Saiba como trocar o plano de saúde sem necessidade de cumprir carência
Convênio de destino deve ter valor igual ou inferior ao de origem para entrar na regra de portabilidade
Gilmara Santos
As novas regras de portabilidade dos planos de saúde determinadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) estão em vigor desde junho e permitem que beneficiários de planos coletivos empresariais mudem de convênio ou de operadora sem precisar cumprir prazo de carência.
"A mudança aumentou o leque de beneficiários que podem aproveitar as vantagens da migração sem carência, mas é importante que o usuário esteja atento às regras para ter direito à portabilidade" alerta Samantha Pavão, supervisora de saúde do Procon-SR
Entre os pontos de atenção, a representante do órgão de defesa dos consumidores destaca que o convênio de destino tem que ter valores iguais ou inferiores ao plano de origem.
"A exceção é para os planos especiais, aquelas situações em que a migração acontece sem a vontade do beneficiário, como no caso de registro cassado ou falência da operadora" explica o advogado Alexandre Marques Costa Ricco, do escritório Pereira Sanches.
Ao tomar a decisão de fazer a portabilidade, o beneficiário deve pesquisar sobre a nova operadora e o plano que pretende contratar, avaliando as coberturas, os valores e a rede credenciada que terá a sua disposição, sempre lembrando que o exercício de uma nova portabilidade somente poderá ocorrer após o prazo de um ano, conforme explica a ANS por meio da sua assessoria de imprensa.
A mudança acabou também com a necessidade de compatibilidade de cobertura entre planos- o consumidor agora cumpre carência apenas para os serviços extras- e com a chamada 'janela de portabilidade' (prazo para fazer a troca).
"O período de troca só podería acontecer nos quatro meses contados a partir do aniversário do contrato. Com a nova regra, a portabilidade pode ser feita a qualquer tempo, desde que cumpridos os prazos mínimos de permanência no plano", diz o advogado Alessandra Acayaba de Toledo, do escritório Acayaba Advogados.
Para uma primeira portabilidade, o beneficiário deve estar há pelo menos dois anos no plano de origem, ou três anos se tiver cumprido cobertura parcial temporária.
Da segunda portabilidade em diante, o prazo mínimo é de um ano de permanência no plano de origem, ou mínimo de dois anos se o novo contrato tiver coberturas não previstas no de origem.
Vale destacar que, quando plano de destino contemplar coberturas não previstas no plano atual, a operadora poderá determinar carência para procedimentos vinculados apenas às novas coberturas, ficando limitada a 300 dias para parto e 180 dias para as demais (internações, exames, consultas e cirurgias).
A bacharel em matemática Sandra Yoshe Nade Coteco, 58, aproveitou as novas regras para migrar de um plano empresarial para um individual. Ela conta que há cerca de três anos saiu da empresa em que trabalhava, mas manteve o plano de saúde porque se fizesse a migração teria que cumprir carência.
"Combinei com a empresa e depositava mensalmente o valor do convênio para eles, mas precisava sair e assim que surgiu a oportunidade, fiz a migração", diz.
De acordo com ela, o processo foi simples e poucos dias após o pedido já tinha a portabilidade aprovada. No plano empresarial, Sandra desembolsava mensalmente R$ 1.400, e agora optou por um convênio com mensalidade de R$ 900.
De acordo com a ANS,a operadora de plano de saúde escolhida como destino tem o prazo de 10 dias para analisar a documentação apresentada pelo beneficiário e efetivar ou recusar a portabilidade.
"Caso a portabilidade de carências solicitada seja recusada, a operadora de destino escolhida deverá apresentar a devida justificativa", diz a agência reguladora.
Se a portabilidade de carências solicitada for efetivada, o beneficiário tem prazo de cinco dias para solicitar o seu cancelamento ou desligamento do contrato anterior na operadora do plano de origem.
Para a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), à primeira vista,a portabilidade vem para estimular a concorrência entre as operadoras, elevando a qualidade dos serviços prestados e incentivando a busca por eficiência.
"Mas ela pode trazer incentivos não desejados para o mercado dos planos de saúde (inclusive aos contratantes), gerando significativos desequilíbrios econômico-financeiros", considera a entidade de classe por meio de nota.
"Se um beneficiário pedir a portabilidade para um plano de saúde por conta de um tratamento específico, criará desequilíbrio econômico imediato no novo plano, uma vez que, ao iniciar a vigência, solicitará acesso irrestrito à cobertura que será custeada com recursos pagos pelos demais beneficiários que já estavam vinculados ao produto", exemplifica.
"Com o início de vigência da norma, é de fundamental importância que se criem processos para a avaliação contínua dos impactos da portabilidade, bem como a correção de eventuais desequilíbrios gerados", finaliza a entidade.
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Minha carteirinha, minha vida
Quatro usuários relatam suas experiências e a imagem que têm dos serviços de saúde suplementar
Carolina Muniz
ELA NEGA QUE SEJA HIPOCONDRÍACA, MAS USA A ASSISTÊNCIA MÉDICA O TEMPO TODO
As pessoas falam que sou hipocondríaca, que crio doença, mas isso não é verdade. Eu sou alérgica e minha imunidade é muito baixa. Tenho rinite, sinusite, amidalite, otite. Agora, eu descobri que estou com gastrite, a cada hora aparece alguma coisa.
Não gosto de sentir dor, mas não tomo nada sem orientação médica. Então, quando estou mal, eu corro para o hospital.
Lá, me dão um remédio na veia que alivia muito mais do que se eu fizesse o tratamento em casa. E também me sinto mais segura, porque, se eu tiver um piripaque com a medicação, eles vão saber o que fazer comigo.
Se eu perdesse o plano de saúde, eu acho que morrería imediatamente, porque ia entrar em desespero por não ter para onde correr. Não me imagino desempregada, e isso é por causa do convênio.
A empresa na qual trabalho oferece o plano, mas tenho uma coparticipação. Pago 20% do valor da consulta ou da entrada no pronto-socorro.
É um pouco ruim, as despesas vêm descontadas no holerit e de uma só vez. Mesmo assim, uso o convênio o tempo todo. Na hora, nem lembro que tem esse custo adicional, porque eu realmente preciso.
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ELE INFARTOU DEPOIS QUE O EXAME PEDIDO POR SEU CARDIOLOGISTA FOI RECUSADO PELO CONVÊNIO
Estava correndo quando senti uma dorzinha no peito. Fui ao meu médico, ele falou: "Você é corredor há 30 anos, não pode ter isso". Então fiz uma cintilografia (analisa 0 fluxo sanguíneo no coração), não acusou nada.
Um ano depois, em 2016, tive a mesma dor, mais forte e demorada. Voltei lá. O cardiologista, então, pediu angiotomografia (avalia as artérias). Mas 0 plano recusou a solicitação. Aí, o doutor escreveu uma carta à mão na qual explicou por que eu precisava do exame.
O convênio mandou uma carta maior ainda dizendo que não era necessário. Precisei sair do plano em 2017, porque a mensalidade foi de R$1.480 a R$2.979. Comecei a procurar um mais em conta, mas não deu tempo. Infartei no dia 17 de abril. Fui levado
hospital ao Dante Pazzanese (estadual, especializado em cardiologia).Lá,falaram que o único jeito de saber se havia entupimento, no meu caso, era com a angiotomografia.
O exame apontou obstruções na artéria esquerda: uma de 80% e outra de 60%. Então, coloquei um stent de 3,5 cm. Você paga mensalidade por anos e, quando precisa do exame, eles te negam. Entrei com ação contra, o convênio, que propôs acordo para me pagar R$ 10 mil. Aceitei. Hoje, faço acompanhamento pelo SUS no Dante Pazzanese, onde sou muito bem tratado.
Pedro Cesar Utsch de Leão, 62, representante comercial
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PEDAGOGA PERDEU CONVÊNIO APÓS DEMISSÃO E NÃO CONSEGUIU SER ATENDIDA QUANDO PRECISOU DO SUS
Eu era coordenadora em uma escola, onde trabalhei por mais de 30 anos. Há um ano e meio, fui embora em um corte de pessoal.
Com isso, perdi o plano de saúde que atendia a mim e ao meu esposo. 0 que eu pagava era tranquilo, descontavam R$ 500 do meu salário.
Pesquisamos valores em diferentes seguradoras, mas, como a renda diminuiu, tivemos que ficar sem convênio. Quando você tem plano e o perde, sente na pele a dificuldade do acesso à saúde.
Tive que recorrer uma vez ao SUS. Passei muito mal, alta de pressão. Na AMA (Assistência Médica Ambulatorial), mediram minha pressão e me deram uma senha.
Esperei por mais de três horas sem atendimento.
Fui ficando nervosa, não só pela demora, mas também por ver a situação das outras pessoas que aguardavam ali. Meu filho estava comigo e, preocupado, me levou a um hospital particular que cobrava R$ 95 por consulta. Depois disso, conversei muito com o meu marido.
Vi que era inviável ficar sem plano, a gente já passou dos 50. Ele, que é representante comercial, tem diabetes e pressão alta. Como está sem fazer exames, as dosagens dos remédios devem estar defasadas. Decidimos cortar alguns gastos para conseguir pagar um convênio, que custa R$ 630 para nós dois. Estamos ainda no período de carência. Não é 100%, mas é uma segurança caso algo aconteça. Solange Maria Aparecida Giampietro, 52, psicóloga e pedagoga
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AUMENTO NA MENSALIDADE FAZ APOSENTADA MIGRAR PARA ATENDIMENTO VOLTADO À TERCEIRA IDADE
Gostava muito do meu convênio. Já estava com ele havia mais de oito anos, sempre fui bem atendida. O problema é que todo ano vinha um aumento fora do comum.
Em 2018, recebi uma carta informando que a mensalidade iria passar de R$ 2.300 para R$ 2.700.
Achei absurdo um plano básico, só para mim, custar isso. Eu não teria condição nenhuma de pagar esse valor. Precisei migrar para um convênio que atende pessoas de mais idade. Há um ano, a mensalidade era R$ 1.005. Agora, está em R$1.153.
Estou gostando. Mas você não pode escolher os hospitais, tudo é na rede própria deles. Não me agradou também o fato de que você não tem acesso fácil ao seu exame. Para conseguir o meu, foi uma burocracia, tive que ir tá duas vezes. Preferia ter continuado no convênio antigo. Mas quanto mais idade você tem, mais caro você paga. Se eles puxassem a minha ficha, veriam que nesses oito anos nunca usei o plano sem precisar.
Não culpo só o convênio por fazer um aumento tão estúpido. Sei que existe falcatrua, e o plano tem que pagar por procedimentos que, às vezes, nem foram feitos. Aí, precisa cobrar mais caro, e quem sai perdendo somos nós.
Maria Fátima de Oliveira, 67, aposentada
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Governos e empresas sustentam setor nos países vizinhos
Eduardo Carvalho
A maioria dos países da América Latina tem sistemas de saúde híbridos, com atendimento oferecido pelo governo e por empresas privadas. Mas há diferenças entre a quantidade de investimento de cada parte e os formatos de cobertura dos planos, alguns com cobranças feitas a toda a população.
Fabio Mesquita, médico brasileiro que atua na OMS (Organização Mundial da Saúde) explica que a preocupação com a universalidade da saúde começou na segunda metade do século 20, quando os governos perceberam que, para haver avanço econômico, era preciso pensar no bem-estar.
Foi quando a América Latina se debruçou sobre o desenvolvimento de modelos de gestão inspirados no Reino Unido – 100% público, mantido com tributos- e nos Estados Unidos, onde a população precisa pagar por planos ou pelo atendimento prestado.
"Cada vez fico mais convencido de que o sistema misto é o ideal, principalmente para países em desenvolvimento como o Brasil. Mas o investimento na parte pública precisa ser prioridade, já que a população ainda lida com problemas básicos como educação, transporte e alimentação", explica Mesquita.
Dados da OMS sobre gastos com saúde nos países aponta que 9% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é destinado ao setor, índice que é a soma de investimentos públicos (42%) e privados (55%, divididos entre aquisição de convênio médico e o pagamento de consultas ou compra de medicamentos).
Para Lígia Bahia, especialista em saude pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mesmo tendo um dos piores índices públicos com esse tipo de gasto, o Brasil ainda faz muito com pouco.
"Nosso Sistema Único de Saúde é eficiente. Fazemos transplante e compramos medicamentos caros. Já visto como modelo por Uruguai e Bolívia, é estudado por outros países. Mas parece que estamos indo na contramão ao tentar privatizar tudo."
Diferentemente de Cuba e Costa Rica, onde o Estado gere integralmente o setor. Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Colômbia têm uma somatória de gastos privados menor do que a pública. Mas cada um tem seu jeito de gerir planos de saúde.
Na Argentina, sindicatos de trabalhadores cobram uma taxa mensal de empregados e a repassam aos planos. A população pode ainda pagar diretamente a grupos privados, e os mais carentes têm acesso a serviços básicos.
Na Colômbia, uma reforma no início dos anos 2000 tomou o país o único da América Latina com sistema universal baseado no seguro privado, onde o governo paga empresas para atenderem os mais pobres.
No Chile, o sistema de saúde já foi universal, mas passou a ser privado no governo Pinochet (1973-1990).
Segundo a pesquisadora argentina Maria José Luzuriaga, da Universidade Nacional de Lanús, desde 1981 os chilenos precisam optar pelo pagamento de um seguro público ou de planos privados para receber atendimento clínico/hospitalar.
O não acesso dos mais pobres e o alto custo de outros sistemas que também foram privatizados no país, como o da previdência, foram os principais motivos de manifestações recentes da população contra o governo.
"A lógica empresarial tem prejudicado os chilenos. O setor privado tem direito a não aceitar possíveis clientes por doenças crônicas, e houve casos de não cobertura do pacote de serviços oferecidos. As pessoas estão endividadas" diz Maria, autora do livro "Privados de la Salud", que explica modelos de gestão em saúde na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia.
Para o médico Josier Marques Vilar, presidente do Fórum Inovação Saúde, não é possível terceirizar toda a assistência ao mercado, que não regula as questões sociais.
O governo precisa desenvolver modelos que levem o setor privado a uma atuação ética. Outra alternativa apresentada por ele para evitar prejuízos é investir em tecnologias que integrem dados sobre a saúde da população dos sistemas público e privado. Com uma gestão integral da saúde, seria possível prevenir doenças e custos progressivos que oneram os governos.
"Quando você muda de plano, seu histórico se perde e começa uma investigação toda do zero. Ao integrarmos, evita-se o desperdício", explica Vilar.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação