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O POPULAR
Medicina
Jornada cada vez mais intensa
Mudanças no mercado de trabalho fazem com que médicos aumentem vínculos empregatícios, o que pode afetar atendimentos
Galtiery Rodrigues
A multiplicidade de vínculos empregatícios, embora não seja uma situação específica dos médicos, é uma realidade cada vez mais crescente entre os profissionais de medicina. Conforme casos oficialmente identificados pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), existem aqueles que chegam a manter até seis empregos e exercer uma carga horária de trabalho de mais de 100 horas semanais, o que significa quase 60% do tempo em atividade. Entre os representantes da categoria, a justificativa para isso é a ausência de planos de carreira e de contratações com carteira assinada, o que obriga o profissional a recorrer a vários locais de trabalho. Em contrapartida, a sobrecarga e o estresse gerado podem influenciar diretamente na qualidade do tratamento e comprometer um elemento básico da profissão, que é a relação médico-paciente.
Os cuidados a serem tomados, levando em consideração o limite e a disposição pessoal, são de responsabilidade do médico. A legislação permite, em caso de trabalho na rede pública, uma carga horária máxima de até 60 horas por semana. Além disso, é comum o profissional recorrer a plantões e outros trabalhos na rede privada ou, até mesmo, abrir um consultório particular. “É quase regra geral. Mais de 50% dos médicos trabalham mais de 60 horas. O motivo basicamente é complementar a renda mensal”, afirma o presidente da Fenam, Geraldo Ferreira. Ele lembra que os vínculos da profissão ainda são muito precários, por meio de contratos temporários e, muitas vezes, não se respeita o piso salarial proposto pelos sindicatos.
Na balança desse contexto, a desafio é manter o equilíbrio entre o interesse de aumento da remuneração e a qualidade de vida do profissional e, principalmente, do atendimento ao paciente. Geraldo Ferreira e o presidente do Sindicato dos Médicos de Goiás (Simego), Rafael Cardoso Martinez, compartilham da mesma opinião. Ambos consideram essa situação prejudicial para o exercício da profissão, “porque o médico passa a ter tudo a mais: o deslocamento de trânsito é maior, os riscos, o cansaço e, claro, a dificuldade de priorizar e dar atendimento devido aos pacientes, porque ele está com a atenção dividida”, expõe Rafael. O certo, para ele, seria oferecer exclusividade de emprego, com remuneração adequada e plano de carreira.
A profissão em si se caracteriza pelo perfil liberal e, assim, se desenvolveu historicamente. No passado, há 50, 60 anos, o comum era encontrar médicos com consultórios próprios e, cujo valor do serviço prestado era diretamente negociado com o paciente, que fazia as vezes de cliente. Esse modelo de trabalho, que fortalecia a relação entre as partes, ainda existe, mas em escala bem inferior.
O surgimento e implantação dos planos de saúde, de mais postos de trabalho na rede pública, a revolução tecnológica e o aumento sistemático da população, que impactou na necessidade de proliferação de clínicas e hospitais, elevaram a maioria dos médicos à condição de empregados e prestadores de serviço. Os pacientes continuam exercendo o mesmo papel, mas na formação médica e no exercício ideal da profissão eles devem ser a prioridade máxima.
No livro Cartas para Estudantes de Medicina, escrito pelo médico e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celmo Celeno Porto, de 80 anos, a relação médico-paciente é chamada de prova de fogo, por meio da qual o profissional percebe se está ou não na atividade certa.
Mais de 90 horas semanais
De segunda a sexta, a jovem médica Fernanda Gerst, de 28 anos, faz residência em cardiologia no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). O horário, geralmente, é das 7h às 19 horas. Além disso, todas as segundas e quintas-feiras, ela realiza plantões no Hospital Jacob Facuri, onde fica das 19h às 7h. Ou seja: ela chega a trabalhar, duas vezes por semana, por 36 horas ininterruptas. “Às vezes, dá para dormir umas quatro horas na madrugada de plantão”, ameniza.
E, para completar, ela precisa ir todas as manhãs de sábado e domingo até o Hugo para acompanhar a evolução dos pacientes e ainda encontra tempo para participar de congressos, simpósios e encontros científicos da especialidade. A rotina é corrida, pode chegar a 92 horas de trabalho semanais, exige disciplina, foco e Fernanda gosta do que faz. “É complicado, mas, assim, é até bom”, diz.
Mais técnica, menos contato
Quantidade de empregos e tempo escasso fazem com que profissionais realizem medicina técnica, pouco humanizada
A multiplicidade de empregos, o número crescente de pacientes e o tempo cada vez mais escasso podem ser obstáculos e levar o profissional a uma postura mais técnica do que, propriamente, humana. O mais experiente dentre os que estão trabalhando em Goiânia pelo programa Mais Médicos, do governo federal, o médico Mário Jorge Bechepeque, de 74 anos, acredita nisso. “Há muitas variáveis nessa situação, mas acho que os múltiplos empregos levam o médico a fazer uma medicina muito técnica e não é só isso que resolve. O exame clínico é fundamental, com contato, bate-papo. Muitas vezes, é ele que traz luz para o diagnóstico do médico”, afirma.
Seu Mário tem 43 anos de profissão. O maior número de empregos que ele chegou a ter foi três: um na rede municipal, outro na estadual e um consultório próprio, no qual atuava como ginecologista e obstetra. “Não sou contra, desde que tenha disposição para exercer a medicina como ela deve ser. Você pode ter a tecnologia e os instrumentos mais avançados, a medicação de máxima eficácia, mas o que nunca pode faltar é o exame clínico bem feito no paciente”, expõe.
DEPRESSÃO
O presidente da Federal Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira, conta que pesquisas comprovam o alto índice de depressão, alcoolismo, doenças cardíacas e até de suicídio entre os médicos. Fruto essencialmente da pressão diária, da elevada responsabilidade e da vida atribulada. O presidente do Sindicato dos Médicos de Goiás (Simego) Rafael Cardoso Martinez, conta que já chegou a ter cinco empregos. Hoje, tem três por causa da especialização em oftalmologia, mas, ainda assim, o tempo para ficar com a família e em casa é pouco, segundo ele. No dia a dia ele chega próximo de 80 horas semanais de trabalho. “É desgastante. Tanto pela parte física, como emocional”, relata.
Apesar do salário diferenciado em relação às demais categorias trabalhistas – estudo do Instituto de Política Econômica Aplicada (IPEA), divulgado no ano passado, revelou que os médicos são os que ganham mais no mercado de trabalho, média de R$ 6,9 mil – o profissional de medicina em início de carreira, na rede pública, tende a receber de acordo com uma série de fatores, como tipo de lotação, carga horária e serviço oferecido. O piso salarial proposto pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam) para quem trabalha 20 horas semanais é de R$ 10,9 mil e, para 40 horas, R$ 15 mil.
Médico recém-formado, Otaviano Ottoni Netto, de 34 anos, optou por não se sobrecarregar, no início da carreira, para estudar e se especializar. Ele foge à regra vivida por vários colegas, especialmente aqueles que formados em instituições privadas. “O investimento para você se tornar médico numa faculdade particular é muito grande. Muitas vezes, a gente sai de lá querendo recuperar isso. O pessoal sai sedento para ganhar dinheiro e acaba aceitando várias propostas”, expõe. Otaviano pretende, primeiro, se especializar em cirurgia geral e, hoje, ele organiza os horários entre os estudos e os trabalhos em Rio Verde, no sudoeste goiano, vinculado ao Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab) e no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
“Ruim para o médico, péssimo para o paciente”
Com 80 anos, natural de Araguari (MG) e, desde 1966, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celmo Celeno Porto é referência para muitos profissionais. Em entrevista ao POPULAR, ele refletiu sobre as mudanças na profissão e o comportamento dos médicos.
Mudou alguma coisa para o profissional, desde a época em que você começou na carreira médica?
Mudou tudo. Primeiro, na formação. Estou formado há 55 anos. A maneira de se formar na década de 1950 era muito diferente, porque tinha um número de escolas muito pequeno e todas elas tinham condições excelentes, porque eram poucas. Então, havia toda uma estrutura de hospitais e isso era um diferencial. O nível de concorrência era o mesmo, mas havia uma grande diferença na maneira de organizar o ensino. Não havia internato. Fazíamos seis anos de faculdade, mas com muita prática. Não havia residência. Nós saíamos já preparados para trabalhar. Não tinha tanta informação como tem hoje. Os recursos tecnológicos, da mesma forma. Isso dá uma diferença muito grande.
O mercado de trabalho também era diferente?
Totalmente. Muito diferente. Havia ainda uma proporção grande de medicina liberal, embora ela já estivesse começando a diminuir, que era aquela responsabilidade direta do paciente em pagar o próprio médico. Naquela época, no mínimo 50% da atividade médica e da demanda estava dentro do conceito de medicina liberal. Os honorários eram definidos entre os dois. Não havia tabela nenhuma. Hoje, a parcela de medicina liberal é ínfima. Hoje, você pode separar a população brasileira em três grupos bem distintos: cerca de 150 milhões de brasileiros dependem de políticas públicas do SUS, 45 milhões estão dentro de planos de saúde ou podem entrar e aquela parcela mínima de 5 milhões que recorrem ao profissional liberal.
Na sua época, já existia essa realidade marcada pela multiplicidade de vínculos empregatícios, com médicos que chegam a ter quatro, cinco empregos?
Estava começando. Lembro que, no início, isso foi um privilégio. Curioso, não é? Por que privilégio? Porque médico só podia ter um emprego, aí houve uma mudança na legislação que permitia ter dois vínculos, para conciliar o trabalho nas redes pública e privada. Hoje é um tremendo ônus, um tremendo castigo. Múltiplos empregos, com remuneração baixa em cada um, obrigam o médico a correr de um para o outro, às vezes até de uma cidade para outra. Isso é um tremendo ônus, com repercussões péssimas. É nocivo. É um mercado selvagem. O médico se desgasta, fica cansado, desiludido, frustrado. Ninguém resiste a viver anos desse jeito.
E é um ônus só para o médico ou para o paciente também?
O paciente também perde muito. Para correr atrás de um orçamento melhor, o médico atende mais, mas às vezes atende cansado, com dificuldade de raciocínio, estresse. O desgaste é ruim para o profissional, mas é péssimo para o paciente.
No seu livro Cartas para Estudantes de Medicina, você fala muito da importância da relação médico-paciente. Como fica ela nesse contexto?
Cada vez mais, ela fica pior. A relação médico-paciente depende do encontro clínico. Só disso. Não depende de nenhum recurso tecnológico, de nenhum equipamento. E depende, também, do tempo adequado. Ninguém faz relação médico-paciente atendendo 30, 40 pacientes por dia. Trata-se de uma relação interpessoal, que se origina na confiança. Não é preciso conhecer a fundo o médico, mas é preciso ter olho no olho. Não existe medicina de excelência se a relação medico-paciente não for boa. É ela quem está perdendo com essa anarquia do sistema de saúde. Escrevo isso com todas as letras, várias vezes. A relação eu e tu decide tudo. Se começar bem, vai continuar bem em todo o sistema.
A formação atual dos médicos leva isso em consideração?
Sim, claro, da mesma forma que levava na minha época. Hoje, a diferença é a enorme quantidade de informação, porque estamos passando por uma revolução biológica e tecnológica, a qual ainda não sabemos aonde vai parar, e tem também esse conflito entre a classe e o governo. Estamos em pleno “tsunami” da maneira como os médicos estão trabalhando. Para eu entender a medicina hoje, eu preciso entendê-la como um bionegócio, assim como agronegócio. E é um bionegócio que envolve milhões, porque envolve indústria farmacêutica, indústria de equipamentos, clínicas, hospitais, laboratórios, planos de saúde, médicos, enfermeiros. (08/06/14)
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Mercado de trabalho
Faltam médicos, engenheiros e arquitetos no País
Profissões somaram menos de 5% de recém-formados em 2012. Fator impulsiona salários
São Paulo – Catorze mil médicos estrangeiros desembarcaram no Brasil desde setembro de 2013 para trabalhar no programa Mais Médicos. Polêmico, o tema chama a atenção para um cenário também observado em outras profissões: além de médicos, faltam engenheiros e arquitetos no País. Em 2012, juntas, essas categorias não somaram nem 5% do total de recém-formados no ensino superior, um quadro que impulsiona os salários dessas áreas.
O principal indicador usado pelos pesquisadores para detectar escassez de mão de obra é uma forte pressão de aumento nos salários reais. Nessas profissões, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2012, o salário médio dos admitidos era superior ao dos profissionais desligados. Além disso, entre 2009 e 2012, a remuneração dos que estavam sendo contratados cresceu mais do que a dos trabalhadores que deixaram o emprego.
Entre médicos e engenheiros recém-admitidos, a variação salarial foi de cerca de 47%. Na outra ponta, o ganho de salário daqueles que deixaram o mercado ficou em 17%. Para arquitetos e urbanistas, o ganho salarial foi de 26% entre novos profissionais, sendo 18% entre os que deixaram seus postos. Além do aumento significativo dos salários iniciais, o baixo desemprego e a parcela crescente de profissionais atuando na própria área de formação ajudam a detectar falta de mão de obra
Do lado da oferta, mais de um milhão de brasileiros concluíram algum curso de nível superior em 2012, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O maior número de formados vem dos cursos de Administração, Pedagogia e Direito, que representam um terço dos novos profissionais. Médicos, arquitetos e urbanistas, engenheiros civis e de produção, juntos, não chegam a 5%.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menos de 30% dos engenheiros entre 35 e 54 anos atuavam no setor em 2010. Nos anos 1970, esse grupo ultrapassava 60%. A tendência de falta de profissionais, contudo, vem se revertendo.(08/06/14)
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessora de Comunicação