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DESTAQUES
“Tem que falar com o jurídico”. O que é a mercantilização na saúde?
O que os hospitais e os aeroportos têm em comum?
Médico psiquiatra fala sobre a regularização das bets e os prejuízos para a saúde mental
Mabel anuncia Luiz Pellizzer como secretário de Saúde de Goiânia
Interventor na Saúde de Goiânia destaca desafios e anuncia prioridades
MPF quer condenação de R$ 500 mil por Cremesp atuar contra aborto legal
Apesar de Moraes, Cremesp pede para voltar a solicitar prontuários
Morte do CEO: fato isolado, dor ou raiva? Não importa, o que veio depois é o que importa
MEDICINA S/A
“Tem que falar com o jurídico”. O que é a mercantilização na saúde?
“Tem que falar com o jurídico.” Essa é, sem dúvida, a frase que mais irrita os times do comercial e do marketing. É quase um aviso de que a criatividade vai ser podada ou que os planos serão engavetados, impactando diretamente nos novos negócios, nas metas e, claro, nos resultados das instituições.
Existem limites éticos para campanhas publicitárias, certo? Os prestadores de todos os setores econômicos precisam seguir o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para o setor de saúde, o CDC é bem claro: publicidade não pode enganar. Ela deve informar o que é o serviço, para que serve, que tem um preço (sim, saúde custa), e que, mesmo o procedimento mais simples, traz riscos. Parece suficiente, não? Mas, na saúde, não é bem assim.
Há um fantasma que assombra a publicidade na saúde, chamado “mercantilização”. Por causa dele, a publicidade na área carrega um peso extra. Cada profissão de saúde tem em seu Código de Ética uma regra que proíbe a tal mercantilização, mas – surpresa! – nenhum deles explica exatamente o que isso significa. Pior, quando alguém ousa perguntar, quem responde finge que é óbvio, deixando um constrangimento no ar.
Mas não tem nada de óbvio nisso, e é bom desmistificar o assunto.
Primeiro, é possível para entender o que seria a mercantilização. Segundo, nas mãos dos Conselhos, o conceito vira um coringa, usado ao gosto do fiscal da vez, dependendo do quanto ele goste ou não da publicidade em questão.
O conceito de mercantilização é importante, porque serviços de saúde carregam riscos. E não é só o risco de “não funcionar”. Os riscos podem levar a resultados opostos ao esperado, prejudicando ao invés de ajudar a saúde do consumidor. Além disso, esses riscos variam de pessoa para pessoa. Por isso, saúde não é algo que se vende aleatoriamente. Antes de oferecer o serviço, é preciso avaliar se ele realmente será útil para o indivíduo.
No comércio em geral, o consumidor compra o que quer, até as maiores inutilidades, sem grandes preocupações. Já na saúde, vender algo inútil é expor o cliente a riscos desnecessários – e ele nem sempre sabe disso. Por isso, a oferta precisa ser cuidadosa, deixando claro que uma avaliação individual será feita antes de qualquer prestação.
Mas, será que dizer que o serviço é barato, fazer promoções ou criar anúncios criativos já é mercantilizar a saúde? Claro que não! Essas práticas incomodam porque, historicamente, saúde e publicidade não se misturavam. Mas os tempos mudaram. Com a digitalização e as redes sociais, fazer publicidade na saúde se tornou mais viável. E ser criativo nas estratégias de venda, por si só, não é mercantilizar. Na verdade, pode até ampliar o acesso à saúde.
A nova resolução do CFM (2.336/2023) é um belo exemplo. Ela flexibilizou várias restrições e abriu espaço para que médicos e empresas usem a publicidade para divulgar seus serviços e promover conhecimento médico. Outros Conselhos ainda estão presos a um modelo antigo, no qual a publicidade criativa é praticamente sinônimo de mercantilização.
Mas é importante alertar que essa noção mais subjetiva de mercantilização já não é mais aceita na nossa realidade. Vale lembrar o conteúdo da Lei da Liberdade Econômica, que já vigora há mais de cinco anos. Ela proíbe autuações e sanções, por parte dos Conselhos profissionais, baseadas em noções abstratas. E já viu como “mercantilização” pode se transformar em um conceito bem vago. Isso protege empresas de saúde que investem em publicidade criativa, mas responsável.
Mercantilização é sim assunto sério. Mas é muito sério, também, que ações publicitárias relevantes não sejam freadas de forma desnecessária, a partir de um conceito nebuloso e subjetivo de mercantilização. A publicidade responsável não é inimiga da ética – na verdade, ela pode ser uma aliada poderosa para democratizar o acesso à saúde e promover informações úteis à população.
*Silvio Guidi é sócio em SPLAW Advogados.
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O que os hospitais e os aeroportos têm em comum?
Recentemente, enquanto aguardávamos um voo, uma conversa com um diretor de hospital nos levou a uma reflexão interessante: hospitais e aeroportos têm mais em comum do que parece. Entre cafés e olhares para o painel de embarque, exploramos as semelhanças que tornam essas estruturas complexas tão comparáveis. A analogia, amplamente, discutida em outros países, oferece uma nova perspectiva sobre os desafios de modernização e gestão hospitalar no Brasil.
Muitos hospitais brasileiros começaram como pequenas clínicas, onde a gestão era menos complexa e amadora, condizente com a escala da operação. Porém, com o aumento do número de pacientes e a necessidade de oferecer serviços mais diversificados, a administração hospitalar passou a demandar um nível de organização e precisão comparável ao de aeroportos. Assim como terminais aéreos, hospitais enfrentam margens operacionais estreitas e a necessidade de equilibrar custos com a entrega de um serviço seguro e eficiente.
Durante nossa conversa, o diretor destacou desafios que espelham os vividos nos aeroportos: o crescimento constante no volume de pacientes – ou passageiros – exige agilidade, segurança e qualidade, tudo isso com um rígido controle de custos. A coordenação precisa é essencial, pois cada decisão afeta, diretamente, uma cadeia interligada de serviços, seja a pontualidade de um voo ou a entrega de um exame em tempo hábil.
Entre as prioridades de gestão, ele mencionou iniciativas como a otimização do uso das salas cirúrgicas, a redução de cancelamentos e faltas em serviços terapêuticos, o aumento da produtividade em áreas de suporte e a diminuição do tempo médio de internação. Essas medidas mostram como hospitais têm buscado inspiração em setores complexos e, altamente, eficientes para inovar e melhorar seus processos.
Um exemplo prático dessa abordagem foi apresentado no Hospital Med, em Recife. Um dos hospitais da região, ao adotar uma gestão mais orientada por dados e sistemas integrados, conseguiu otimizar o uso de leitos e implementar uma comunicação ágil entre todas as áreas. Os resultados foram maior eficiência operacional e uma experiência, significativamente, melhor para os pacientes.
A convergência entre hospitais e aeroportos não é apenas uma metáfora curiosa. Ambos enfrentam pressões semelhantes e precisam de processos precisos e integrados para atender às demandas crescentes. Inspirar-se em setores que já operam com alto grau de eficiência é um caminho natural para a transformação. Essa troca de experiências e soluções nos lembra que a inovação, muitas vezes, nasce de conexões inesperadas. Afinal, em tempos de mudanças, olhar para além do próprio setor pode ser a chave para superar desafios e construir um futuro mais eficiente e conectado.
*Gabriel Gebrim é COO e CFO da Quality24.
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PUC TV GOIÁS
Médico psiquiatra fala sobre a regularização das bets e os prejuízos para a saúde mental
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A REDAÇÃO
Mabel anuncia Luiz Pellizzer como secretário de Saúde de Goiânia
O prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel (União Brasil), anunciou nesta quarta-feira (11/12) Luiz Pellizer como futuro secretário de Saúde da capital. A posse está prevista para o primeiro dia útil de 2025. O anúncio ocorreu durante coletiva de imprensa na sede da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg).
Mabel ressaltou a experiência e a qualificação de Pellizer, destacando sua confiança no trabalho do futuro secretário. “Um profissional jovem e bem capacitado, que irá se empenhar para melhorar a situação da saúde municipal”, afirmou o prefeito eleito.
Mesmo antes de assumir o cargo oficialmente, Pellizer já está envolvido nos preparativos. Ele integra a equipe de transição e trabalha na análise de dados e problemas levantados pela atual gestão. “Já realizamos levantamentos de dados e estruturamos os gabinetes de crise. Tenho experiência na coordenação em saúde pública e, com a situação atual, sei que será um grande desafio. Vamos encará-lo e oferecer o nosso melhor à população”, garantiu.
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Interventor na Saúde de Goiânia destaca desafios e anuncia prioridades
O médico Márcio de Paula Leite foi nomeado interventor da Saúde de Goiânia e assumiu imediatamente a função após publicação no Diário Oficial na noite de segunda-feira (11). Em entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira (11), Márcio reconheceu o grande desafio da tarefa, especialmente devido ao curto período da intervenção, que se encerra no início de janeiro.
“As prioridades no momento são a alimentação e internação dos pacientes, o fornecimento de insumos às unidades de saúde e a reposição de medicamentos e equipamentos hospitalares. Outro ponto a ser destacado é a limpeza das unidades de saúde, que atualmente está em situação precária”, afirmou o interventor.
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PORTAL MIGALHAS
MPF quer condenação de R$ 500 mil por Cremesp atuar contra aborto legal
Autarquia considerou p abuso de autoridade e exposição de dados sensíveis de pacientes e médicos.
O MPF ajuizou ação civil pública contra o Cremesp – Conselho Regional de Medicina de São Paulo, requerendo indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos.
A autarquia Federal acusa o Conselho de condutas irregulares que comprometeram a realização de abortos legais na rede pública de saúde.
De acordo com o MPF, o Cremesp abriu procedimentos disciplinares contra médicos do hospital municipal Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo/SP, que realizaram abortos em casos de gravidez decorrente de estupro, mesmo quando o tempo gestacional ultrapassava 20 semanas.
Em dezembro de 2023, o Cremesp realizou vistoria no hospital e requisitou os prontuários de mulheres que haviam se submetido a abortos legais nos dois meses anteriores.
O MPF apontou que o Conselho não conseguiu justificar adequadamente a instauração de procedimentos ético-disciplinares nem o acesso a dados sensíveis das pacientes.
Ao acessar os documentos sem consentimento das pacientes e dos profissionais, o Cremesp violou o sigilo médico, garantido pela Constituição, pelo Código de Ética Médica e pela LGPD , afirma a ação.
A investigação revelou falhas na proteção dos dados pessoais das pacientes por parte da Secretaria Municipal de Saúde e do Cremesp.
A Secretaria deveria ter ocultado os dados pessoais antes de disponibilizá-los, e o Cremesp deveria ter assegurado a proteção dessas informações em seus procedimentos, o que não ocorreu , destacou o MPF.
O MPF argumentou que as ações do Cremesp configuram abuso de autoridade e afronta ao devido processo administrativo, atingindo tanto médicos quanto pacientes.
As mulheres tiveram sua intimidade exposta e foram novamente vitimizadas pelas falhas na proteção de seus dados pessoais , ressaltou o órgão.
Repercussão
O caso ganhou repercussão após decisão recente do STF. Nesta quarta-feira, 11, ministro Alexandre de Moraes, do STF, proibiu o Cremesp de requisitar prontuários médicos de pacientes que realizaram aborto legal.
A decisão integra a ADPF 1.141 , ajuizada pelo PSOL. Em maio , Moraes já havia suspendido liminarmente a resolução e determinado a proibição de abertura de procedimentos administrativos ou disciplinares baseados nela.
O MPF não divulgou o número do processo.
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PLENO NEWS
Apesar de Moraes, Cremesp pede para voltar a solicitar prontuários
Nesta terça-feira (10), o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) apresentou requerimento para continuar a pedir prontuários de pacientes que abortaram legalmente em hospitais do Programa Aborto Legal. O pedido ocorreu no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, proibiu que solicitações do tipo sejam feitas pelo conselho.
A entidade tinha solicitado dados médicos de pacientes que fizeram o procedimento ao Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher, vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ao Hospital das Clínicas de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a outras unidades de saúde.
– Ante a respeitável decisão, esta Autarquia requer a diretiva quanto à possibilidade da manutenção em requerer os prontuários aos hospitais do Programa Aborto Legal, caso necessário, aumentando o prazo para entrega, voltados a que possam ocultar os dados das pacientes antes da entrega ao Cremesp, vez que não aceitaremos os prontuários requeridos à UNICAMP e UNESP, diante da decisão de Vossa Excelência – diz o Cremesp.
Ainda de acordo com o texto assinado pelo presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, o pedido pelos prontuários médicos faz parte do ato fiscalizatório da autarquia, que está previsto no artigo 15 da lei 3.268/1957. As informações são do poder360.
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SAÚDE BUSINESS
Morte do CEO: fato isolado, dor ou raiva? Não importa, o que veio depois é o que importa
Para o pensador suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o ser humano em um passado remoto vivia na natureza em estado perfeito de realização, era livre e sozinho. Então, sem sabermos bem o porquê, o homem decidiu viver em sociedade. Com o surgimento dela, o homem começou a perder a humanidade (“O homem nasce bom, e a sociedade o corrompe”). Na obra “Discurso sobre a Origem das Desigualdades”, Rousseau tratou a propriedade privada como causadora do fim da liberdade humana, pois sua distribuição é injusta e desigual. Como iluminista, o suíço foi anárquico. Como autor, porém, sua obra “Do Contrato Social” mudou o mundo, sendo um dos eixos da Revolução Francesa e de tudo o que veio depois dela.
Seu Contrato Social serve como fundamento epistemológico para a organização da sociedade e do Estado. Ele nos ajuda a entender por que nós, indivíduos ordinários, banais, toscos e presunçosos, renunciamos a parte de nossa liberdade natural em troca da segurança e dos benefícios de uma vida em sociedade. Rousseau foi uma amálgama de contradições: enquanto pregava a virtude e a simplicidade, se envolvia em relações complexas e por vezes escandalosas. Hipocondríaco, era obcecado com sua saúde e acreditava sofrer de diversas doenças. Apesar de ter tido cinco filhos, entregou todos aos orfanatos. Morreu aos 66 anos, mas seu “Contrato Social” permanece até hoje imaculado, sendo um sustentáculo das relações civilizatórias.
Em 6 de dezembro, dias após o crime do CEO da UnitedHealth, o jornal The Independent cravou na primeira página: “Quando um CEO de seguro médico é morto a tiros, as pessoas comemoraram sua morte. O que isso nos diz sobre a saúde americana? Por mais desagradáveis que sejam, as reações ao assassinato de Thompson revelaram uma profunda raiva entre muitos americanos sobre a injustiça da indústria de seguros de saúde do país. E entre os que se manifestaram estavam médicos, professores, políticos e pessoas que sofreram suas próprias negações de seguro. Atualmente, mais de 1.000 pessoas vão à falência diariamente devido a contas médicas pessoais”, completou o artigo. Já a rede ABC titulou em seu site: “Tiroteio em CEO expõe raiva “vulcânica” contra empresas de seguros de saúde”.
Independentemente das motivações, o assassinato tocou em um ponto sensível: o custo extraordinário da medicina na América e a sua iniquidade [id est, iniquidade: diferenças de acesso, qualidade e resultados, consideradas injustas, evitáveis e moralmente inaceitáveis]. O país reclama por reformas na saúde há décadas. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por exemplo, destacou o custo superlativo do sistema de saúde norte-americano em sua publicação “Health at a glance 2023”: os dados mostram que os EUA gastam 16,6% do PIB em Saúde, enquanto a média dos demais países é de 9,2% (os EUA gastam US$ 12.555 por habitante em saúde, contra a média da OCDE que é de US$ 4.986). Por outro lado, a “fatura da saudabilidade” é implacável: a expectativa de vida média nos EUA é de 76,4 anos, em comparação com a média da OCDE de 80,3 anos. Em termos de doenças evitáveis, os EUA continuam apanhando da média: 238 casos por 100.000, enquanto a média é 158. O custo dos medicamentos chega a uma média per capita de US$ 1.432, em comparação com US$ 614 dos 33 países da OCDE.
A disparidade está no fato de que, além de ser imensamente cara, a matriz Saúde muitas vezes não retorna em benefícios tangíveis. O Consumer Financial Protection Bureau (CFPB), agência independente do governo para proteção dos consumidores, estimou em outubro último que “100 milhões de americanos devem mais de US$ 220 bilhões em dívidas médicas”. Essa massa está raivosa, cansada e desiludida.Pós-assassinato, uma profusão de críticas ao setor (e até algum regozijo intolerante e idiota pelo criminoso nas redes sociais), as Seguradoras (e o omisso Governo) estão no foco dos acontecimentos, menos por sua competência em cuidar dos beneficiários e mais pela crise sistêmica que abala o Sistema de Saúde há pelo menos 3 décadas. Eliminar gestores privados a bala é algo novo nos EUA, que costuma eliminar primeiro crianças nas escolas e adolescentes nos shoppings. O crime do CEO seria uma psicopatia se não fosse antes uma selvageria.
O medo assola a América. Não qualquer medo, mas o medo da falta de cobertura. Para um funcionário comum, assalariado, com um seguro saúde vinculado a seu emprego (pacote de benefícios), o medo da demissão (ou da quebra da empresa) é muito maior do que o medo de ficar doente ou de sofrer um acidente. Uma reforma no sistema seria necessária, mas o futuro (Trump 2.0) não mostra sinais de maiores transformações, pelo contrário, pode piorar.
Na dúvida, empresas de assistência médica removeram fotos dos CEOs e de outros líderes executivos de seus sites, sem falar no aumento da proteção que os mesmos passaram a receber após o crime (a Global Guardian, que fornece proteção executiva, disse que nas primeiras horas após o tiroteio, 47 empresas de saúde a contataram solicitando segurança executiva adicional). A revista Forbes publicou sua bula: “À medida que milhares de comentários negativos inundavam as plataformas, o foco rapidamente mudou da busca pelo assassino de Thompson para a extrema frustração do público com as seguradoras. A maneira mais rápida de perder o controle de uma crise é ignorar a crítica que levou a ela”.
Não importa muito as explicações que levaram um indivíduo a descarregar sua arma contra o CEO. Ele será preso, julgado e possivelmente passará o resto da vida enclausurado. O que mais causou frenesi foi a adesão das pessoas nas mídias sociais e nas entrevistas às redes de TV. Publicação da própria UnitedHealth no Facebook, expressando tristeza pela morte de Thompson, recebeu em poucos minutos 62.000 reações, sendo 57.000 delas de emojis com demonstrações de riso e sarcasmo. Derrick Crowe, porta-voz do People’s Action Institute, organização sem fins lucrativos pela defesa da sociedade civil, disse à ABC News que ficou horrorizado com o crime, mas observou que a ‘raiva online’ já vinha acontecendo há muito tempo. “Acho que a razão pela qual a raiva foi reprimida e saiu de uma forma tão vulcânica está no fato de que as corporações de saúde têm muito poder neste país e estão atrapalhando o enfrentamento de duas grandes epidemias: a (1) epidemia da violência armada; e a (2) epidemia da negação de assistência médica”. Se Rousseau vivo estivesse, poderia perfeitamente dizer: “O povo, por ele próprio, quer sempre o bem, mas, por ele próprio, quase nunca sabe o que é o bem”.
Para quem acha tudo isso um grande exagero, ou um fato normal do capitalismo, ou mesmo despreza a “chiadeira” colossal nas redes sociais, nada como alguns fatos para dimensionar o problema. Entre os irados e coléricos contrários às Seguradoras podem estar várias camadas da estrutura social do país, como mostrou a pesquisa do Commonwealth Fund publicada em agosto/2024 (“Unforeseen Health Care Bills and Coverage Denials by Health Insurers in the U.S”):
Quase metade dos norte-americanos segurados (48%) recebe despesas inesperadas de contas médicas, o que justifica um dado desconcertante: dois em cada cinco adultos em idade produtiva adiam a visita ao médico.
Menos da metade desses, que relataram erros de cobrança (ou negações de cobertura), não as contestaram, principalmente porque não sabiam que tinham o direito a fazê-lo, ou como fazê-lo.
Quase um em cada cinco (17%) relatou ter tido a cobertura negada para um serviço recomendado por médicos.
Daqueles que tiveram sua cobertura negada, cerca de 47% relataram condições piores de saúde depois da negativa.
Além desses, outras franjas do tecido social podem também estar se rebelando, como mostra outra pesquisa, “Americans’ Challenges with Health Care Costs”, publicada em março/2023 (atualizada em 2024) pela KFF – Kaiser Family Foundation (organização sem fins lucrativos). Ela explica o dramático problema do acesso à Saúde do país:
Cerca da metade dos adultos nos EUA revela que é difícil pagar os custos de assistência médica, sendo que um em cada quatro diz que ele ou um membro da família tiveram problemas para pagar por assistência médica nos últimos 12 meses.
Cerca de um em cada cinco adultos (21%) não atendeu prescrições médicas devido ao custo, com cerca de um em cada dez adultos cortando comprimidos pela metade ou pulando doses de medicamentos devido ao alto custo.
Cerca de quatro em cada dez adultos (41%) relatam ter dívidas devido a contas médicas ou odontológicas.
Metade dos adultos não consegue pagar uma conta médica inesperada de US$ 500 sem se endividar.
Não se trata, portanto, de uma rebeldia sem causa, ou de alguma ideologia pedante dos segurados. As pessoas protestam porque o sistema saiu da zona trivial de “economia injusta” para entrar na perigosa quadra da “insuficiência do contrato social” entre as partes.O crime foi um mero subterfúgio para a insurgência verbal, que há muito está sufocada.
A respeitada ensaísta Francine Prose, que foi presidente do PEN American Center e é membro da Academia Americana de Artes e Ciências, em artigo publicado no The Guardian em 9/12, disseca a revolta pós-crime: “O assassinato de Brian Thompson é uma resposta criminosa a uma situação criminosa. Recentemente, uma seguradora do nordeste do país decidiu limitar as horas de anestesia pelas quais um paciente cirúrgico poderia ser reembolsado. Mais tarde, depois do acalorado clamor público, ela revogou a decisão. Seria cômico se não fosse dramático: um anestesista, no meio de uma longa cirurgia, deve desligar a mangueira e dizer ao paciente para morder uma bala. Deveria o paciente ser cobrado em milhares de dólares por essas últimas horas? E antes de culparmos os médicos por essas altas taxas, vamos lembrar que os anestesistas estão pagando fortunas em seguro por negligência médica… para as empresas que estão sendo pagas tanto pelo médico quanto pelo paciente”. Prose termina mostrando sua perplexidade: “O que é intrigante é porque as pessoas que sofreram tanto por causa do sistema atual são tão relutantes em tentar outra coisa. O que seria perdido se instituíssemos uma assistência médica para todos? Nossa liberdade? Nosso controle? Nossa capacidade de escolher? A má notícia é que tudo isso já se foi”.
Diante desse esgarçamento, seria plausível pensar que nas Cadeias de Saúde estamos diante do risco de ruptura do “Contrato Social”?Não estariam as Seguradoras de Saúde (ou, no caso do Brasil, as Operadoras de Saúde) se arriscando a ‘colocar seus beneficiários a ferros’? (“O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se a ferros” – terceiro capítulo do ‘Contrato Social’ de Rousseau).Obviamente, não há intencionalidade existencial no capitalismo clínico-assistencial norte-americano, apenas regras de gestão de capital. Mas não seria prudente retomar o diálogo? Não estariam os sistemas de saúde banalizando em demasia os incessantes reclamos de grande parte de seus usuários?
Yolonda Wilson, professora de Ética em Saúde da Universidade de Saint Louis, tentou explicar: “Acho que isso diz algo realmente importante sobre como as pessoas estão experimentando os cuidados de saúde neste país. Não acho que seja apenas raiva. Acho que é dor. Acho que muitas pessoas têm dor reprimida e não tiveram um lugar para colocá-la”. O STAT, canal americano especializado em saúde, medicina e ciências da vida (produzido pelo Boston Globe), desabafou em seu editorial após o assassinato: “A insatisfação do público nunca foi tão alta. Dados recentes de pesquisas mostram que o sistema de saúde é tão impopular agora quanto era antes de o Affordable Care Act entrar em vigor há 15 anos, uma época em que as seguradoras podiam se recusar a cobrir as pessoas se elas tivessem qualquer condição de saúde pré-existente, tempo em que quase 49 milhões de pessoas não tinham seguro. Pesquisa do Gallup divulgada no último mês de novembro revela que: a avaliação positiva dos americanos sobre a qualidade dos cuidados de saúde nos EUA está agora em seu ponto mais baixo desde 2001”.
Cerca de 25 milhões de americanos permanecem sem seguro (fonte: STAT). Dezenas de milhões de outras pessoas possuem seguro, mas não conseguem pagar suas franquias, cosseguro ou copagamentos devido aos altos preços de testes, cirurgias e medicamentos. As seguradoras sempre procuram erradicar “procedimentos desnecessários”, mas isso às vezes resulta em atrasos ou negações de atendimento, sem falar na judicialização da saúde, que, ao contrário da brasileira, é quase sempre pró provedor (dados da American Hospital Association mostram que no primeiro trimestre de 2023 os provedores de assistência médica dos EUA venceram 72% das disputas de pagamento envolvendo itens e serviços de emergência e não emergência).
Também não faltaram protestos contra os protestos, ou seja, manifestações por parte das organizações do setor: “As pessoas em nossa indústria são profissionais motivados por missões, trabalhando para tornar a cobertura e o atendimento o mais acessíveis possível e para ajudar as pessoas a navegarem no complexo sistema médico. Condenamos qualquer sugestão de que ameaças contra nossos colegas — ou qualquer outra pessoa em nosso país — sejam aceitáveis”, explicou a America’s Health Insurance Plans (AHIP). Na verdade, um assassinato frio e covarde congelou os argumentos factuais e jogou a população nos braços da revolta. A reação das ruas foi como um “estômago ulcerado jorrando sangue por todos os lados”. Já havia uma lesão aberta muito antes do crime. São feridas que vêm à tona ao menor sinal de consenso.
O que está em jogo nos EUA, como nos demais sistemas globais de saúde, incluindo o Brasil, é um influxo apregoado há séculos por Rousseau: o rompimento do Contrato Social. Ou seja, a quebra explícita ou implícita das regras que norteiam os acordos sociais de convivência. Quando os beneficiários se revoltam contra as seguradoras, ou cidadãos contra os serviços públicos de saúde, eles tendem a voltar ao “estado de natureza”, onde se acham livres e não precisam viver em sociedade. Isso não é mais possível. A barbárie mostrou que, sem um pacto social legítimo, que no século XIX recebeu o nome de “Mutualismo” (cunhado pelo pensador francês Pierre-Joseph Proudhon em sua obra “O que é a Propriedade?”, de 1840),não existe espaço para progressismo. Rousseau argumentava que a legitimidade de qualquer acordo social é dependente do bem comum, e não do bem incomum (de poucos). Para ele, a contratualização social deve ser um poder superior, devendo estar até acima da Lei, pois sua base moral deve prevalecer sobre a base ética.
Eliminar CEOs a tiros não vai mudar nada. Mas sinais de insurgência, ou mesmo de resistência pós-crime, devem sinalizar que já passou da hora do Sistema voltar a dialogar com a sociedade e perseverar na busca da legitimidade rousseana. Os macroproblemas de saúde não serão resolvidos tão cedo. Suas origens e premissas escapam ao controle do reino humano contemporâneo, sendo que algum futuro deve existir para resolver as questões econômicas do setor. Mas para que a insurgência se resigne, é preciso “ceder no contornável e ganhar no essencial”. É preciso voltar ao diálogo. Sem tiros.
Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute
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Assessoria de Comunicação