao Brasil, pelas pessoas de alto nível socioeconômico, poderia ter sido feita uma política mais rigorosa de testagem para evitar a disseminação. Se o vírus atingiu as classes socioeconômicas mais baixas, isso mostra um fracasso da política de saúde nacional no enfrentamento do vírus. Os mais vulneráveis acabam sendo os mais expostos a ele. Isso sem falar na questão étnica e racial. Os indígenas tem cinco vezes mais risco de se infectar em comparação com os brancos.
BBC News Brasil – E por que isso ocorre?
Hallal – Há duas hipóteses. Uma, é que os indígenas podem ser mais propensos a pegar o vírus ou têm menos imunidade cruzada. Mas, na prática, o que acho que está acontecendo, é que, havendo uma pessoa infectada, há na forma de organização dos grupos indígenas mais contato entre as pessoas. Por isso, o vírus acaba disseminando mais.
BBC News Brasil – Isso já não era sabido? Não deveriam ter sido tomadas medidas para evitar esse efeito?
Hallal – Claro que sim. Precisa perguntar para o Ministério da Saúde por que não foi feito. Todo mundo sabia que, quando chegasse nas favelas e nos grupos indígenas, ia ser um caos. Infelizmente, o Brasil não conseguiu fazer uma política de proteção das populações mais vulneráveis.
BBC News Brasil – De que forma a instabilidade política prejudicou o combate à pandemia?
Hallal – Talvez o presidente não tenha noção do impacto que ele tem. A maioria das pessoas votou no Bolsonaro. Quando ele fala que é só uma gripezinha, ele está dizendo para 50 milhões de brasileiros para não dar bola para esse problema. Essa postura negacionista teve uma influência, que se soma à falta de políticas claras de saúde e a termos um Ministério da Saúde em constante transição de comando. No momento em que o país mais precisa, não temos um ministro da Saúde.
BBC News Brasil – Por que esse estudo é importante para o combate à pandemia?
Hallal – Porque temos que conhecer o inimigo que queremos combater. Temos uma doença desconhecida sobre a qual sabemos muito pouco, e as estatísticas oficiais representam só a ponta de um iceberg. Não tem como entender o todo com base nelas. Nossa pesquisa permite olhar a parte do iceberg que está submersa, que são a pessoas que não estão buscando o serviço de saúde, mas que também estão sendo infectadas e infectando outras pessoas.
BBC News Brasil – E existe intenção de dar continuidade à pesquisa?
Hallal – Da nossa parte, sim, mas parece que da parte do governo, não. Concluímos com sucesso as três fases que estavam previstas e apresentamos os resultados. No meio de uma pandemia, o normal seria prosseguir, mas o ministério silenciou sobre o assunto. Provavelmente, não há interesse em manter a pesquisa.
BBC News Brasil – O ministério informou à reportagem que tem interesse em continuar, mas que não sabe ainda se será com a UFPel.
Hallal – Não temos problema nenhum com isso. Só queremos que deixe de ser discurso e vire realidade. Apresentei os resultados da pesquisa há mais de 15 dias, e a resposta do ministério continua a mesma. Se o ministério, por questões ideológicas, não quer prosseguir com a gente, respeitamos, embora seja meio difícil de justificar. Porque já tem uma expertise montada, e somos o grupo de epidemiologia mais reconhecido do país. Mesmo assim, se o ministério quiser fazer com outro grupo, não há problema, mas que faça. Por enquanto, não houve nenhum avanço, e acho que essa resposta protocolar do governo vai se manter por algum tempo.
BBC News Brasil – Por que uma questão ideológica?
Hallal – No ano passado, fiz muitas críticas às políticas do Ministério da Educação, que bloqueou recursos orçamentários da universidade. Pode ser que o governo entenda que eu sou um reitor desse grupo que eles chamam de comunista, esquerdista. Mas sou um gestor que defende a universidade. Sempre que fui chamado pelo ministério – – e, aliás, fui chamado para fazer essa pesquisa pelo governo atual – , me coloquei à disposição.
Tratamos o estudo com isenção e rigor científico, tanto que temos um artigo publicado na Nature e outro que vai ser publicado no Lancet, duas das melhores revistas científicas do mundo. Mas parece que o ministério acha que é melhor seguir com o trabalho com uma universidade com a qual eles têm um vínculo ideológico mais próximo.
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JORNAL OPÇÃO
Heróis no combate à Covid são vítimas de violência no front
Por Marcos Aurélio Silva
Hostilidade a agressões contra profissionais médicos se agravaram durante a pandemia. Medo e insegurança passaram a ser rotina nos atendimentos
A violência contra os profissionais de saúde não é resultante da pandemia do coronavírus, mas é evidente que a crise sanitária causada pela Covid-19 potencializou as agressões a quem está no front. A contaminação segue avançando e dentre os inúmeros impactos que ela traz consigo, estão a fragilidade e a insegurança para quem trabalha salvando vidas.
No começo da pandemia foram muitos os vídeos que mostravam aplausos para os profissionais da saúde. Com toda a razão, receberam títulos de heróis. Porém, esse não é o tratamento que recebem cotidianamente.
A violência se faz presente em todos os cantos e em diferentes contextos, mas os postos de saúde e pronto-atendimentos ficaram mais suscetíveis, justamente por serem “portas de entrada” de quem acessa serviços de saúde.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 8 em cada 10 profissionais de saúde já foram vítimas de algum tipo de agressão física ou verbal. Esse dado antecede a pandemia e por isso os relatos dos profissionais que estão atuando no enfrentamento a Covid, nos leva a crer que esse cenário conseguiu atingir um estágio ainda mais grave.
Na última semana um casal invadiu uma sala do Cais do Bairro Goiá para agredir um médico – que naquele momento estava entubando um paciente que tinha dificuldades em respirar. Aos gritos a mulher, que havia sido classificada como de baixo risco de urgência, exigia o atendimento, pois estava em busca de um encaminhamento para fazer teste para Covid-19.
No vídeo gravado por um celular observa-se o quanto de violência a mulher e o companheiro usaram para tentar ganhar na “unha” a prioridade na fila para consulta. O médico ficou com várias marcas de arranhões no pescoço. Segundo colegas de trabalho, essa foi a terceira agressão que ele sofreu enquanto trabalhava. Cansado de ser vítima desse tipo de violência, o profissional pediu demissão.
Na primeira semana de julho um outro caso ocorrido em Minas Gerais revelou as reações que os protocolos exigidos para os casos da Covid podem provocar em pacientes e familiares. Uma policial civil invadiu o Hospital da Baleia, em Belo Horizonte. Armada, ela ameaçou todos os profissionais e pacientes que estavam na recepção, com o objetivo de ver o irmão, que morreu em decorrência do novo coronavírus. Em casos assim o protocolo impõe que familiares não tenham acesso ao corpo. A policial só foi contida com a chegada de colegas da delegacia em que ela trabalhava.
Agressões rotineiras
“Ficou mais perigoso para o profissional trabalhar. As pessoas chegam bem nervosas e tensas. As ameaças são o tempo todo. Acho que é uma forma que as pessoas veem de colocar a culpa do isolamento e da Covid em alguém. Encontram nas enfermeiras, atendentes, médicos e até o pessoal da limpeza, como um alvo.” O relato é uma profissional de saúde que trabalha no Cais do Bairro Goiá, que por medo pede o anonimato.
Ela diz há muitos anos trabalha no atendimento à saúde e que sempre houve ameaças, alguns casos terminavam em agressões físicas. Mas ela avalia que desde o começo da pandemia isso se tornou mais frequente e intenso.
Testemunhos de agressões em unidades de saúde de Goiânia sempre deságuam no Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde). E lá as queixas aumentaram no período relacionado pandemia. A vice-presidente do sindicato, Luzinéia Vieira dos Santos, confirma que sempre houve muitas reclamações de agressões e que de fato os casos se agravaram nos últimos três meses.
“Além do profissional estar submetido a uma carga de trabalho excessiva, tem a questão da saúde mental que também fica abalada. O nível de estresse é muito elevado”, diz a sindicalista. “Temos vivenciado a escassez de testes (de Covid) nas unidades de saúde, então muitas vezes as pessoas chegam numa angústia para saber se são portadoras da Covid. Querem ser testadas. Quando não encontram, partem para agressão”, completa.
Luzinéia afirma que a pandemia exacerbou a violência contra os profissionais de saúde e cobra que haja atenção para a segurança. “Precisa ter a presença do guarda nas unidades. É clara a falta de compreensão das pessoas aos protocolos que as impedem de se despedir de um parente que morreu por Covid, porque precisa ficar isolado ou mesmo porque tem que usar máscara. Tudo isso gera um atrito que pode terminar em violência”, avalia.
“Os profissionais estão amedrontados e se sentindo desprotegidos”
A constatação de que a violência aumentou contra os profissionais de saúde também foi feita pelo Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego). Segundo a presidente da entidade, Francine Leão, o alerta sobre a situação de risco dos médicos já foi feito às autoridades.
“Definitivamente não está fácil trabalhar no front nesses últimos meses. A pandemia exacerbou as fragilidades do sistema de saúde e o esgotamento dele. A população que encontra-se mais impaciente e emocionalmente fragilizada, não colabora com os profissionais para melhor assistência nesse momento. Temos vivenciado agressões verbais diariamente. Agressões físicas com frequência. Insinuações de incompetência ou de corrupção ocorrem por vezes.”
Francine aponta que os profissionais médicos chegaram a exaustão e que a população tem se mostrado cada vez mais impaciente. “Além da dificuldade de terem empatia diante do distanciamento, temos dificuldade com a comunicação, já que as pessoas não entendem os protocolos”, afirma.
Segundo a presidente do Simego, quando a Covid resulta na morte do paciente, esse se torna o momento mais crítico dentro das unidades de saúde. “É quando sofremos mais acusações. Precisam culpar alguém. Os profissionais estão mais próximos e indefesos.”
Impaciência é maior com o SUS
A Prefeitura de Goiânia reconhece que a violência contra os servidores da saúde aumentou e que as agressões estão relacionadas a pandemia. Para o superintendente de Gestão de Redes de Atenção à Saúde, Silvio José de Queiroz, a impaciência que resulta em violência é maior nas unidades públicas.
“As pessoas pagam caro por uma consulta particular e esperam por horas. Isso sem se queixar. Infelizmente no SUS quando espera por uma hora quer bater na enfermeira ou quebrar a unidade”, indica Silvio.
O superintendente diz ter a percepção de que na maioria das vezes o agressor é um paciente que não necessita de um atendimento urgente, mas mesmo assim deseja ter prioridade. “O caso da agressão no Cais do Bairro Goiá ilustra isso. A pessoa aparentemente não precisava de um atendimento de urgência e emergência. Ela fez a ficha na recepção e foi direto buscar atendimento com o médico, que ele estava entubando um outro paciente. Ela queria um pedido de exame PCR para Covid.”
Sobre a garantia de segurança para os profissionais de saúde nas unidades geridas pela Prefeitura, Sílvio diz que tem sido feito o possível junto a Guarda Civil Metropolitana de Goiânia. No entanto, a corporação também foi impactada pela pandemia e teve seu quadro reduzido.
“Há mais de um mês os guardas foram retirados das unidades de saúde de urgência, também das de saúde mental e as unidades básicas. Nós temos tentado através do diálogo retornar, mas a Guarda informa que estão com déficit de pessoal. Muitos são do grupo de risco e tiveram que ser afastados e outros foram positivados e também não podem trabalhar. Isso tem deixado inviável eles darem apoio para gente”, relata.
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PORTAL G1
Paciente e médico se envolvem em confusão após profissional indicar agendamento por telefone para exame de coronavírus
Caso aconteceu em Aparecida de Goiânia. O paciente procurou atendimento na UPA do bairro Buriti Sereno após ter contato com um parente diagnosticado com coronavírus. A família planejava fazer o exame na unidade, mas o médico teria indicado agendamento por teleatendimento.
Por Rafael Oliveira, G1 GO
O gestor de segurança pública Sílvio César Costa Júnior e um médico plantonista da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Buriti Sereno, em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, se envolveram em uma confusão dentro do consultório porque o profissional teria pedido para o paciente agendar o exame de coronavírus por telefone, enquanto a família planejava fazer o teste na própria unidade hospitalar.
A confusão aconteceu na noite de sexta-feira (17) dentro da unidade (assista acima). A família alega que o paciente tem a saúde fragilizada e precisaria realizar o teste no local. Porém, o médico avaliou que não havia necessidade para realizar o exame com urgência.
O médico informou em nota que o paciente se alterou ao saber que o exame não seria realizado na UPA e depois tentou o agredir fisicamente. A Secretaria Municipal de Saúde comunicou, também por meio de nota, que o paciente tem histórico de doença mental e se exaltou ao ser informado sobre o protocolo para realização do exame de diagnóstico da Covid-19.
O paciente, por sua vez, alega que foi agredido pelo médico com dois socos na cabeça ao se levantar para sair do consultório. (Leia as notas na íntegra ao final).
O boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil diz que o "paciente e a família causaram um tumulto na UPA e estariam agredindo médicos de plantão por descontentamento com o atendimento" e que "ao chegar no local, equipes encontraram os familiares bastantes nervosos, tentando invadir a UPA, e os médicos acuados dentro da unidade".
Contato com o vírus
Shirley Ferreira Costa, mãe do paciente, conta que o filho teve contato com um parente diagnosticado com o coronavírus há poucos dias e procurou a UPA para tentar realizar o exame.
A mãe relata ainda que o filho possui menos 35% de massa cerebral após levar um tiro e passar por cirurgias no local da ferida.
A sequela da operação provoca convulsões constantes no cotidiano do paciente e essa preocupação motivou a mãe a procurar o exame antes que ele sinta falta de ar, um dos principais sintomas da doença.
"Meu filho não tem 35% do cérebro, por isso a gente tem que ficar averiguando a saúde dele constantemente", explica Shirley Ferreira.
Confusão no consultório
Durante a consulta, a mãe diz que o médico indicou a realização do exame para entre seis e oito dias após o contato com o parente contaminado. "Meu filho tem menos dias que isso", conta.
O médico disse em depoimento à polícia que o pré-atendimento e as queixas relatadas pelo próprio paciente não se enquadravam nos protocolos para realização do exame de Covid-19.
A suposta confusão aconteceu ao final do atendimento. A versão do paciente é de que “Ele [médico] fechou o notebook e quando virei para sair, ele me deu um murro na cabeça. Quanto tomei o primeiro, não entendi nada e, em seguida, tomei mais um soco".
A mãe diz que o filho saiu do consultório cambaleando após a confusão e que ele foi atingido na área onde está a cicatriz da cirurgia e o implante de uma prótese, na cabeça.
O médico, por sua vez, explicou em nota que o paciente deveria agendar o exame pelo teleatendimento, o que causou revolta no homem. O profissional esclarece que teria sido agredido verbalmente no meio da confusão e que mesmo após o incidente, o pai e o pai tentaram uma nova agressão, mas foram impedidos por funcionários da UPA.
Notas na íntegra
Nota do médico
O que aconteceu foi o seguinte: ao ser informado que não poderia ser realizado o exame na unidade e que o paciente deveria agendar o mesmo pelo teleatendimento, ele se alterou, me agrediu verbalmente e depois começou a gravar a consulta, quando o liberei do atendimento, ele avançou contra minha mesa, bateu no meu computador e o fechou. Nessa hora eu me assustei, levantei e fui em sua direção para pegar o telefone que estava usando para gravar, nessa hora ele tentou me agredir fisicamente e jà começou um tumulto de funcionários e outros acompanhantes; no meio disso tudo, ao tentar me defender, acabei empurrando ele contra o canto da parede. Nisso a mãe dele fazia um escândalo, mesmo antes de eu sequer encostar nele. Mesmo após o incidente, tanto ele quanto o pai dele tentaram me agredir, só não o fizeram porque funcionários e outros acompanhantes que estavam no corredor não deixaram.
Nota da Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia
A Secretaria de Saúde de Aparecida de Goiânia esclarece que durante o plantão noturno desta sexta-feira, 17 de julho, um paciente da UPA Buriti, com histórico de doença mental, já chegou transtornado na recepção da unidade e se exaltou ao ser informado sobre o protocolo para realização do exame de diagnóstico da Covid-19. Ele foi atendido e agrediu verbalmente o médico e outros profissionais. Segundo informações do profissional que realizava o atendimento, o paciente começou a filmar o médico sem autorização, desencadeando uma confusão, que resultou na queda do paciente. A situação foi presenciada por testemunhas e os envolvidos registraram boletim de ocorrência. Agora, a Secretaria aguarda a apuração policial sobre o ocorrido.
A Secretaria de Saúde de Aparecida de Goiânia repudia veementemente qualquer forma de violência e reitera que toda agressão a profissionais de saúde é inadmissível, principalmente neste momento de enfrentamento à pandemia, quando todos que estão na linha de frente trabalham em situação de constante estresse.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação