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As novas mudanças dos hospitais públicos e privados no Brasil para atender pacientes trans
Complexo Hospitalar Souza Aguiar será administrado por Parceria Público-Privada
A polêmica ozonioterapia aprovada no Congresso e que Lula é pressionado a vetar
O GLOBO
As novas mudanças dos hospitais públicos e privados no Brasil para atender pacientes trans
Muitas são as preocupações de um paciente que chega ao hospital. Há quem se inquiete com o uso de medicamentos novos, com resultados de exames ou até se será compreendido pelo especialista que o receberá em instantes. Para a população transexual do Brasil, contudo, há uma agonia extra: há a dúvida se aqueles médicos e o centro de saúde respeitarão a mundança de gênero daquela pessoa e se conhecem suas necessidades específicas. Trata-se de uma preocupação absolutamente válida e que começa a balizar novos modos operacionais em hospitais e clínicas no país. Há um luminoso movimento de repensar políticas internas, bancos de dados e até “mimos” aos pacientes, de maneira que todos sintam-se mais acolhidos.
Exemplo disso é o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, que inaugurou recentemente um núcleo que passa um pente fino em diversas esferas da área operacional da instituição para evitar que o hospital derrape em aspectos que podem ofender (e excluir) pacientes trans ao buscarem atendimento. Entre os especialistas no grupo está Joseph Kuga, um homem trans que teve problemas para realizar exames em outros centros de saúde.
– Em ocasioões passadas, fui recusado para ter atendimento de saúde seja ginecológico, seja endocrinológico. Meu trabalho aqui é preparar as pessoas para atender com calor humano, que consigam chegar até aquele paciente e compreender o que ele necessita, sem dizer ‘não atendo pessoas como você’, como já ouvi em outros lugares – diz Joseph. – Estamos atualizando os processos para que o nome social seja a única identificação que aparece em todas as instâncias (sem aviso de que aquela informação tenha sido alterada ao longo da vida da pessoa).
Joseph conta que a equipe da recepção do hospital também está especialmente treinada para evitar qualquer tipo de constrangimento. Caso o atendente note que a pessoa fez transição de gênero e não tenha alterado seus documentos, é orientado que em hipotese alguma utilize o nome de bastismo, mas que pergunte imediatamente como aquela pessoa gostaria de ser chamada (incluíndo seus pronomes, caso de ele ou ela, por exemplo).
– Os dados de saúde são muito complexos, são mais de vinte sistemas que integram as informações de cada pessoa. Quando incluímos o nome social, precisamos que ele se conecte com todas as informações do passado da pessoa e também com o que virá no futuro. Mesmo com a legislação vigente (que determina o uso do nome social como regra desde 2016) há dificuldades para integrar esse dado – conta Felipe Duarte, também médico do Sírio-Libanês. – Alguns sistemas, por exemplo, têm travas de segurança que não permitem emitir um laudo de próstatra ao fazer um ultrassom pélvico em uma pessoa que tem o sexo atribuído como feminino (mulheres trans seguem tendo próstata). Estamos nos adaptando.
O hospital também avalia retirar uma informação que diz respeito ao “sexo informado ao nascer” de laudos de exames. A meta que os especialistas miram, dizem os envolvidos no processo, é transformar o local em um ambiente seguro também do ponto de vista da saúde mental. Faz movimento semelhante o Hospital Albert Einstein, igualmente em São Paulo. Uma das médicas ativamente envolvida no processo é Andrea Hercowitz médica da Clínica de Especialidades Pediátricas, coordenadora do Grupo Médico Assistencial LGBTQIA+.
– Muitas pessoas dessa população trans trazem consigo histórias negativas do atendimento médico. Diante disso, acabam evitando esses locais de atendimento. O que é o pior dos mundos, porque acabam buscando serviço quando estão com a saúde muito ruim. Para mudar esse cenário, é preciso acolher desde o manobrista, da recepção, desde o bom dia – afirma a especialista
O hospital aposta em frentes de trabalho para aprimorar a experiência tanto dos pacientes quanto dos funcionários. Entre as tarefas, houve uma mudança importante no método de check-up, cujo formulário online (fundamental para realização de exames) teve alteração de termos específicos. Partes que tratavam de menstruação, por exemplo, deixaram de ser indicadas somente ao público feminino. O termo “pessoas que menstruam” passou a ser mais utilizado do que o termo “mulheres”. Também entrou em cena a opção de se classificar como “homem trans” e acessar exames uterinos e dos ovários com mais facilidade. E há mais: o banco de leite materno passou a ser chamado de “banco de leite humano”. Tudo em nome da inclusão.
– Recentemente, uma mãe de um paciente meu de 12 anos, um menino trans, me escreveu dizendo que o atendimento foi incrível, porque ninguém chamou seu filho pelo nome feminino. No raio-x, foi pedido apenas que se confirmasse o último sobrenome (para não precisar dizer o nome completo de batismo da criança) – diz Andrea.
No Hospital Oswaldo Cruz, explica Icaro Boszczowski, o diretor-executivo médico, a inclusão é um assunto recorrente desde 2016, quando houve o primeiro encontro para se falar da inclusão de pacientes transexuais na instituição. De acordo com ele, o preparo para esse tipo de ação ganha corpo com o tempo e deve avançar mais.
– Não é algo que deve ser movido por decreto, por declaração. É algo que é construído ao longo do tempo. Faz parte de nosso letramento para diversidade sexual. Dentro disso, temos também especialistas que são referência para o atendimento de pacientes trans. – afirma Icaro.
No Rio, as maternidades da Rede D’Or fizeram outro ajuste perceptível: os pijamas azuis que eram encaminhados aos genitores com a palavra “pai”, agora são em tons neutros e levam a palavra “acompanhante”, mais abrangente aos que estão ao lado de quem acabou de dar à luz.
Rede pública Na rede pública de São Paulo, a entrada da população LGBTQIA+ ocorre pelas Unidades Básicas de Saúde. São nessas unidades nas quais o paciente é orientado sobre seu direitos – entre eles, as orientações sobre o uso do nome social no cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa denominação deve ser reproduzida em todos os prontuários, laudos de exame e receituários, afirma a coordenadora da área técnica de saúde integral da população LGBTIA+ na cidade, Tania Regina Correa de Souza.
Em geral, esses pacientes são atendidos na chamada “Rede SampaTrans”, com 44 endereços de saúde em toda a metrópole, além de um grupo de referência, com uma equipe muldisciplinar. Nesses locais, há uma evidente preocupação com uma linguagem que seja inclusiva.
– Falamos em “pessoa com útero”, “pessoa com próstata” e “pessoa que amamenta”. É um esforço em todo o município, vai além da rede SampaTrans. É uma proposta iniciada desde o ano passado. Já falamos (na rede pública) em aleitamento humano também. Vamos tentando nos adequar. O Outubro Rosa, no ano passado, por exemplo teve um ação que dizia que o outubro não era rosa, era da cor de quem tem peito.
A especialista, contudo, diz que é preciso de uma atualização maior no sistema do CadSUS, sob responsabilidade do Ministério da Saúde. Lá, ainda não há um campo para incluir a identidade de gênero, o que dificulta atualizar as informações daquele paciente em alguns atendimentos. Questionada, a pasta informou que “trabalha para atender de forma inclusiva a população e atento às demandas específicas, que atendam às necessidades de toda a população”.
Ainda diz que Sistema de Cadastramento de Usuários do SUS (CadSUS) “está em constante evolução”. E segue: “essas evoluções estão em discussão, em conjunto com estados e municípios, com a possibilidade de incluir novas informações que promovam maior equidade”.
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DIÁRIO DO RIO
Complexo Hospitalar Souza Aguiar será administrado por Parceria Público-Privada
Consórcio Smart foi o único a apresentar proposta. A concessão será de 30 anos, com investimentos que superam R$ 850 milhões
O Complexo Hospitalar Souza Aguiar, no Centro do Rio, será administrado por uma Parceria Público-Privada (PPP). O consórcio Smart venceu o leilão da PPP, que foi realizado nesta quarta-feira (2), na sede da B3, em São Paulo. Único a se credenciar, o consórcio apresentou uma proposta de R$ 191.773.351,61, montante que deve ser pago anualmente pela Prefeitura do Rio de Janeiro à empresa. O valor apresentou um deságio de 2,5% do lance vencedor, diante do teto apresentado pelo poder público municipal de R$ 197 milhões.
A Parceria Público-Privada não é uma privatização. É a celebração de um contrato de concessão entre o poder público e o mercado privado, para financiamento, realização de melhorias estruturais, construções, manutenção e qualificação de prestação de um serviço.
O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz (PSD), ressaltou que a celebração do PPP não representa a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), e que a população continuará sendo atendida de forma gratuita.
“É muito importante diferenciar, não há uma privatização do Sistema Único de Saúde. As pessoas continuam sendo atendidas sem necessidade de qualquer pagamento. O custo é financiado pelos impostos como prevê o Sistema Único de Saúde, um sistema solidário e universal, mas com o recurso público sendo utilizado de uma maneira muito mais eficiente”, afirmou o secretário, acrescentando que a celebração da parceria permitirá uma otimização gerencial dos recursos destinados à instituição: “Em vez de a gente realizar 180 licitações por ano para a manutenção de vários equipamentos, a gente fez um único pregão que vai durar 30 anos. É muito mais inteligente”, explicou Soranz, conforme repercutiu o site G1.
Com a PPP, a Prefeitura pretende incluir no modelo de gestão outras unidades hospitalares, entre elas: o Hospital Salgado Filho, no Méier, na Zona Norte da cidade, e duas maternidades.
O projeto foi estruturado em duas etapas. Na primeira, foi aberta uma consulta à população, entre 3 de outubro e 4 de novembro de 2022. A segundo foi uma audiência pública realizada em 14 de dezembro de 2022. Ao todo, o corpo técnico da Prefeitura do Rio analisou 292 sugestões, que serviram de base no aprimoramento do edital e dos anexos.
A concessão terá duração de 30 anos, período no qual serão investidos mais de R$ 850 milhões, sendo que, nos nos três primeiros anos, os aportes serão de R$ 530 milhões. Caberá ao Smart realizar a modernização e adequação das instalações prediais, e a prestação de serviços não assistenciais, tais como: segurança, alimentação, logística, estacionamento e tecnologia da informação.
Daniel Soranz frisou que a PPP permitirá resolver problemas graves do Souza Aguiar, como o sucateamento de equipamentos médicos, como tomógrafos e raio-x. Através dos novos investimentos, máquinas modernas poderão ser compradas, o que permitirá à população ter acesso à serviços mais qualificados.
Segundo, Lucas Costa, diretor de Estruturação e Projetos da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), órgão atrelado à Prefeitura, a primeira experiência do gênero aconteceu, na Bahia, há 13 anos e trouxe bons resultados.
“Nesse segmento da saúde, o primeiro projeto foi na Bahia, aqui no Brasil. Isso já tem 13 anos. Então, demorou um pouco a acelerar, mas nos últimos meses e 2, 3 anos, tem-se multiplicado muito esse projeto no segmento de saúde. E tem-se mostrado um modelo exitoso, viável e que traz aumento de produtividade e eficiência para o sistema”, disse Lucas Costa, como reportou o veículo.
Maior emergência da América Latina
Maior emergência pública da América Latina, somente, em 2022, o Hospital Municipal Souza Aguiar realizou 54.300 exames de raio-x, 40 mil tomografias, 9.600 internações e 7.800 cirurgias. Também integram o complexo hospitalar: Centro de Emergência Regional (CER) Centro que, em 2022, realizou 74.700 atendimentos; e a Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, que contabilizou, no ano passado, 6.400 internações e 4.400 partos.
Fundado há 115 anos, o Hospital Souza Aguiar atende pacientes de todo o Estado do Rio de Janeiro.
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TERRA
A polêmica ozonioterapia aprovada no Congresso e que Lula é pressionado a vetar
Autorização foi aprovada com pouca resistência no Congresso, mas o presidente tem sido pressionado a derrubar a lei por entidades que afirmam não haver comprovação científica da eficácia dessa técnica.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem até esta sexta-feira (4/8) para decidir se sanciona ou veta uma lei que autoriza profissionais de saúde com curso superior a aplicarem a ozonioterapia como um tratamento complementar (ou seja, de forma adicional a outros tratamentos).
Apesar de a proposta ter sido aprovada com pouca resistência no Congresso, o presidente tem sido pressionado a derrubar a lei por entidades que afirmam não haver comprovação científica da eficácia dessa técnica, como a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Associação Médica Brasileira (AMB). O próprio Ministério da Saúde recomendou o veto à lei pelo mesmo motivo.
O Conselho Federal de Farmácia, por sua vez, enviou carta ao presidente apoiando a sanção.
A ozonioterapia consiste em aplicar uma mistura de gás oxigênio e ozônio no corpo humano. Defensores da técnica dizem que o ozônio tem propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e melhora a oxigenação do corpo.
Hoje, a ozonioterapia só é autorizada no Brasil para alguns procedimentos odontológicos e estéticos. Apesar disso, dezenas de clínicas operam de forma irregular, conforme mostrou reportagem da BBC News Brasil em 2021.
Propagandas proliferam na internet oferecendo aplicações do gás ozônio através do ânus, da vagina e por via intravenosa, por exemplo, que ajudariam, segundo os anúncios, na cura do câncer, no combate a infecções virais, endometriose, hérnia, doenças circulatórias e depressão – benefícios não comprovados cientificamente, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), que em 2018 realizou uma revisão dos estudos disponíveis.
Questionado pela BBC News Brasil, o CFM não respondeu se está a favor ou contra a sanção da nova lei. A pedido da Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), o conselho tem hoje um novo grupo estudando se há embasamento científico para regulamentar a técnica no Brasil, mas não quis fornecer detalhes à reportagem.
Por meio de nota, o CFM esclareceu que “a ozonioterapia não tem reconhecimento científico para o tratamento de doenças” e que “trata-se de procedimento ainda em caráter experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos, conforme critérios definidos pelo Sistema CEP/CONEP”.
“Entre as condições previstas para participação desses estudos, estão: a concordância dos interessados com as condições em que a pesquisa será realizada, a garantia de sigilo e anonimato para os que se submeterem à prática, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas”, disse ainda a nota.
Outros conselhos da área de saúde, por sua vez, autorizam seus profissionais a aplicar a técnica, como os conselhos federais de Farmácia (CFF), Odontologia (CFO), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN).
No entanto, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só aprovou o uso de equipamentos de ozonioterapia para alguns tratamentos odontológicos e estéticos, hoje esses profissionais não podem aplicar a técnica para outras finalidades, o que constituiria infração sanitária, punível por multas e fechamento do estabelecimento.
“A ozonioterapia é um procedimento de caráter complementar e multidisciplinar, que não substitui as técnicas e tratamentos já incorporados ao sistema de saúde, mas sim vem agregar aos tratamentos estabelecidos, como uma nova opção terapêutica, promovendo melhor qualidade de vida aos pacientes”, defendeu o Conselho Federal de Farmácia (CFF) em carta à Lula.
“A importância da ozonioterapia para a saúde pública está amplamente evidenciada, haja vista a incorporação desta prática pelo SUS à lista de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)”, diz ainda a carta.
Uma portaria de 2018 do Ministério da Saúde, durante a gestão do ministro Ricardo Barros, de fato incluiu a técnica no rol dessas práticas, ao lado de outros tratamentos como homeopatia e acupuntura. As PICS são descritas pela pasta como “recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade”.
No entanto, o Ministério da Saúde disse à reportagem que a ozonioterapia só é oferecida no SUS para tratamento odontológico, seguindo as regras da Anvisa.
O que poderia mudar com a nova lei?
A proposta de lei aprovada autoriza a ozonioterapia como procedimento de caráter complementar dentro de algumas condições: a técnica só poderá ser aplicada por profissional de saúde de nível superior inscrito em seu conselho de fiscalização profissional e por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal autorizado pela Anvisa. Além disso, o paciente deverá ser informado do caráter complementar da técnica.
A BBC News Brasil consultou a Anvisa sobre como seria a aplicação da lei, caso entre em vigor. Segundo a resposta, não haveria mudança, na prática: na visão do órgão, os equipamentos de ozonioterapia autorizados pela Anvisa para uso odontológico e estético continuariam permitidos apenas para essa finalidade.
“É importante esclarecer que as empresas que, porventura, ensejem a submissão de regularização de novos equipamentos emissores de ozônio com indicações de uso diferentes daquelas citadas na Nota Técnica Nº 43/2022 deverão apresentar estudos clínicos com resultados eficazes e seguros a fim de corroborá-las, conforme disposto na RDC nº 546/2021 e, quando aplicável, na RDC nº 548/2021”, disse a Anvisa.
“Assim, somente depois de aprovados junto à Anvisa é que os equipamentos poderão ser utilizados para outras finalidades”, reforçou o órgão.
Já o advogado e sanitarista Silvio Guidi disse à BBC News Brasil ter leitura diferente. No seu entendimento, a lei dá abertura para que profissionais de saúde usem os equipamentos já aprovados pela Anvisa em outros tipos de tratamento complementar.
A expectativa de Guidi, porém, é que a lei não será aplicada. Na hipótese de Lula sancionar a nova legislação ou de o Congresso derrubar seu veto, o advogado acredita que a lei tende a ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que ocorreu em 2020 com a lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula do câncer”, por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
Para Guidi, apenas o Conselho Federal de Medicina e a Anvisa poderiam ampliar os usos da ozonioterapia no país. “A sensação que eu tenho é que o Congresso (ao aprovar essa lei) está dando uma volta numa técnica regulatória instituída dentro do nosso país para a aprovação de equipamentos e procedimentos médicos”, criticou.
O projeto de lei passou no Congresso sem grande controvérsia.
A matéria foi aprovada inicialmente em 2017 na Comissão de Assuntos Sociais do Senado em caráter terminativo, ou seja, foi enviada para análise da Câmara sem passar pelo plenário.
Depois, foi aprovado em 2021 pelos deputados em duas comissões e voltou ao Senado também sem passar pelo plenário da Câmara.
E, em julho deste ano, os senadores aprovaram o projeto em votação simbólica, remetendo a matéria para sanção presidencial.
A BBC News Brasil tentou ouvir o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico e relatou o projeto no Senado, mas ele não atendeu aos pedidos de entrevista.
Também médico, o senador Hiran Gonçalves (PP-RR) foi o único que se pronunciou durante a votação simbólica, e manifestou preocupação com a aprovação da lei. Na sua visão, o Congresso não é a instituição adequada para autorizar tratamentos médicos no país.
Ele teme que a lei, caso entre em vigor, leve pacientes a negligenciarem outros tratamentos, por acreditarem nos benefícios da ozonioterapia.
“O problema (com a aprovação dessa lei) é que você termina por estimular as pessoas de maneira indireta a usarem uma técnica que não é um tratamento eficaz e deixar seus tratamentos mais eficazes e com mais comprovação científica de lado”, disse à reportagem.
Para o obstetra César Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), não é correto promover um tratamento que, além de não ser comprovadamente eficaz, traz riscos aos pacientes, a depender das doses aplicadas.
“Há várias vias de aplicação. Pode queimar as mucosas do reto, da bexiga e da boca, por exemplo. E, a depender das quantidades em que ele é inalado ou é absorvido pelo organismo, pode causar danos vasculares, cardiológicos, cerebrais. Então, não é totalmente inócuo. Vai depender da dose, da via de administração”, ressalta.
O que diz a Associação Brasileira de Ozonioterapia?
A aprovação da lei contou com forte atuação da Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), entidade que promove a técnica e comercializa cursos para sua aplicação.
O presidente da instituição, Antônio Teixeira, sustenta que existem avanços científicos para a comprovação da eficácia da ozonioterapia especialmente no tratamento complementar de dores e inflamações, como osteoartrite de joelho e lombalgia (dor lombar) associada à hérnia de disco. É nesse campo que a Aboz tenta hoje ampliar a regulamentação na Anvisa e na CFM, explicou.
Teixeira, porém, diz que a técnica traz benefícios mais amplos. O site da Aboz lista patologias que poderiam ser tratadas, como tumores de câncer, hepatite, úlceras, hérnias de disco, inflamações intestinais, entre outras.
“A grande questão que precisa ficar clara é que ozônio não é um remédio, ele não atua da mesma forma que um medicamento, agindo sobre uma doença específica”, disse Teixeira à reportagem.
“O ozônio medicinal é um recurso terapêutico que modula o sistema antioxidante endógeno, melhora a oxigenação dos tecidos, ativa células imunocompetentes e tem atividade antimicrobiana tópica. Sua aplicabilidade, portanto, é ampla e suas indicações estão baseadas nestes mecanismo de ação moleculares”, defende.
Presidente da Aboz afirma que há avanços científicos para a comprovação da ozonioterapia especialmente no tratamento complementar de dores e inflamações, como osteoartrite de joelho Foto: / BBC News Brasil
Em defesa do tratamento, a Aboz também destaca o uso da ozonioterapia em outros países, como Cuba, China, Portugal e Espanha. O portal da entidade dá amplo destaque para a informação de que, “na Alemanha, este procedimento médico faz parte dos tratamentos pagos pelos seguros-saúde do governo” e acrescenta que, “anualmente, milhões de pacientes são tratados com a Ozonioterapia” no país.
No entanto, o órgão responsável por definir os tratamentos cobertos pelos seguros-saúde na Alemanha (Gemeinsamer Bundesausschuss) disse à BBC News Brasil que a ozonioterapia foi excluída da cobertura padrão no ano 2000.
“Isso significa que a terapia com ozônio não pode ser reivindicada através do regime de seguro de saúde estatutário. É oferecido como um serviço de pagamento privado na Alemanha, mas não coletamos números sobre a frequência de utilização”, disse o órgão.
A resolução sobre a decisão informa que a revisão da literatura científica existente naquele momento não apontou evidência confiável de benefício e necessidade médica. O documento também diz que a decisão do órgão foi unânime e que não houve contestação do Ministério da Saúde alemão.
A reportagem também consultou o órgão alemão correspondente à Anvisa (Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte). A instituição informou que “o ozônio não é um medicamento autorizado” no país. Por outro lado, esclareceu que “existe a chamada liberdade de terapia” na Alemanha.
“Isso significa que um produto não precisa necessariamente de uma autorização como medicamento para ser selecionado por um médico como terapia para um paciente”, acrescentou o órgão.
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Assessoria de Comunicação