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JORNAL OPÇÃO
Entrevista | Leonardo Reis
“Houve um desmonte da estrutura de assistência pediátrica em Goiânia”
Presidente do Cremego critica gestão da saúde na capital, que tem dificultado a busca por atendimento nas unidades municipais e colaborado com superlotação dos hospitais
Depois do encerramento dos trabalhos da Comissão Especial de Inquérito (CEI) na Câmara Municipal que investigou a situação da saúde em Goiânia, pouco se discutiu a situação do desmonte da rede de atendimento nas unidades públicas da capital. Mas a morte de uma criança de 5 anos nos corredores do Hospital Materno Infantil (HMI) no fim de março retomou a atenção ao assunto, que evidenciou a falta de pediatras nos Cais.
Em resposta ao caos na saúde de Goiânia, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) publicou uma carta com diversas críticas e apontou muitas falhas na saúde, tanto na capital quanto no Estado. No documento “A saúde não pode continuar sendo negligenciada”, o Cremego alertou para a “precarização” da rede de atendimento. Presidente do Conselho Regional de Medicina, o oftalmologista Leonardo Reis discute a concentração do atendimento no Cais de Campinas, a superlotação do HMI e a necessidade da contratação de pediatras pela Prefeitura de Goiânia, além de outros assuntos.
Rodrigo Hirose – O Cremego publicou na semana passada uma carta aberta tecendo várias críticas ao sistema de saúde público, tanto do Estado quanto do município, com foco nas questões do Hospital Materno Infantil (HMI) e do Cais [Centro de Atenção Integrada à Saúde] de Campinas. O governo de Goiás enviou uma nota na qual contesta a carta e diz que tem feito investimentos, como na abertura de novos leitos no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol). Como as medidas anunciadas pelo governo ajudam?
As medidas do governo do Estado foram importantes. Foram interessantes. Nossa manifestação precede a abertura de leitos. Foi uma manifestação que ganhou repercussão porque reflete a realidade. É bom ver que o governo do Estado reconheceu as dificuldades que tanto o município de Goiânia tem quanto outras cidades do interior no atendimento em pediatria. Tanto é que tomou uma iniciativa bastante rápida de determinar que o Hugol também faça o atendimento pediátrico.
Hugol é um hospital de excelência, de alta complexidade, que faz um trabalho brilhante e que ajudará muito a remediar a situação do Materno Infantil. HMI é um hospital muito antigo, que está quase em seu aniversário de 50 anos, e que tem sido a única opção do Estado para o atendimento obstétrico pediátrico materno infantil nos últimos anos. A Maternidade Nossa Senhora de Lourdes foi incorporada recentemente à Organização Social (OS) que cuida do HMI.
Fora as duas unidades, não temos outra para o atendimento pediátrico. Mas acaba que o serviço é prestado apenas pelo Materno Infantil, porque a Nossa Senhora de Lourdes não faz mais policultura, ambulatório de pediatria, tampouco urgências pediátricas. Quando falamos em atendimento pediátrico propriamente dito, é só o Materno Infantil.
As outras maternidades do município de Goiânia não fazem esse atendimento pediátrico, apenas o obstétrico e neonatal. Portanto não é uma pediatria plena. A iniciativa do Estado de abrir as portas do Hugol para o atendimento em pediatria é uma iniciativa que devemos parabenizar. Quem parece não fazer o dever de casa é o município, que vem desestruturando toda a assistência pediátrica que havia nos Cais.
Houve um desmonte dessa estrutura. Os profissionais pediatras que trabalhavam foram desligados. Esses servidos que foram desmanchados. Agora a secretária municipal de Saúde [Fátima Mrué] tenta através um chamamento recolocar uma estrutura que já existia provando que aquele modelo estava correto e a economia que foi gerada pelo desmantelamento do sistema que existia se deu às custas de muitas vidas e de muito sofrimento.
Rodrigo Hirose – Ao desmontar o atendimento que era feito em rede e concentrar no Cais de Campinas, a prefeitura não foi omissa, foi agente da piora do atendimento pediátrico em Goiânia?
Sem dúvida. A prefeitura foi um agente provocador. Não foi negligente e omissa. A prefeitura foi imprudente ao desmanchar e desconstruir todo um sistema que havia sido construído ao longo desde 2005, quando todos os Cais foram colocados para funcionar 24 horas e com pelo menos dois médicos pediatras no plantão.
Rafael Oliveira – Quando as pessoas chegam a uma unidade de saúde, muitas ouvem que não tem médico ou não tem pediatra. Não há pediatra na rede pública ou é uma especialidade que está carente em Goiás?
Em 2005 havia 12 Cais em Goiânia, apenas cinco eram 24 horas. De um dia para o outro todos os Cais passaram a funcionar 24 horas com pelo menos dois pediatras. Se tínhamos condições de colocar pediatras no atendimento em todos os Cais, hoje, praticamente 15 anos depois, com o tanto de residentes que se formaram nesse período, e o número de unidades praticamente não aumentou.
Temos mais uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento] do Itaipu. Não tínhamos à época o Cais do Jardim Guanabara. O Cais Chácara do Governador já existia. Temos praticamente a mesma estrutura. Pediatra é possível contratar, porque o profissional está no mercado. São mais de 600 pediatras em Goiânia registrados no Conselho Regional de Medicina. Se o município não tem conseguido atrair esse pediatra para a sua estrutura, é uma outra situação.
Rodrigo Hirose – Os salários pagos pela prefeitura não eram atrativos?
O salário é um aspecto. Mas veja que não é o único aspecto. Mesmo com o edital colocando um salário adequado, que vai de R$ 11 mil até R$ 20 mil, não há uma procura tão grande porque não há outros dois aspectos que são importantes na hora do médico optar pela contratação com o poder público.
Primeiro uma segurança na relação de trabalho. O edital não contrata pessoa física, contrata empresa, pessoa jurídica. Já é um problema, porque o médico tem de montar uma empresa para fazer a contratação. E tem prazo de validade de um ano. Aquele médico que já está no mercado trabalhando, com a carreira encaminhada, não vai jogar tudo para cima para ficar um ano na prefeitura como pessoa jurídica sem direito trabalhista nenhum, sem direito de férias, 13º salário, FGTS, seguro desemprego, auxílio-doença nem nada, o que deveria ser garantido a um trabalhador comum.
O terceiro aspecto é justamente a condição de trabalho que será encontrado. Se não há a segurança de materiais adequados, insumos, medicamentos, pessoal de assistência paramédica, muito provavelmente o pediatra colocará seu trabalho, nome, reputação e carreira em risco. Da forma como está o plantão do Cais de Campinas, dificilmente você encontra um médico com coragem para encarar. Sem condição nenhuma, atendendo 150 pacientes em um plantão de 12 horas. Isso é absurdo! É descabida uma situação dessa.
Rodrigo Hirose – O que falta no Cais de Campinas em condições de trabalho?
Há um excesso de pacientes para um ou dois médicos. É algo desumano. Não há estrutura capaz de fazer o atendimento de uma forma adequada. Não há pessoal de apoio. E muitas vezes falta medicação, itens básicos de higiene naquele nosocômio, como sabão, álcool, papel toalha. Isso é o que ouvimos e que é constatado na fiscalização do Conselho Regional de Medicina.
Rafael Oliveira – Existe uma recomendação do Cremego sobre qual seria o número máximo de atendimentos por plantão?
Não existe um máximo ou mínimo. Não existe uma regra. Cada médico vai atender dentro do seu ritmo de acordo com aquilo que cada paciente merece na sua doença ou no seu agravo à saúde. O que ocorre é que 150 é muito. O que normalmente vemos em situações extremas em um plantão de 12 horas em pediatria são no máximo 50 atendimentos como limite.
Eu já dei plantão em Cais. Na minha época, atendíamos em torno de 20 a 30 pacientes durante a noite por médico. Por isso o limite deveria ser de 50 pacientes em um plantão de 12 horas. 80 pacientes, como vemos no atendimento geral, é também um limite extremo. É um número que causa uma penosidade no trabalho. 150 é impossível. Vai ficar gente esperando e sem atendimento. Não dá para um médico atender 150 pessoas em um período de plantão de 12 horas a noite.
Augusto Diniz – O sr. comentou sobre o edital anunciado pela secretária municipal de Saúde para contratação de mais 50 pediatras, decisão que foi divulgada após a morte de um garoto de 5 anos nos corredores do Materno Infantil. O sr. vê como efetiva essa medida? Isso vai de fato ajudar a resolver ou diminuir o problema?
Rodrigo Hirose – Corre o risco de haver os pediatras, mas faltar auxiliares?
Colocar mais 50 pediatras na rede ajuda muito a resolver o problema. É o primeiro passo colocar o profissional médico na assistência. Não se faz saúde só com médico. Mas uma coisa é certa: não se faz saúde sem médico. Pode até fazer sem alguns outros elementos. Mas se o médico dificilmente você terá uma saúde adequada, com qualidade e resolutividade.
O primeiro passo é colocar o médico na assistência. Nos Cais que não têm pediatra, é preciso ter um profissional que atenda a criança. Em outra época foi criada a figura do médico emergencista, que era um médico que atendia todo mundo, inclusive pacientes pediátricos. Não é o modelo ideal, mas é possível resolver muitos dos casos também em pediatria quando o médico se sente apto.
No interior, por exemplo, muitas vezes não há um profissional qualificado para atender paciente adulto e outro para atender o pediátrico. Há um médico no plantão no interior para atender todo mundo. Isso não é antiético. Desde que o médico se sinta apto para atender aquele paciente, o profissional pode fazer o atendimento. Não precisa ser especialista. Precisa ter ao menos essa figura.
Se você consegue contratar por CLT pediatra em uma unidade de cada distrito sanitário seria um grande recomeço.
Augusto Diniz – O ideal seria descentralizar o atendimento do Cais de Campinas para as outras unidades?
Precisa descentralizar. Na Região Leste temos o Cais Novo Mundo e o Cais Amendoeiras. A pessoa está com uma criança doente no bairro Santo Hilário ou na Vila Pedroso. Ela tem de se deslocar em uma distância muito grande para chegar ao Cais de Campinas. Ao chegar ao Cais de Campinas, a pessoa encontra fila e pode não conseguir o atendimento. É desumano não colocar atendimento na Região Leste. Há os Cais Novo Mundo e Amendoeiras, onde pode ser colocado um médico pediátrico.
Na Região Oeste há o Cais do bairro Goiá. A pessoa está no Parque Industrial João Braz e precisa se deslocar até o Cais de Campinas para levar a criança ao médico. Se tivéssemos um pediatras no bairro Goiá, aliviaria bastante o sofrimento dessa família. Quando vamos para a Região Noroeste constatamos um desastre maior. Há inúmeros Cais: Finsocial, Jardim Curitiba. E a pessoa precisa sair de uma distância ainda maior até o Cais de Campinas.
Na Região Sudoeste acontece a mesma coisa. Existe a UPA no Itaipu, mas há casos de pacientes da região do Garavelo, Madre Germana, que também se deslocam dezenas de quilômetros para chegar em Campinas quando poderiam ter na metade do caminho, no Novo Horizonte, um atendimento mais próximo. E Cais do Novo Horizonte é um antigo Ciams [Centro Integrado de Atenção Médico Sanitária] que tem uma boa estrutura. Não se justifica não ter um atendimento pediátrico naquela unidade.
“O paciente que está em Goiânia, por já estar na cidade, vai direto ao Materno Infantil porque sabe que no Cais não terá um atendimento de imediato”
Rafael Oliveira – A descentralização resolveria o problema dos pacientes que vem de outras cidades buscar atendimento em Goiânia? Estive no Materno Infantil recentemente, e conversei com oito pacientes. Seis deles vieram de outros municípios.
Resolveria o problema dos pacientes de Goiânia. E poderia ajudar a resolver muito o problema dos pacientes do interior. Na medida em que o paciente de Goiânia não ocupa aquela vaga no HMI ou no Hugol, há mais disponibilidade para atender o paciente do interior. Quando a pessoa vem do interior, de Anápolis, Itumbiara, Ceres, é porque não conseguiu resolver o seu problema naquela cidade. Trata-se de algo mais grave.
Não é um paciente tranquilo, sem risco. É um paciente que já vem encaminhado, muitas vezes regulado, para o atendimento em Goiânia. Não podemos deixar esse paciente sofrendo ou sem atendimento. Pacientes com situações de menor gravidade ocupam leitos ou atendimento, quando deveriam estar em uma unidade de atendimento secundário. O paciente que está em Goiânia, por já estar na cidade, vai direto ao Materno Infantil porque sabe que no Cais não terá um atendimento de imediato.
Augusto Diniz – É possível pensar em um modelo que fuja da estratégia das prefeituras que, sem recursos para arcar com a saúde em seus municípios, usam o que têm para comprar ambulância e levar seus pacientes para cidades maiores? Há alguma alternativa para reverter essa lógica?
A política da ambulância vem mudando muito. Em um passado recente era muito mais comum. É claro que teremos casos de paciências que precisarão sim da ambulância, do helicóptero, para chegar em Goiânia e ter sua vida salva. Isso tem mudado bastante porque alguns pacientes já conseguem atendimento nas regionais. A saída para essa situação é apontada há muito tempo, que são os consórcios regionais.
Que os municípios de uma macrorregião se organizem, tenham uma cidade polo, que será referência para atendimentos mais complexos, enquanto os outros municípios da regional tenham atendimentos primários e até secundários. Temos cidades do interior que contam com UTI [Unidade de Terapia Intensiva] com capacidade de realização de cirurgias e muitos problemas são resolvidos no município. É o exemplo de Ceres, Anápolis, Catalão, Mineiros, que conta com duas faculdades de Medicina. É o caso de Itumbiara, que tem duas faculdades de Medicina e UTI.
A estratégia para evitar a situação de excesso de ambulância na rodovia com destino a Goiânia é a organização dos consórcios intermunicipais dentro de uma macrorregião sanitária. O Estado de Goiás tem essa divisão. Nos últimos dez anos ao menos a concepção da ideia dos consórcios intermunicipais e da macrorregião sanitária está mais consolidada. Falta o Estado consolidar os hospitais regionais, que ficaram praticamente parados durante 20 anos.
Rodrigo Hirose – O que o sr. pensa sobre a proposta do governador Ronaldo Caiado (DEM) das policlínicas? É uma aposta do governo ter 17 policlínicas em Goiás.
É muito interessante. Tem de haver um ambulatório de especialidade, que seria a policlínica, que não é de urgência. Mas é preciso um hospital de referência para procedimentos de média e alta complexidade e atendimento de emergência. A policlínica é uma promessa de campanha que deve conseguir um bom resultado. Temos hoje uma grande quantidade de profissionais no mercado que não encontram posição em Goiânia e vão procurar nesse novo nicho oportunidade de trabalho.
Augusto Diniz – O governo anunciou que fará a seleção da OS que vai gerir o Hospital Regional de Águas Lindas, chamado de Hugo 9. O modelo de gestão de unidades de saúde por Organizações Sociais é o adequado ou há correções a serem feitas?
A gestão de OS não é perfeita. Tem furos que precisam ser corrigidos. É uma política que deve se manter. Algumas OSs devem cair. Mas o sistema não acaba, só muda de dono. É preciso vigilância redobrada para o controle na política de OS, no sistema de gestão ou de gerência através das Organizações Sociais. Tenho muitas críticas, mas traz uma série de vantagens para o gestor. É um modelo bastante cômodo para o gestor.
Vimos no Hugol que o governador e o secretário estadual de Saúde deram um arrocho na Agir (OS que administra o Hugol) e disseram “é para abrir o leito de pediatria”. É só arrochar que a coisa acontece. É preciso ter o controle de gastos e uma cogestão eficiente. No HGG também foi dado um arrocho para aumentar o número de procedimentos. A OS fazia só o que queria, o que interessava. Veio um aperto da Secretaria de Estado da Saúde e a OS do HGG tem colocado a turma para trabalhar. Isso mostra que o sistema tem uma particularidade interessante.
Rodrigo Hirose – Quais são os furos que o sr. diz que existem no modelo?
A cogestão tem de ser eficiente no controle, principalmente no controle de gastos. O que não era feito na gestão anterior. Não era feito controle em cima do que era gasto, tampouco eram atingidas as metas contratualizadas. Metas de assistência. Era muito favorável às OSs, que ficavam em uma situação muito confortável.
Rafael Oliveira – As Organizações Sociais seriam entidades sem fins lucrativos. Qual seria o interesse das OSs em prestar apenas os serviços que fossem mais convenientes? O Cremego recebeu denúncias de desvio de recurso público e mau uso por parte das OSs?
Sim. Inclusive o Ministério Público. Muitas denúncias de malversação. Isso é público e notório. Não é segredo para ninguém que na gestão anterior havia malversação por parte de OSs que gerenciavam estabelecimentos de saúde. Alertei à época o secretário Leonardo Vilela. Tempo depois houve uma reunião do conselho superior. Participei de uma das reuniões.
A própria Controladoria-Geral do Estado, o Ministério Público e os auditores apontaram aquilo que eu já tinha alertado ao secretário: uma série de não conformidades, pagamentos em duplicidade, funcionários recebendo do Estado e da OS para uma mesma carga horária, notas fiscais com valores acima do praticado pelo mercado pagos pela OS. Isso foi apresentado em uma reunião que participei no gabinete do secretário. Não é uma lenda.
Augusto Diniz – Os problemas foram corrigidos?
À época, o secretário ficou estarrecido com as informações. Me lembro que ficou nervoso com os próprios superintendentes. O secretário anterior tinha uma boa disposição, é uma pessoa honesta, de moral ilibada, bem intencionado. Mas faltava controle. Avisei logo no início de sua gestão. O controle tem melhorado, mas ainda falta uma avenida para chegarmos a um controle nos níveis de países mais sérios.
Rafael Oliveira – O que o Cremego pode fazer no caso dos médicos que receberam em duplicidade seus salários? Há alguma medida que pode ser adotada pelo Conselho?
Não eram funcionários médicos, eram empresas e funcionários comissionados não médicos. O Conselho não tem muita ingerência nessas situações. Apenas encaminhamos os casos à polícia e o Ministério Público para que os órgãos competentes tomassem as providências cabíveis. Inclusive encaminhamos para as OSs e hospitais para que tomassem ciência de que estávamos acompanhando.
Rodrigo Hirose – Depois da morte do garoto de 5 anos, a secretária municipal de Saúde anuncia a retomada do atendimento nos Cais, o que é um atestado de admitir que cometeu um erro ao concentrar o atendimento no Cais de Campinas. E o Estado admite que a política de concentrar em um só hospital com número reduzido de leitos estava errada quando abre novos leitos no Hugol. Por que essas medidas costuma ser adotadas tarde demais para famílias de crianças que perderam seus filhos?
São medidas que normalmente vemos no começo ou no final da gestão. E os objetivos nós compreendemos muito bem. Infelizmente são coisas da nossa política, que ainda é muito medíocre. Não compreendem a importância do sistema para o ser humano, para o indivíduo. Em um passado recente, vimos no governo anterior que as medidas tinham objetivos quase que puramente eleitorais. São erros, principalmente por parte da Secretaria Municipal de Saúde, que custaram vidas o desmonte da estrutura que havia. Depois é tarde demais para aquela vida que se perdeu.
O que esperamos é que os próximos pacientes que precisarão de atendimento, e isso pode ser qualquer um de nós ou nossos filhos, não passem por uma situação como essa. Estamos expostos à violência urbana, acidentes de trânsito e muitas vezes não sabemos para onde seremos levados ou nossos filhos. Não devemos pensar que pode ocorrer com o filho do outro. Pode ser qualquer um de nós.
Rodrigo Hirose – Municípios com menos recursos do que Goiânia têm seus hospitais municipais. A prefeitura deveria investir na construção de uma estrutura de atendimento mais amplo como a de um hospital municipal?
Sem dúvida. Passou da hora de a prefeitura construir um hospital próprio. Temos apenas estruturas medíocres, tacanhas, a maior parte da década de 1980, que são os Cais e Ciams, e que não dão uma resolutividade para boa parte dos casos de média e alta complexidade. O município precisava e tem condições de assumir parcialmente essa responsabilidade.
Se Aparecida de Goiânia conseguiu construir um hospital municipal daquele tamanho, Anápolis tem um hospital municipal, até municípios menores tem hospitais melhores do que as estruturas que temos na capital, passou da hora de Goiânia ter um hospital para o atendimento das urgências, para realização de cirurgias. Reconhecemos que o Hospital e Maternidade Dona Íris tem prestado um papel importante com uma estrutura nova. Mas é preciso que haja outras ou ao menos uma estrutura em regiões mais carentes de assistência do município.
Augusto Diniz – Seria um bom negócio para Goiânia firmar um convênio com Aparecida de Goiânia para que os pacientes da capital também sejam atendidos no hospital municipal da cidade vizinha?
Poderia ocorrer uma pactuação, até porque Aparecida de Goiânia não conseguirá custear aquele hospital com as próprias pernas. Aparecida precisará de apoio no custeio daquela estrutura e poderia aproveitar uma pactuação com Goiânia para atender munícipes da capital. De qualquer forma, pacientes da Região Sul de Goiânia poderão eventualmente procurar aquela estrutura.
Temos pacientes da região de fronteira com Aparecida na Avenida Rio Verde, do Jardim Presidente até o Garavelo B. Muitos procuravam mais o Cais Nova Era. E podem se beneficiar também do atendimento no Hospital Municipal de Aparecida.
Rodrigo Hirose – O Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde aponta que houve redução no número de leitos no Hospital Materno Infantil. A diretora da OS diz que não diminuiu a quantidade de leitos. Qual é a verdadeira situação do HMI hoje em termos de estrutura?
É uma estrutura antiga, mas não acredito que tenha reduzido o número de leitos. Pode ser algum erro no cadastro. Porque a estrutura que está lá é a mesma. Não há uma redução. O que ocorre é que muitas vezes o número de pacientes internados é muito maior do que a quantidade de leitos. E aí ocorre um desastre como o que houve na morte daquela criança. É uma estrutura que não consegue acolher toda a demanda. A iniciativa do governo do Estado de colocar o Hugol para atender pediatria é importante, mas não consegue resolver o problema.
Rodrigo Hirose – Seria preciso construir um novo Materno Infantil?
Sem dúvida nenhuma. O Estado tem um hospital grande, de qualidade, pronto praticamente parado, que é o Hospital do Estado. É uma estrutura do Estado, construída pelo Ipasgo, que está subutilizado. O paciente do Ipasgo raramente procurará aquela estrutura por ter uma rede conveniada muito ampla. São mais de 5 mil médicos atendendo o Ipasgo, quase todos os hospitais particulares.
A pessoa não vai deixar de ir a um hospital de referência para ir ao Hospital do Ipasgo, que mal está funcionando. Ou de se consultar com um médico de confiança para buscar a unidade própria do Ipasgo. Demos uma sugestão para o presidente do Ipasgo, até para resolver um problema de custo para o instituto. É uma estrutura que está gerando custo para o instituto, para o dinheiro do servidor, e que não está sendo utilizado. Aquilo que é gasto não se compensa em economia na rede credenciada.
Nossa sugestão foi que o Ipasgo passasse a unidade para o Estado a título de locação, venda ou parceria para que fosse atendida a população que está carente de assistência, que não tem uma carteirinha do Ipasgo para procurar um médico credenciado, aquelas pessoas que não têm plano de saúde e vão para o SUS. 60% da população de Goiás não tem plano de saúde. É muita gente que depende do SUS.
O SUS é ruim? Não é que seja ruim. Não consegue atender todo mundo. É muita gente no desalento, sem emprego e sem plano de saúde. O que seria dessa população se não houvesse ao menos uma esperança de ser atendida em um hospital público.
Rafael Oliveira – Há dados que dão conta de que Goiânia tem quase 1,5 milhão de habitantes, mas mais de 3 milhões de cartões SUS cadastrados. Esse atendimento que vem de fora deveria ser cobrado da cidade de onde o paciente veio. Isso é possível?
É possível, mas é muito difícil fazer o controle. Precisaria refazer todo o cadastro único nacional. Muitas carteirinhas de SUS foram distribuídas indiscriminadamente no passado, o que acaba por gerar um prejuízo ao erário da capital. Por outro lado, a capital não pode se furtar do atendimento de qualquer cidadão em uma situação de urgência, seja ele um contribuinte do município de Goiânia ou de Goianira. Isso pouco importa.
É preciso haver uma inteligência da Superintendência de Controle e Avaliação de Goiânia para que procedimentos ambulatoriais, eletivos, sejam regulados, pactuados e compensados para que esse prejuízo seja minimizado.
Rodrigo Hirose – O ex-governador José Eliton (PSDB) havia aventado a possibilidade de assumir a regulação na capital. Isso seria viável, teria algum impacto na rede pública?
Isso é só retórica. Na prática isso não é possível, porque existe uma legislação em que os municípios que têm gestão plena na saúde têm autonomia. Foi só um discurso. Alertei que não era algo factível. Apenas uma retórica de quem não compreende o Sistema Único de Saúde.
Rodrigo Hirose – E a regulação funciona bem?
A regulação funciona bem. O que não tem é vaga. A regulação, tanto no seu sistema de emergência quanto nos atendimentos ambulatoriais, exames e cirurgias eletivas, consegue funcionar bem. O que não tem é profissional habilitado para fazer as coisas e o paciente fica na fila.
Augusto Diniz – Enquanto a Câmara Municipal realizava a CEI [Comissão Especial de Inquérito] da Saúde, o nome da secretária Fátima Mrué é mais exposto e cobrado. As críticas e cobranças agora são mais pontuais e específicas. Desde a CEI até agora, como o sr. avalia a atuação da Fátima como secretária?
Fátima apenas reconheceu alguns dos vários equívocos que cometeu. Mas continua sendo uma gestão desastrosa na maior parte das superintendências. A CEI apenas serviu politicamente aos vereadores, que fizeram pressão em cima da secretária para algumas concessões. No final das contas houve um grande acordão entre a CEI e a Secretaria. Só isso.
Rodrigo Hirose – Quais são os principais erros da secretária?
Ela não investe onde deveria investir, que é na assistência. É lá que o paciente é atendido. Se o município não tem o recurso, precisa da rede conveniada. A secretária praticamente dizimou a rede conveniada. É raro hoje você ver alguém na rede conveniada fazendo cirurgia, exame, procedimento pelo SUS. A rede conveniada foi dizimada pela atual gestão. Os poucos que tinham interesse perderam o interesse ou foram descredenciados. Na minha concepção, por uma questão política e econômica. Uma economia porca a custa do sofrimento e da saúde da doença dos outros.
Rodrigo Hirose – Há um percentual mínimo que tem de ser investido em saúde. O sr. diz que a secretária não tem aplicado os recursos na atenção básica e primária, que evitariam casos de agravamento, que acabam na rede de atendimento de alta complexidade. Onde esse recurso tem sido usado?
Os 15% mal pagam a folha pelo tamanho da Secretaria. Nos últimos anos, o investimento era em torno de 21% a 22% do Tesouro mais rubricas que vêm do governo federal, os recursos da alta e média complexidade, piso de atenção básica e outras verbas para o custeio. O dinheiro federal diminuiu porque o município tem produzido menos em média e alta complexidade. Isso diminui bastante. O que era investido em torno de 21% a 22% diminuiu bastante. É uma questão econômica, política, que demonstra que a secretária não está preocupada com a sua pasta, deixando a desejar na busca de recursos, tanto do Tesouro municipal quanto do Ministério da Saúde.
Rodrigo Hirose – O sr. disse que o dinheiro mal dá para pagar a folha, mas é o pagamento do profissional que faz o atendimento de saúde ou inclui também o funcionamento da pasta e outras despesas?
Tudo. A parte administrativa e a parte de assistência. É uma secretaria muito grande e muito inchada.
Rodrigo Hirose – Com uma gestão melhor, a burocracia da Secretaria Municipal de Saúde poderia diminuir, inclusive nos gastos?
Acredito que sim.
Augusto Diniz – O problema dos chequinhos para marcação de exames e consultas foi solucionado?
O chequinho é outra política equivocada e tenho sentido na pele. O paciente que era atendido na Santa Casa de Misericórdia e precisava de um exame conseguia tirar o chequinho lá. A Secretaria tirou todo o equipamento e estrutura de chequinho e centralizou na pasta. O paciente que eu atendo na Santa Casa tem de ir ao Paço Municipal tirar o chequinho.
É claro que gerou uma economia para a Secretaria de Saúde. A maioria dos doentes não vai ao Paço para marcar o exame. Não completam o tratamento. É uma economia às custas da morte e do prolongamento da doença do cidadão.
Augusto Diniz – É possível fazer alguma avaliação dos primeiros três meses e meio do secretário estadual Ismael Alexandrino? Há alguma mudança para o trabalho desenvolvido por Leonardo Vilela na pasta?
No âmbito da Secretaria Estadual de Saúde, houve um grande impacto a cobrança feita às Organizações Sociais. O secretário apertou as OSs e colocou os hospitais para trabalhar mais. Isso é notório.
Rodrigo Hirose – Na carta do Cremego, o sr. fala em burocratização do atendimento do Araújo Jorge. O que isso significa? Está mais difícil para o paciente conseguir atendimento?
Exatamente. É a mesma questão que coloquei em relação às unidades conveniadas. O acesso para o paciente foi dificultado. Para ter acesso à rede conveniada, o paciente tem de fazer uma via crúcis até chegar a uma consulta ou cirurgia. A Secretaria Municipal de Saúde cortou o orçamento para a rede conveniada, dificultou a logística de acesso para o paciente. Isso tem causado um transtorno enorme. O médico está com um paciente na Santa Casa ou no Araújo Jorge e muitas vezes não há como dar prosseguimento ao atendimento pela questão burocrática, seja de chequinho, autorização de cirurgia ou tratamentos ambulatoriais.
Rafael Oliveira – Com todos os problemas, o prefeito ainda não abriu o olho para a situação da saúde em Goiânia? Não seria o caso de troca no comando da Secretaria Municipal de Saúde?
Fosse em outra gestão a secretária teria caído. Entretanto, o prefeito entende que o desgaste de uma exoneração é muito grande. E por isso mantém a secretária.
Augusto Diniz – Estamos no meio de uma campanha de vacinação contra três vírus da gripe. A rede pública está preparada para fazer esse trabalho preventivo? A população tem participado?
Sim. É um aspecto positivo do Sistema Único de Saúde. No Brasil a política de vacinação é um exemplo que dá certo e que tem a importância de diminuir os casos de H1N1, mas não só da gripe, mas da poliomielite, sarampo. Toda política de imunização tem uma importância muito grande.
Houve um movimento antivacinal. Estamos voltando ao início do século XX com a Revolta da Vacina, o que é algo extremamente irresponsável, para não dizer burro.
Augusto Diniz – Como os médicos têm lidado com a onda de desinformação que tem circulado nas redes sociais e aplicativos de conversa com mentiras sobre vacina causar câncer e incentivo para que as pessoas deixem de vacinar seus filhos, o que tem causado surto de doenças praticamente erradicadas no Brasil?
É absurdo. Vemos infelizmente uma redução no índice de cobertura vacinal face a essas notícias falsas que são divulgadas nas redes sociais de forma irresponsável. É importante reforçar que a política de imunização no Brasil é exemplo para o mundo. É uma das poucas coisas no SUS que funciona muito bem e bem para todos.
Não é só o pobre que se beneficia da vacina. O Ministério da Saúde paga a vacina para todo mundo. É um dinheiro público que é utilizado para todos. A política de imunização e de medicamento do Brasil é um grande exemplo. O SUS também banca isso. Outra política nacional importante é a de urgências e emergências. Com exceção dos países ricos, é raro ver um país com uma polícia de urgência e emergência muito eficiente nas regiões metropolitanas. As pessoas não se dão conta de que isso também é pago com o dinheiro da saúde.
É um investimento que a União, os Estados e os municípios fazem na saúde para todos nós. Todos nós somos beneficiados por essa política de imunização. O que tentamos fazer é divulgar a importância da campanha, do dia da vacinação, do período da vacinação. Inclusive o próprio Conselho Regional de Medicina vacina todos os profissionais médicos no Cremego. Ajudamos a fazer a campanha, pagamos profissionais para realizar a imunização para todos os médicos, que são profissionais de saúde e estão em contato com doentes a todo momento.
Além do desconforto, a gripe gera o absenteísmo. Deixar de trabalhar por causa de gripe é um prejuízo. E incorre também no risco de vida. Hoje os vírus HsNs – vários – têm um índice de letalidade mais alto do que até há pouco tempo em função de mutações genéticas que os vírus vêm sofrendo com mais resistência, mais virulência e mais letalidade.
Augusto Diniz – Tivemos casos na gestão passada do governo federal de campanhas de vacinação contra outras doenças que foram realizadas com doses fracionadas por questões financeiras. É uma questão que foi mantida?
Não sei responder se houve fracionamento de dose, mas posso garantir que vamos ajudar nessa campanha e vamos fazer todos os esforços de divulgação para que haja uma cobertura vacinal ampla protegendo principalmente crianças e idosos.
Rodrigo Hirose – Por que as campanhas públicas contra a dengue não têm efetividade em diminuir os casos? Todos os anos vivemos epidemias da doença.
Há uma sazonalidade muito grande com relação à dengue. Posso dizer que neste período de chuvas podemos comemorar um sucesso muito grande da prevenção, da atenção primária, das equipes de agentes de endemia, principalmente do Estado. A previsão que existia, tanto das secretarias municipais da capital e do interior e da pasta estadual, era para um surto muito maior em função do período de chuva, do vírus tipo 2 – que é mais letal – e pela dificuldade da logística para pulverização do veneno.
Vocês não têm visto o carro do fumacê. Isso é algo muito ruim que o Estado e o município precisam conversar. É preciso colocar o fumacê na rua. Estamos vendo poucos agentes com bombas costais. É preciso ampliar. Podemos parabenizar a iniciativa das campanhas de conscientização da população de forma geral que ajudou muito no combate ao mosquito para que dengue, zika, chikungunya e febre amarela, transmitidas pelo Aedes aegypti, mas não só essa espécie.
O combate ao mosquito e a prevenção feitos pela população foram extremamente eficientes no último verão e no período chuvoso. O Estado precisa melhorar a eficiência no combate com agentes de endemia nos municípios, os carros de fumacê, as secretarias de desenvolvimento e limpeza urbana com combate a possíveis locais de foco da larva do mosquito. Ao ser identificada a região com um doente ou possível paciente, o médico precisa notificar a Secretaria de Saúde. O Conselho tem trabalhado muito para orientar os médicos sobre a importância da notificação.
A partir da descoberta de um doente, é preciso fazer um amplo trabalho naquela região ou bairro que o paciente vive ou trabalha para evitar que o mosquito pique outras pessoas e alastre a doença. Quando há um doente em uma área, essa doença pode ser transmitida para mais cem pessoas. É uma coisa assustadora a transmissão do vírus pelo mosquito.
E é quando entra a importância do fumacê. Quando se descobre um foco é preciso distribuir veneno naquela região de forma rápida para evitar o surto. É esse o apelo que fazemos ao Estado e aos municípios para que ajudem no combate a essa endemia.
Rodrigo Hirose – As equipes do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] voltaram a se queixar das condições de trabalho, da conservação das viaturas e a falta de profissionais. Como está a situação do Samu?
O Samu Goiânia está sucateado. Foi muito vilipendiado, de uma forma injusta, há alguns anos e perdeu um pouco de credibilidade. Ao perder credibilidade diminuiu também o respeito por parte da gestão. O Samu é um serviço extremamente importante. Já foi menina dos olhos de alguns governos.
E precisa ter um investimento de contrapartida do município para sua manutenção porque senão as ambulâncias vão acabar, viram sucata, os aparelhos nos carros quebram, os profissionais começam a se desinteressas, deixam o serviço. É uma pena que isso aconteça!
O Samu em Goiânia e no Brasil, quando da sua implantação em 2004 na Política Nacional de Urgência e Emergência criada através de uma Portaria do Ministério da Saúde, foi baseado no exemplo do Samu de Paris, na França. Diretores do Samu de Grenoble estiveram em Goiânia à época em um seminário realizado pelo Ministério da Saúde, na gestão do ministro José Saraiva Felipe [deputado federal pelo MDB-MG].
É um programa extremamente importante, porque a atenção de urgência e emergência atende a toda população independente das questões sociais e discriminatórias. É um investimento na saúde que é para todos. Quantos de nós já vimos o Samu resgatar em acidentes ou situações clínicas desde o trabalhador comum às autoridades.
Rodrigo Hirose – Tivemos há poucos anos o caso da máfia das UTIs, que envolveu o Samu, e investigou inclusive médicos por manipulação de informações e ocupação de leitos em unidades particulares. Houve a condenação do médico Wesley Noryuki Murakami. Como o Cremego pode atuar para que essas ocorrências antiéticas e dos erros e desvios de conduta sejam reduzidos?
Este é um trabalho constante do Conselho Regional de Medicina na fiscalização e no julgamento dos profissionais. São dois dos nossos papeis mais importantes. O Conselho faz uma prevenção com os jovens médicos praticamente mandatória. É compulsório para os médicos residentes em Goiás fazer o curso de Ética Médica no Cremego.
Ensinamos, orientamos e mandamos a mensagem: sigam aquilo que é correto. Mesmo se todo mundo estivesse fazendo errado, tenha a sua consciência tranquila e faça o correto, faça aquilo que é certo. São 12 aulas, que se dão em um período de três a quatro meses. Temos um curso por semestre. Praticamente todos os médicos recém-formados fazem o curso.
Nossa fiscalização é intensa. Temos um departamento de fiscalização forte, que também chama o profissional e orienta. Temos um departamento de fiscalização de divulgação de assuntos médicos que trata da questão da publicidade médica, ação que é extremamente vigiada pelo Conselho Regional de Medicina para que não haja publicações e publicidades indevidas e antiéticas.
Nosso departamento de fiscalização é extremamente atuante. Tanto é que dos profissionais que você citou havia sido advertido, alertado, chamado pela comissão de divulgação de assunto médico, tinha uma condenação, uma censura pública no CRM. Quando a pessoa acaba por ser um infrator contumaz, reiterando o seu ilícito, trata-se de um caso perdido. Temos o dever de julgar, condenar e aplicar a penalidade mais adequada dentro de uma dosimetria na capitulação e na penalidade.
Augusto Diniz – O Cremego tem histórico de cassação do registro profissional de médicos?
Todo ano.
Rodrigo Hirose – Até chegar na cassação do registro profissional, não cai na mesma questão dos gestores públicos de a condenação demorar demais para ocorrer? No caso citado, o médico foi condenado só depois de causar danos de forma reiterada?
Ele já havia sido condenado pelo Conselho, inclusive publicada em jornais de grande circulação. Era uma pena pública.
Rodrigo Hirose – Mas com a cassação do registro?
Não chegou à cassação do registro. Não quero aqui fazer prejulgamentos. Pelas matérias que vimos, também não acho que dê cassação de registro porque são complicações inerentes ao procedimento. Tudo vai depender de uma câmara de julgamento. Nem deveria dar a minha opinião para não me colocar em suspeição.
Casos de cassação em procedimentos cosméticos temos como mais lembrado o do médico Marcelo Caron, que resultou em quatro mortes. Tivemos outro caso de um cirurgião que fez lipoaspiração e também foi cassado recentemente. O problema é que a decisão foi revertida em suspensão pelo Conselho Federal de Medicina. Temos aqui um histórico de cassações seja por morte de paciente ou mesmo em casos de eventos menos graves, mas reiterados. A reiteração, a insistência, no ilícito ou a gravidade podem levar à cassação.
Rafael Oliveira – Recentemente alguns hospitais particulares fecharam, como o Santa Genoveva e o Lúcio Rebelo. Qual é a situação de crise na rede privada de saúde?
Os estabelecimentos privados de saúde estão em situação de calamidade. Não há hospital que trabalhe, seja com o SUS ou com plano de saúde, no azul. Porque a tabela é deficitária. O hospital é só o ambiente para o médico fazer o procedimento e levar o dinheiro para casa. Mas o estabelecimento, o CNPJ, está em uma situação de sofrimento econômico, porque os preços pagos pelos planos de saúde são extremamente baixos de taxas diárias.
Pelo SUS então nem se fala! É muito aquém daquilo que é gasto. Os hospitais que trabalham prioritariamente, principalmente ou quase que exclusivamente com o SUS, como a Santa Casa, não sobrevivem. É impossível sobreviver no azul trabalhando com a tabela SUS. Isso é motivo de discussão hoje no Ministério da Saúde e no Congresso Nacional. Com o País, Estados e municípios quebrados, um reajuste na tabela é quase que um sonho. Muito difícil.
Augusto Diniz – Como o reajuste na tabela não deve ocorrer, há outra alternativa?
O Ministério da Saúde, assim como a Frente Parlamentar da Medicina, trabalham por um aumento no orçamento da saúde. Houve algumas iniciativas de Emenda à Constituição que colocam um mínimo de 10% do PIB [Produto Interno Bruto] na aplicação em saúde. Há outros interesses de corporações que são mais fortes. Acaba que a saúde fica só no discurso da eleição mesmo. Infelizmente.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessora de Comunicação