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DESTAQUES
Número de casos confirmados de coronavírus chega a 25 em 6 Estados e DF
Medicina fica mais feminina, mas ainda é desigual
Atendimento inadequado à saúde de presos pode facilitar surto de doenças em Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia
O POPULAR
Número de casos confirmados de coronavírus chega a 25 em 6 Estados e DF
CORONAVIRUS Brasil confirma 25 casos Goiana narra rotina sanitária na Alemanha, onde há 900 infectados P13
Uma das pacientes está internada em estado grave em uma UTI no Distrito Federal. Minas Gerais e Alagoas entram em lista com um registro cada
Subiu para 25 o número de casos confirmados do novo coronavírus no país. Os dados foram divulgados neste domingo (8) por meio de plataforma do Ministério da Saúde. Até sábado (7), eram 19 no país. Entre as novas confirmações, três ocorreram em São Paulo, uma no Rio de Janeiro, uma em Minas Gerais e uma em Alagoas.
Com a atualização, já são seis estados com casos confirmados: São Paulo (16), Rio de Janeiro (3), Bahia (2), Espírito Santo (1), Minas Gerais (1) e Alagoas (1). Há também um caso confirmado no Distrito Federal.
Um dos novos casos confirmados neste domingo ocorreu no Rio de Janeiro. É o terceiro registrado no estado, e o segundo na capital fluminense.
Trata-se de uma mulher de 42 anos que viajou à Itália junto com outra pessoa que também teve exame confirmado para o vírus. A secretaria classifica o caso como importado -ou seja, ocorreu fora do país.
Em São Paulo, entre os três novos registros, dois são de pacientes com histórico de viagem à Itália e Japão. O outro é de uma pessoa que teve contato com um caso confirmado, ou seja, teve contágio dentro do país.
Nos últimos dias, ao menos dois estados já tiveram registros de transmissão local: São Paulo e Bahia. Isso significa que a infecção ocorreu em pessoas sem histórico de viagem ao exterior, por meio de contato com outros pacientes.
A transmissão, porém, ainda é restrita a pessoas com vínculo entre si, diz o ministério. Não há registro de transmissão sustentada no país -termo usado para definir os casos em que não há como identificar a origem da infecção.
Além dos casos já confirmados, balanço do Ministério da Saúde também mostra 663 registros de atendimentos na rede de saúde em etapa de exames para investigar uma possível infecção pelo novo coronavírus.
Entram nessa lista casos de pacientes com febre e outros sintomas respiratórios (como tosse e dificuldade para respirar) e histórico de viagem nos últimos 14 dias a América do Norte, Europa e Ásia, além de outros países como a Austrália.
Protocolo da rede de saúde prevê que eles passem inicialmente por exames para vírus respiratórios mais comuns. Se negativo, o teste é feito para o coronavírus. A partir desses dados, ao menos 632 casos já foram descartados.
Em geral, a maioria dos pacientes com casos confirmados está em isolamento domiciliar e tem quadro estável, de acordo com informações fornecidas pelos estados.
No Distrito Federal, uma paciente com coronavírus está internada em área isolada da UTI do Hospital Regional da Asa Norte em estado grave. De acordo com a secretaria de saúde, doenças crônicas preexistentes podem ter agravado o quadro. Neste domingo, ela teve discreta melhora do quadro respiratório, informa a secretaria.
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FOLHA DE S.PAULO
Medicina fica mais feminina, mas ainda é desigual
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao mesmo tempo em que a medicina se torna cada vez mais feminina, a desigualdade salarial das médicas é maior do que a encontrada na média de todas as ocupações de mulheres no país.
Elas, que representam 45,6% dos 452.801 dos profissionais médicos do país, também continuam pouco presentes em cargos de liderança nos conselhos e entidades da categoria.
Em 2018, o rendimento médio das médicas em atividade no Brasil, com idades entre 25 e 49 anos, equivalia a 71,8% do recebido pelos médicos, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE: R$ 12.618 contra R$ 17.572. Nessa faixa etária, as médicas já são maioria: 53,2% dos profissionais ativos.
A diferença é maior do que a média geral de rendimento de todas mulheres ocupadas nessa faixa etária (R$ 2.050), que equivale a 79,5% do recebido pelos homens (R$ 2.579).
Os dados do IBGE, compilados a pedido da reportagem pelo professor da USP Mario Scheffer, coordenador da Demografia Médica, corroboram estudo sobre o tema publicado na revista científica British Medical Journal em 2019.
O trabalho mostrou que a desigualdade de renda a favor dos médicos permaneceu mesmo após ajustes de variáveis, como especialidade, carga horária, anos de formado e local de trabalho.
"A feminização na medicina é só um fenômeno quantitativo, não quer dizer maior igualdade de gênero. A presença feminina está aumentando, mas isso não se reflete em igualdade de salários ou de maior presença no corpo docente das faculdades, nas entidades representativas e nos cargos de lideranças administrativas dos grandes hospitais", diz Scheffer.
Na próxima terça (10), o Sindicato dos Médicos de São Paulo lança uma campanha a favor da igualdade salarial.
Segundo a infectologista Juliana de Carvalho, 35, secretária de assuntos jurídicos do sindicato, a proposta é que o tema esteja em todas as negociações com os empregadores.
"Além de menores salários, as mulheres sofrem com a precarização do trabalho. Com a 'pejotização' das equipes, não têm férias, não têm licença-maternidade", diz ela, mãe de dois filhos e que trabalha 40 horas semanais em serviços públicos e privados.
Para ela, a sobrecarga de trabalho é um dos fatores que levam muitas médicas a não buscar cargos associativos.
Não há um levantamento oficial da participação de mulheres nesses cargos, mas basta olhar os sites das principais entidades médicas para notar as discrepâncias.
Tanto no CFM (Conselho Federal de Medicina) quanto na AMB (Associação Médica Brasileira), a presidência e todas as vice-presidências são ocupadas por homens.
As mulheres figuram a partir da secretaria-geral. No CFM, dos 11 cargos da diretoria, três são ocupados por mulheres. Atualmente, elas representam um quarto dos conselheiros médicos no país.
Para Dilza Teresinha Ambrós, secretária-geral do CFM, uma maior participação de médicas nas diretorias dos conselhos é só uma questão de tempo. "Ainda é pouco, mas temos avançado bastante."
A composição da nova diretoria da centenária ANM (Academia Nacional de Medicina) é ainda mais discrepante. Todos os 15 integrantes, empossados na última terça (3) para o biênio 2020-2021, são homens.
"É inegável a necessidade de termos mais mulheres ocupando posições de destaque. Mas elas também precisam buscar essas oportunidades, se candidatarem", afirma o oftalmologista paulista Rubens Berfort Filho, primeiro médico fora do Rio de Janeiro a assumir a presidência da ANM.
A cirurgiã Angelita Habr-Gama e a psiquiatra Carmita Abdo são algumas das médicas pioneiras em entidades representativas de suas áreas.
Gama presidiu as sociedades brasileira e latino-americana de coloproctologia e o Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Abdo foi a primeira mulher a ocupar a presidência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), entre 2017 e 2019, e é secretária-geral da Associação Médica Brasileira.
"Eu nunca pleiteei a vida associativa, ela foi uma consequência da minha carreira acadêmica. Eu pertenço a alguns colegiados há muito tempo, mas uma coisa maior, como a presidência da ABP, só aconteceu na sexta década da minha vida", diz Abdo, 70.
Segundo ela, é preciso vocação para ocupar cargos de liderança que exigem dedicação extra e, muitas vezes, colocam a pessoa numa posição solitária. "Você tem que tomar decisões, resolver impasses e diferenças. Entendo que muitas pessoas, homens e mulheres, não queiram isso."
Uma das experiências que mais a agradou durante a gestão ABP foi a oportunidade de conhecer de perto a realidade da psiquiatria no país e receber muitas manifestações de carinho e respeito. "As meninas diziam: 'você é minha inspiração'. Fiquei emocionada."
A psiquiatra afirma que nunca se sentiu discriminada ou desvalorizada dentro da medicina por ser mulher. "Nunca esperei menos. A gente pode e deve perseguir o que deseja. Mas precisa ter a autoestima no lugar."
Pioneira em cirurgia na USP, Angelita Gama driblou 'nãos'
Primeira mulher titular em cirurgia da USP, a primeira a ser aceita pela sociedade americana de cirurgia e a primeira premiada pela sociedade europeia de cirurgia.
Desde 1952, quando entrou na Faculdade de Medicina da USP, aos 19 anos, Angelita Gama coleciona pioneirismos.
Neste domingo (8), a médica lança a biografia "O não não é resposta" (DBA Editora), escrita por Ignácio de Loyola Brandão. Na obra, ela relata as barreiras enfrentadas e as realizações na área cirúrgica, ainda hoje uma das com menor número de mulheres.
"O primeiro não que eu ouvi foi dos meus pais quando optei pela medicina e eles queriam que eu fosse professora como minhas irmãs. Depois, quando decidi pela cirurgia, o chefe da residência disse que era melhor eu ir para a área clínica, que a cirurgia era para homens. Fui em frente, prestei concurso e passei."
Quando decidiu pela especialidade de coloproctologia voltou a enfrentar resistência. Após conseguir uma bolsa para estagiar em um hospital de Londres especializado em cirurgias colorretais, foi barrada inicialmente sob o argumento de que a instituição só aceitava homens. "Fui a primeira mulher a estagiar lá."
Ao entrar para o mercado de trabalho, as coisas se tornaram mais simples, segundo ela. "Sempre trabalhei em pé de igualdade, no mesmo nível de trabalho dos homens, ou até mais", afirma.
Casada há 56 anos com o também cirurgião Joaquim Gama, a médica diz que continua bem humorada e satisfeita com a vida, operando no mesmo ritmo de antes.
"Levanto às 6h da manhã e só volto pra casa à noite. Felizmente, tenho uma saúde muito boa, uma resistência física excelente. Aguento firme o meu trabalho em pé de igualdade com meus colegas até mais jovens."
Para ela, que não tem filhos, as mulheres são tão boas quanto os homens no exercício profissional, mas, quando se tornam mães, tendem a dedicar um tempo menor à carreira e também enfrentam mais dificuldades para assumir cargos associativos.
"Em geral, as funções da maternidade acabam se tornando prioritárias para as mulheres. Eu nunca tive vocação maternal, mas sempre tive muita vocação para operar. Descobri muito cedo o meu dom."
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JORNAL OPÇÃO
Atendimento inadequado à saúde de presos pode facilitar surto de doenças em Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia
Caso de isolamento de detento por risco de coronavírus expõe o restrito e precário atendimento médico dentro do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia
A deficiência no atendimento à saúde dos detentos que cumprem suas penas, ou aguardam julgamento no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, é mais grave do que se imagina e foi exposta pela chegada de um preso, que viajou pela Itália – país que concentra surto do coronavírus. A insuficiência estrutural e principalmente de pessoal para lidar com questões sanitárias se evidenciou. Até então não havia um protocolo que definia as tomadas de decisão e níveis de atenção a detentos que chegam com algum tipo de doença contagiosa.
Colocar o detento isolado e em quarentena mudou toda a rotina do presídio. O fato assustou servidores, presos e seus familiares. Para tentar estabelecer normas e critérios para atendimento foi necessário o Ministério Público de Goiás realizar uma reunião na última terça-feira, 3, para organizar um protocolo que o caso exige. Além da preocupação, o preso que voltou da Itália provocou também questionamentos sobre o atendimento a saúde que é oferecido aos detentos: não há médicos no período noturno e em finais de semana, não há exigência de diretrizes sanitárias, além de outros cuidados que são primordiais em um ambiente de reclusão.
"Nem o ruim tem"
"Nem o ruim tem, não tem condições de ficar exigindo o ótimo." A declaração é do promotor Marcelo Celestino de Santana, responsável pela 25ª promotoria, ao se referir à falta de um Alvará Sanitário no ambulatório que serve como única estrutura para atendimento médico dentro do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. No complexo estão reunidos mais de 5 mil presos distribuídos entre a Penitenciária Coronel Odenir Guimarães, Casa de Prisão Provisória, Colônia Industrial e Agrícola do Estado de Goiás (acolhe condenados do regime semi-aberto), Penitenciária Feminina Consuelo Nasser e o Núcleo de Custódia.
Marcelo Celestino explica que, como o presídio é uma estrutura do Estado, não é necessário ter o Alvará Sanitário para o funcionamento. No entanto, seria uma forma de seguir diretrizes que garantiriam um cuidado maior com o ambulatório e seus pacientes. "Se tivesse, seria ótimo, porque estaria dentro de um parâmetro", aponta o promotor.
O ambulatório do Complexo Prisional tem registro junto ao Conselho Regional de Medicina em Goiás (Cremego) e a entidade também tem ciência de que o local não possui o Alvará da Vigilância Sanitária. "Essa é uma situação que prejudica, mas as unidades de saúde que funcionam em prédio público não costumam ter esse alvará", reforça Leonardo Reis, presidente do Cremego. "Mas deveriam exigir essa conformidade do documento, já que os hospitais particulares têm que ter", acrescenta.
Médicos só com hora marcada
A Gerência de Assistência Biopsicossocial (Geab) da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) confirma que há cinco médicos para o atendimento no ambulatório do Complexo Prisional. Três são clínicos gerais e outros dois são especializados em psiquiatria. No entanto, eles prestam atendimento de segunda a sexta-feira, entre 8h e 17h.
O número de médicos, especialistas e enfermeiros está regulado na Legislação Saúde no Sistema Prisional. Para presídios que tenham entre 5.300 e 6.000 presos devem ter à disposição cinco profissionais médicos. A determinação é seguida pela DGAP, porém não em tempo integral.
Mas ter essas equipes médicas completas não é algo contínuo. Segundo o promotor Marcelo Celestino, nem sempre as equipes estão com quadro totalmente ocupado com todos os profissionais. Isso acontece porque o responsável por contratar as equipes médicas é o Conselho Estadual de Políticas Salariais e Recursos Humanos (Consid), que, em parceria com a Prefeitura de Aparecida de Goiânia, faz as contratações. Nunca foi realizado um concurso específico para essas equipes. "Eles abrem esse credenciamento, o médico fica lá uma semana e depois não quer ficar mais. E vai para outra unidade. Ou seja, o Complexo Prisional está sempre com deficiência de servidores, as equipes ficam incompletas", relata Marcelo Celestino. Ele ressalta a alta rotatividade de profissionais.
O Cremego desconhece a quantidade de médicos que atuam no Complexo Prisional de Aparecida. O Conselho Regional de Enfermagem (Coren-GO) diz que tem feito fiscalizações no presídio e que há um enfermeiro responsável técnico no local, mas afirma que a quantidade de profissionais de enfermagem é insuficiente para demanda.
Diante dessas deficiências, o detento fica restrito não só à liberdade, mas também a horários comerciais para apresentar alguma enfermidade. Havendo a necessidade de um atendimento de urgência ou emergência fora do horário que conte com o médico, a DGAP precisa levar o detento a um hospital em Aparecida de Goiânia ou na capital. É aí que surge outro problema: nem sempre há viatura ou escolta para esse deslocamento.
"O dia que tem uma coisa falta outra. O dia que tem escolta não tem viatura, o dia que tem viatura falta escolta", relata o promotor. Segundo ele, o deslocamento do preso para uma unidade de saúde traz outros problemas como inconvenientes na rotina dos hospitais e a insegurança aos outros pacientes. "A saúde do sistema prisional é uma atenção primária. Ela não é uma atenção para média e alta complexidade. Esses casos também vão para os hospitais da rede", frisa Marcelo Celestino.
O Complexo Prisional tem hoje, por baixo, em torno de 5 mil presos. Com uma população flutuante de mais 5 mil (mil servidores e mais 4 mil visitantes que entram na estrutura duas vezes por semana). Restringir a atenção médica adequada aos presos facilita a transmissão de doenças à população em geral por intermédio das visitas conjugais e ao preso entrar em liberdade. Como os presos não estão completamente isolados do mundo exterior, uma contaminação não controlada entre eles representa um grave risco à saúde pública.
Descontrole de medicamentos
A dispensação de remédios também é um grave problema dentro do sistema prisional. A maior parte dos medicamentos é controlada. São famosos tarja-preta. Apenas um profissional cuida da dispensação dos medicamentos, e, assim como os médicos, ele fica apenas em horário comercial, durante a semana.
A distribuição dos medicamentos chama atenção porque remédios com efeitos psicotrópicos distribuídos pela farmácia local podem ser comercializados entre os detentos. "A pessoa pode usar como entorpecente. Então tem que chegar e dar o remédio para a pessoa beber", revela Marcelo Celestino.
O Conselho Regional de Farmácia (CRF-GO) faz fiscalizações no Complexo Prisional. Em março do ano passado foi constatado que haviam duas farmacêuticas trabalhando no local, mas noutra recente visita havia apenas um profissional que não está registrado no órgão. "Há um farmacêutico atuando no estabelecimento de forma irregular, uma vez que não foi homologado no Conselho. Foi, então, lavrado auto de infração contra a unidade. Os fiscais do Conselho também constataram outras irregularidades na farmácia que prejudicam o correto armazenamento dos medicamentos", afirma a vice-presidente do CRF-GO, Luciana Calil.
A mesma nota confirma que não é responsabilidade e atribuição do farmacêutico a administração de medicamentos, o que deve ser feito por profissionais de enfermagem. Sobre isso o Conselho Regional de Enfermagem de Goiás diz que já recebeu quatro denúncias entre os anos de 2017 e 2019 sobre variados assuntos; entre eles estavam administração inadequada de medicamentos. "A partir dos relatórios de fiscalização, as autoridades foram informadas quanto aos problemas existentes. Além disso, o Coren-GO requereu reunião com a Diretoria Geral de Administração Penitenciária do Estado de Goiás (DGAP) para discussão dessas questões e possíveis soluções para as mesmas."
"É um local que tinha que ter um hospital", diz promotor
de justiça Marcelo Celestino sobre complexo prisional
Não é apenas o Coronavírus que merece alerta no sistema prisional. Doenças infecto-contagiosas – como tuberculose e Aids – já atingiram níveis epidêmicos entre a população carcerária brasileira. A população carcerária requer uma atenção redobrada de assistência médica. Porque, além de manter uma grande proporção de pessoas com maior risco de adoecer, o próprio ambiente prisional contribui para a proliferação de doenças. Nesse contexto é preciso levar em consideração que a alta incidência de problemas de saúde está relacionada às condições insalubres e celas superlotadas – com presos em contato físico contínuo.
Em entrevista ao Jornal Opção, o promotor de Justiça Marcelo Celestino – do Ministério Público de Goiás – apontou deficiências e precariedades do sistema prisional, mais especificamente no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Como foi a reação do sr. sobre a chegada de um preso que passou pela Itália e, portanto, precisa de isolamento por conta do coronavírus?
Todo preso que chega passa passa pela triagem. É muito vulnerável o sistema prisional porque não tem controle de acessibilidade. Por exemplo: não é feito um diagnóstico ou uma análise para saber se a pessoa tem uma doença, qual doença ela tem, ou se é uma doença contagiosa. A pessoa já vai direto para uma cela, com condição sanitária muito ruim. Ele entra para uma cela com uma quantidade muito grande de pessoas e presos que já estão em condições debilitadas de saúde, ou seja, propensos a contrair [doenças]. No dia em que esse detento chegou eu estive no complexo [prisional] pela manhã, e à tarde chega um preso, não digo com suspeita, mas dentro do perfil de quarentena. Ele esteve na região onde registraram casos da doença e muitas mortes. Causou um tumulto grande no presídio porque não estavam preparados para receber esse tipo de pessoa. Fizemos uma reunião para acertar as fluxos e protocolos para essa situação.
Como funciona essa atenção à saúde dentro do Complexo Prisional?
O Estado tem um conselho – o Conselho Estadual de Políticas Salariais e Recursos Humanos (Consid) – e definiu que a saúde no sistema prisional é feita pela Secretaria de Estado de Saúde. Não é pela DGAP. O que acontece é que, como não tinham servidores próprios e não tinha como abrir concurso, porque a diretoria é um órgão novo, o Estado é que deveria prover esses servidores lá dentro. O Estado fez convênio, que é previsto na Legislação Federal, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que faz convênio em parceria com os municípios, repassam os recursos para os municípios, que contratam as equipes de saúde dentro do sistema prisional.
Dentro do sistema prisional, falando do complexo nosso, é o município de Aparecida de Goiânia. Então são eles que colocam as equipes lá dentro. Só que os profissionais só são credenciados, não são concursados. Eles abrem esse credenciamento, o cara fica lá uma semana e depois não quer ficar mais. E vai para outra unidade. Ou seja, o complexo prisional está sempre com deficiência de servidores. As equipes ficam incompletas. Tenho feito sempre reuniões com o secretário de Saúde de Aparecida de Goiânia para tentar buscar a recomposição dos profissionais. Tínhamos feito uma reunião no mês passado e marcamos outra para essa. Já foi publicado edital para nova contratação. Eles vão fazer um treinamento para todos profissionais da saúde de Aparecida sobre o enfrentamento do coronavírus e vão levar esse treinamento para as equipes que estão no sistema prisional. Estão esperando o Ministério da Saúde definir um fluxo para poder apresentar para as equipes.
A saúde do sistema prisional é uma atenção primária. Não é uma atenção de média e alta complexidade. Os casos de média e de alta vão para os hospitais da rede. A dificuldade é muito grande de levar um preso para uma unidade de saúde para fazer um atendimento. Primeiro, porque é muito difícil levá-lo, precisa ter viatura, tem de ter equipe de escolta. Aí, quando chega na unidade de saúde, o preso não pode ficar aguardando na fila do atendimento. Então passa na frente de outros, o que causa tumulto. Além da condição em que a proliferação de doença é muito grande e vai para unidade de saúde e pode levar mais doença ainda. Então foi feito um convênio da secretaria de Estado com a HGG (Hospital Alberto Rassi). As cirurgias são feitas lá. Eles prepararam um espaço muito bom. A sala tem estrutura de uma cela, não parece, mas tem toda segurança. São cirurgias eletivas. Outros casos vão para o Hugo (Hospital de Urgência de Goiânia). Mas, quando é preciso fazer um exame, é uma dor de cabeça muito grande justamente por essa situação. O dia que tem uma coisa falta outra. O dia que tem escolta não tem viatura, o dia que tem viatura falta escolta. Aí perde o dia do exame. E aí tem que reagendar, e a situação da pessoa vai se agravando.
Tivemos a informação de que o ambulatório do Complexo Prisional não tem Alvará Sanitário. Como o Ministério Público avalia a questão?
Alvará, se tivesse, seria bom. Mas não é obrigação. Existe uma lei federal que não obriga os órgãos a ter o licenciamento ou alvará de licença. Tem determinadas atividades que precisam ser licenciadas, por exemplo o Raio-x. Se tivesse [alvará] seria ótimo, porque estaria dentro de um parâmetro. Mas, se se considerar que nem o ruim tem, não tem condições de fica exigindo o ótimo. Primeiro, vamos exigir o ruim; depois, o regular, pra chegar no ótimo. O complexo prisional tem hoje, por baixo, em torno de 5 mil presos. E é preciso considerar que há mais de mil servidores e, em dois dias de semana, têm as visitas de mais de 4 mil pessoas. Ou seja, é uma cidade. Poucas cidades em Goiás tem uma população deste tamanho. É um local que tinha que ter um hospital, uma estrutura muito grande para evitar de se levar o preso para fora. O que acontece é que o sistema prisional no Brasil como um todo foi abandonado ao longo do tempo. A Lei de Execução Penal, que é de 1984, nunca foi aplicada da forma como deveria ser. Sempre foi considerado um local para entulhar pessoas. Eu falo que lá não é para depositar pessoas, porque depósito pressupõe que está tudo organizadinho e vai lá e acha cada coisa no lugar. Ali não, ali é entulhado. Já tive casos de chegar numa unidade que tinha uma cela de 64 metros quadrados com 150 pessoas. Eu fiz um levantamento situacional da CPP, que estava com 3 mil presos. Tinha cela lá que era pra oito mas tinha 35. Ou seja, se você constrói um local para seis pessoas, você prevê o fluxo de água e energia para seis pessoas, no máximo 12. Não comporta 50. Ou seja a caixa d"água vai esvaziar, não vai encher. Não tem estrutura para suportar um presídio de 800 vagas com 3 mil presos. Então o complexo prisional, quando foi feito nos anos 60, tinha 200 alqueires. Hoje tem 24 alqueires. Foi tirando e tirando e nenhum valor retornando para cá. A situação hoje é terrível. A POG tem 60 anos e nunca teve reforma. Lá é uma masmorra. Deveria ter um presídio mais arrumado. Para ser construído um novo presídio nada nada é R$ 500 milhões ou R$ 600 milhões. Se vender os 24 alqueires que tem ali não se consegue R$ 200 milhões. Mas tem possibilidade de se fazer desde que houvesse vontade política. Se o governador dissesse: olha, eu quero fazer isso, tem projeto no qual não gastaria R$ 50 milhões desses R$ 400 milhões que faltam. Poderia buscar financiamento federal, buscar a iniciativa privada. Teria condições de ser feita. Eu não vejo nenhuma vontade política para poder solucionar o sistema prisional em Goiânia.
Como são as equipes de saúde do complexo?
Hoje é minimamente satisfatória. Está melhor que anos atrás, mas muito longe de chegar no bom. Atenção básica somente durante o expediente, ou seja, das 18 horas até 8 horas da manhã não tem cobertura. Das 18 horas da sexta-feira até as 8 horas do primeiro dia útil também é mínima. Falei com o diretor da triagem, e a equipe de que dispõe sai às 17 horas, e o grande contingente de presos que chega lá é por volta das 19 horas, que sai das audiências de custódia. Chega lá não tem médico pra saber se ele tem ou não doença. No fim de semana passado foram 70 presos. Eu pedi para deixá-los numa cela separada até chegar segunda-feira. O diretor me disse que é pior, porque se chega um doente ele fica junto com 70. Melhor colocar ele lá dentro com cinco presos. Mas é preciso ter atenção à saúde por 24 horas. Lutamos para que seja. No mínimo na triagem.
O que o sr. tem a dizer sobre o tratamento do lixo infecto-contagioso?
Quero acreditar que se cumpra as diretrizes normais de todas as unidades de saúde. Com seu recebimento adequado. Agora é uma coisa que precisa de alerta. Se temos problemas lá dentro na coleta do lixo comum, tenho certeza que teremos problemas na coleta de lixo hospitalar. Tivemos problema grave porque a Prefeitura de Aparecida não quis recolher o lixo de lá, porque tem a diretriz de que estabelecimento com número x de lixo não recolhe. O Estado disse que ia abrir uma licitação, mas, quando se fala que vai abrir, demora ainda um ano pra abrir. Então ficou acumulando o lixo, e certamente o lixo hospitalar também estava. Eu tenho de verificar.
O que o MP tem a dizer sobre a dispensa de remédios? Tem profissional habilitado?
Não tinha. Inclusive a dispensação de medicamento tarja-preta é muito grande. É uma coisa muito complicada porque se você coloca um medicamento psicotrópico desse na mão de um preso ele vai vender esse comprimido lá dentro, para a pessoa usar como entorpecente. Então tem que chegar e dar o remédio para a pessoa beber. Agora na farmácia onde pega o remédio e fica guardado tem o farmacêutico. Ele repassa conforme a tabela, a quantidade de medicamentos. É uma situação complicada, muitos usam disso aí para fim de entorpecentes, mas tem o profissional lá registrado para fazer a dispensação de medicamentos.
O que a DGAP diz
A Gerência Biopsicossocial da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) informa que o custodiado que esteve na Itália, dias antes de ser preso, não apresenta sintomas do Covid-19 (coronavírus). Contudo, como medida preventiva, o órgão segue o protocolo determinado pelo Ministério da Saúde, o qual determina que todas as pessoas que estiveram em uma zona considerada de risco devem ser avaliadas e devidamente assistidas, mesmo sem manifestação de sintomas. O detento está isolado, em quarentena, na enfermaria da Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia.
A Gerência Biopsicossocial da DGAP, responsável pela assistência à saúde da população carcerária em Goiás, informa que todas as providências determinadas foram tomadas em relação ao preso em quarentena desde que ele chegou ao Complexo Prisional de Aparecida, na última quinta-feira.
A Gerência ainda segue atenta ao restante da população carcerária e servidores, mesmo o caso em isolamento não tendo apresentado sintomas da doença. Todas as precauções de prevenção foram tomadas. A secretaria de Estado da Saúde acompanha o caso permanentemente com a DGAP.
A Gerência está com cerca de 30 profissionais capacitados da área de Saúde no trabalho, 24 horas ininterruptas, proporcionando o devido acompanhamento médico que o caso requer.
Todos os materiais utilizados durante os atendimentos médicos são descartados de forma segura e recolhidos por uma empresa responsável por realizar a coleta do lixo hospitalar de Aparecida de Goiânia.
É importante ressaltar que os estabelecimento de saúde da administração pública independem de licenças para funcionamento, conforme prevê a Resolução RDC N º 63 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Lei Federal Nº decreto federal 3.026 de 16 de abril de 1999, do Ministério da e a Lei Federal 6.437, as quais dispensam estabelecimentos de saúde em administração pública da obrigatoriedade de licenças para funcionamento. Mesmo diante da não obrigatoriedade, por determinação do Governo do Estado, todas as unidades de saúde da administração penitenciária deverão obter. A enfermaria da CPP, onde está o preso de quarentena, passará por adequações físicas em processo administrativo de melhorias em andamento, para posterior tratativas da licença referida.
A Gerência de Assistência Biopsicossocial (Geab) da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) informa que existem, atualmente, além de equipes multiprofissionais (com plantões full time), cinco médicos para o atendimento à saúde da população carcerária do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, incluindo a Casa de Prisão Provisória. Desses cinco, três são clínicos gerais e outros dois são especializados em psiquiatria, sendo que todos revezam o atendimento, diariamente, de segunda a sexta-feira, das 08h às 17h.
A Geab informa ainda que casos de urgência e emergência que venham a acontecer fora do expediente previsto são direcionados a atendimento externo ao referido complexo.
Nota na íntegra da Conselho Regional de Farmácia (CRF-GO)
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO) informa que a superintendência Executiva de Administração Penitenciária possui uma farmácia pública com registro ativo no Conselho, sob o número de inscrição 133440. Em março do ano passado, a farmácia obteve uma certidão de regularidade provisória junto ao CRF-GO. Para estar regular, a unidade precisa dispor de um farmacêutico presente no estabelecimento durante todo o seu horário de funcionamento, conforme dispõe a Lei nº 13.021/2014 para, assim, garantir assistência farmacêutica e orientação aos pacientes atendidos. A farmácia, naquele momento, tinha à sua disposição duas farmacêuticas contratadas e registradas no Conselho. No entanto, a farmácia está irregular desde a saída das farmacêuticas. Uma equipe de fiscais farmacêuticos do CRF-GO esteve recentemente na unidade para inspeção rotineira e constatou que há um farmacêutico atuando no estabelecimento de forma irregular, uma vez que não foi homologado no Conselho. Foi, então, lavrado auto de infração contra a unidade. Os fiscais do Conselho também constataram outras irregularidades na farmácia que prejudicam o correto armazenamento dos medicamentos. Ademais, a unidade de saúde do complexo prisional conta com cerca de 40 profissionais de saúde, sendo cinco médicos e cinco enfermeiros e apenas um farmacêutico – não registrado – para atender cerca de 7.800 detentos.
Cabe ressaltar que são atribuições do profissional farmacêutico a dispensação dos medicamentos aos pacientes e orientação quanto à administração, assim como a responsabilidade técnica da farmácia, que inclui o controle do estoque de medicamentos dentro do prazo de validade e em temperatura adequada. Não é responsabilidade e atribuição do farmacêutico a administração de medicamentos, o que deve ser feito por profissionais de enfermagem. Não cabe ao Conselho fiscalizar se o estabelecimento tem alvará sanitário e se atua dentro das normas e, sim, à Vigilância Sanitária.
Por último, o CRF-GO esclarece que todo estabelecimento de serviço de saúde gerador de resíduos precisa ter um Plano de Gerenciamento de Resíduos, que passa pela apreciação da Vigilância Sanitária. Sua execução deve ser supervisionada pelo
responsável técnico (RT) da unidade, que pode ser um farmacêutico ou outro profissional da saúde, como médico ou enfermeiro. Não cabe ao Conselho fiscalizar o destino final deste material e, sim, exigir, por meio da fiscalização, que as unidades de saúde que possuem farmácia tenham um profissional farmacêutico responsável e presente.
O Conselho se preocupa e investe no descarte correto e oferece, gratuitamente, cursos e capacitações sobre o tema, inclusive no interior do Estado, para que os profissionais à frente dos estabelecimentos cumpram a lei e evitem danos ao meio ambiente e à saúde da população. Além disso, o descarte correto é constantemente alvo de campanhas do Conselho em ações sociais para a conscientização da população. Por isso, esta autarquia espera que o Poder Público, por meio da Superintendência Penitenciária, cumpra as determinações sanitárias para proteger a população carcerária e toda a sociedade.
Luciana Calil, vice-presidente do CRF-GO
Posicionamento do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-GO)
A instituição possui um enfermeiro responsável técnico pelo serviço de enfermagem, que está regularmente inscrita no Coren.
Somos informados sobre o quantitativo de profissionais de enfermagem pela instituição e verificamos o número durante a fiscalização in loco. Podemos afirmar que a quantidade de profissionais de enfermagem é insuficiente.
O Conselho Regional de Enfermagem de Goiás recebeu quatro denúncias entre os anos de 2017 e 2019 sobre variados assuntos; entre eles estavam quantidade de pessoal, condições de trabalho e sanitárias e administração inadequada de medicamentos. A partir dos relatórios de fiscalização, as autoridades foram informadas quantos aos problemas existentes. Além disso, o Coren-GO requereu reunião com a Diretoria Geral de Administração Penitenciária do Estado de Goiás (DGAP) para discussão dessas questões e, possíveis soluções para as mesmas.
Defendemos, orientamos e requeremos que o ambiente de trabalho deve cumprir todas as regras estabelecidas pelas legislações vigentes. Em específico sobre a situação do ambulatório da Casa de Custódia, a DGAP, caso não tenha alvará sanitário, deve regularizar a situação junto à Vigilância Sanitária.
Detectamos na fiscalização que existe recipiente para dispensação dos perfurocortantes utilizados em atendimento. Na ocasião, foi feita orientação sobre o posicionamento correto desse recipiente para evitar acidentes. Entretanto, a destinação final desses resíduos (lixo hospitalar) faz parte das competências fiscalizatórias da Superintendência do Trabalho e Vigilância Sanitária.
O Coren-GO orienta que o tratamento e as ações prevenção devem seguir com rigor os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e OMS, que inclui utilizar unidades de saúde referenciadas para o atendimento. O Ministério da Saúde, Secretarias Estadual e Municipal de Saúde tem repassado boletins e protocolos que devem guiar os trabalhos dos profissionais da Saúde.
A reportagem também procurou o Sindicato dos Médicos de Goiás (Simego), mas preferiram não se manifestar sobre a questão.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação