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JORNAL OPÇÃO
Histórias de quem perdeu a vida para a Covid-19 em Goiás
Por Redação
Doença causada pelo coronavírus tem atingido pessoas de todas as idades, ainda que seja mais fatal entre os idosos
Ton Paulo e Italo Wolff
Desde que começou a ser compreendida e registrada pelos pesquisadores e autoridades da Saúde, a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o Sars-CoV-2, jogou por terra o conceito de “grupo de risco”. Existem vítimas em todas as faixas etárias e perfis socioeconômicos. A enfermidade, que inicialmente era causa da preocupação de idosos e portadores de doenças crônicas, pode levar também crianças, jovens, adultos e idosos saudáveis a agonizar sem ar até a morte.
A doença no país segue a tendência mundial: 85% dos mortos têm mais do que 60 anos. Entretanto, os números mostram que os jovens também estão sendo duramente afetados pelo vírus. No Brasil, os mais jovens representam 22% das mortes. Para se ter uma noção, no estado de São Paulo, o mais atingido pelo coronavírus, 38% das vítimas fatais que não apresentavam comorbidades tinham menos de 60 anos. Uma dessas vítimas foi uma menina de 11 anos que morreu no início deste mês em decorrência da Covid-19 com o quadro mais grave já registrado no Hospital das Clínicas, que tornou-se referência para o tratamento da doença na capital.
A criança não era portadora de comorbidades mas apresentava sintomas de falta de ar e quadro de choque cardiogênico. O ocorrido deixou a equipe médica aflita, uma vez que a maior parte das crianças infectadas pelo coronavírus apresenta sintomas leves ou pode ser até assintomática.
Em Goiás, dos quase 50 mortos pela Covid-19, três tinham entre 40 e 49 anos e dois tinham entre 30 e 39 anos. O Estado tem mais de mil casos confirmados, entre jovens e idosos, mas uma coisa é certa: ninguém está completamente a salvo.
Aos 31, Rafael Rodrigues deixou esposa e filha
A primeira música que Alice, de 2 anos e 4 meses, dançou na vida foi de uma banda inglesa de rock, a The Police. Essa é uma lembrança bastante clara na memória da mãe, a empresária Juliane Severo, de 30 anos. O pai da pequena, o engenheiro agrônomo Rafael Rodrigues Pereira, mesmo sendo um exímio fã de sertanejo, adotou Every Breath You Take como a canção oficial dele e da filha. A cada vez que a música tocava, os dois, entre risadas, dançavam juntos. Entretanto, hoje Rafael não pode mais cantarolar a música e acompanhar os passos dançantes de Alice: o rapaz de apenas 31 anos morreu na madrugada de 11 de abril, sábado, em Itumbiara, entrando para as estatísticas de milhares de vítimas da Covid-19.
Jovem e sem histórico de comorbidades, Rafael estava no Hospital da Unimed desde o dia 28 de março. Ele esteve internado em Aloândia, onde vivem os pais, e passou por Goiatuba antes de ir para Itumbiara. Quando chegou, foi direto para a UTI do hospital. A notícia da morte do marido chegou para Juliane às 6 horas de sábado. “O interfone da minha casa começou a tocar muito. Fui abrir a porta e era meu irmão, chorando e falando pra mim que o Rafael tinha morrido”. Ela se recorda de chorar muito e sair arrumando a casa. “Era como se eu não quisesse acreditar”, relembra.
A empresária conta que recebeu o atestado de óbito do marido pelos Correios, uma vez que funerais para vítimas do coronavírus são vedados para evitar contaminação, e nem chegou a ver Rafael em seus últimos momentos de vida. “Eu vi ele saindo de casa e nunca mais voltar. É um negócio estranho, porque você não vê a pessoa de novo, nem que fosse num caixão. Eu acho que ele não iria querer que a gente visse ele do jeito que estava, porque ele estava muito debilitado”, relata.
A música da banda The Police é apenas uma das várias lembranças que Juliane guarda do marido. A casa que ela morava com Rafael e Alice no município de Rio Verde teve de ser deixada para trás. “Qualquer buzina na porta a Alice saía correndo e chamando o pai. Hoje eu mudei para outro lugar, um apartamento. Mas quando chega alguém, ela pega a pessoa pela mão e sai mostrando tudo, inclusive as fotos do pai”, conta Juliane. A empresária revela que às vezes não acredita que o marido tenha morrido. “Parece um pesadelo”, diz. Juliane, que foi casada com Rafael por sete anos, revela que ainda não conseguiu tirar a aliança do dedo. “Não sei se vou conseguir tirar tão cedo, porque é uma coisa muito difícil de acreditar, sabe”.
Ela conta que a filha foi a realização de um sonho de Rafael, que sempre quisera ter uma menininha. “Ele me acordava à noite, quando eu dormia primeiro que ele, e falava que olhava a Alice dormir e não acreditava que tinha realizado o sonho de ser pai”, recorda. Três dias após o óbito, Juliane, que até o momento ainda não havia dado a notícia para a filha, estava no quintal de casa quando uma borboleta amarela pousou em sua mão. O inseto colorido, curiosamente, trouxe a imagem do marido à sua mente, e foi quando ela se sentou com Alice e lhe contou que o pai não voltaria mais. “Eu disse pra ela que o pai tinha virado uma borboleta, que ele não ia voltar mais mas que ainda estaria no coração dela”. Desde então, Juliane conta que a filha associou a figura do pai a uma borboleta amarela e, por uma coincidência ou não, o bichinho parece ter entendido a ligação.
“Ela sempre me pede para eu desenhar o Rafael com asas, como se fosse uma borboleta. Sábado passado ela estava no quintal da casa do meu irmão, comendo, e minha cunhada falou que uma borboleta amarela apareceu e ficou voando em volta dela. Nunca tinha aparecido uma borboleta amarela lá antes”, conta emocionada.
Juliane destaca a “alegria de viver” que o marido tinha e diz que hoje vê com mais clareza a intensidade com que ele tocava sua existência. “O Rafael tinha uma humildade que poucas pessoas têm nesse mundo, e um coração enorme. Lembrar dele é lembrar de uma pessoa que tinha uma vontade incrível de viver. Hoje eu entendo porque ele queria viver tanto e tão rápido, ficar tanto perto da família: ele não ia estar muito tempo ainda com a gente. Parece que no fundo, no fundo ele sabia disso”, diz.
Hoje, Juliane revela que encontrou conforto na concepção dos propósitos divinos mas acredita que muita dor e sofrimento ainda serão causados pelo vírus que levou seu marido. “Eu não queria, de verdade, nunca que ninguém passasse por isso. Ver a filha chamar pelo pai, desenhar ele o dia inteiro e saber que ele não vai voltar. Infelizmente muita gente ainda vai perder a vida, essa onda de dor, esse rastro de tristeza vai demorar passar. Mas a vida continua e Deus está levando também muita gente boa porque precisa por perto de gente boa para ajudar na recuperação do mundo, na restauração de tudo. Isso me conforta muito. Dói muito perder alguém que a gente ama, mas esse entendimento de que nada termina de vez me conforma”, revela.
Juliane está fazendo um diário para a filha, contando quem era seu pai, do que gostava, como eles se conheceram”. Ela conta que tem recebido de amigos e colegas vários relatos e histórias alegres que pretende passar para Alice. A pequena ainda tem como sua canção preferida Every Breath You Take e não perdeu o costume de dançá-la enquanto ela diz, numa tradução literal: “Eu olho em volta, mas é você que eu não consigo substituir”.
Maria Rodrigues, de 75, quase foi deixada para morrer em casa
Maria Rodrigues Perequito, de 75 anos, foi a primeira vítima da Covid-19 na cidade de Anápolis. Sua neta, Brenda Rodrigues de Souza, conta a trajetória da família pelo sistema de saúde, desde a entrada na Unidade de Pronto Atendimento (Upa) no dia 13 de março, até seu fim, no Hospital Célia Câmara no dia 25 de abril.
Brenda relata que a idosa foi diagnosticada com pneumonia e medicada com antibióticos. Porém, não houve melhoras. Após uma semana, a família retornou à Upa, onde ouviu dos médicos que, por conta do risco de infecção com o novo coronavírus na unidade de saúde, a idosa deveria ser tratada em casa. Os medicamentos foram trocados, mas Maria Rodrigues Perequito não melhorava.
De volta à Upa dois dias depois, 21 de março, Maria Rodrigues Perequito foi diagnosticada com infecção urinária, mas os médicos afirmaram que a pneumonia havia regredido; lhe disseram para continuar o tratamento e retornar em dois dias. Brenda Rodrigues conta que a idosa tinha muita dificuldade para respirar.
Novamente, outra vez na Upa após dois dias, o quadro de Maria Rodrigues Perequito era ainda pior. Antibióticos e vitaminas foram receitados. Brenda Rodrigues relata: “Ela voltou pra casa mais uma vez e a angústia e as noites em claro, assistindo minha avó piorando, se estenderam até o dia 30 de março. Minha avó quase morreu em casa!”
Brenda afirma que a família entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Município de Anápolis e insistiu para que Maria Rodrigues Perequito fosse examinada em casa. No dia 30 de março, uma médica e duas enfermeiras visitaram-na e, após breve consulta, emitiram o parecer médico. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado e Maria Rodrigues Periquito levada para o Hospital Jacob Facuri, em Goiânia.
A idosa foi internada com diagnóstico de grave infecção urinária e pneumonia, mas ainda não havia qualquer suspeita de Covid-19. Maria Rodrigues Perequito passou 25 dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Humanizada, onde Brenda, sua mãe e suas tias se revezavam para acompanhá-la durante a noite.
“Durante esses dias, seu quadro clínico melhorou muito, a ponto de termos uma previsão de alta para o dia 19 de abril. Iríamos da UTI para o quarto do hospital, e de lá podríamos ir para casa no dia 20”, conta Brenda Rodrigues. No dia 20 de abril, o médico responsável por Maria pediu exames do coração e afirmou que seria necessário que a família instalasse um balão de oxigênio em casa.
Ainda, Covid-19 não havia sido cogitada. “Isso porque toda semana eram feitos exames de rotina, coleta de sangue. A todo momentos os médicos diziam que o estado clínico dela era bom, que ela já não apresentava mais pneumonia, que a infecção urinária e renal também estavam melhores”, diz Brenda Rodrigues.
Entretanto, no dia 21 de abril, os médicos decidiram interná-la em UTI, onde familiares não poderiam acompanhá-la. Um dia depois, os médicos disseram que durante a noite os batimentos cardíacos tinham caído muito e que Maria continuaria em observação. Houve o último contato entre os familiares e a paciente. No dia seguinte, não houve visitas.
“Foi só no dia 24 que os médicos nos disseram que a minha avó provavelmente tinha contraído o vírus dentro do hospital. Até então, não estávamos cientes de nada. Tivemos contato direto com ela o tempo todo, enfermeiras e médicos também tiveram contato sem proteção, muitas vezes”, conta Brenda Rodrigues.
Maria foi transferida para a Maternidade Municipal Cecília Câmara – que foi redesignada para receber exclusivamente pacientes da Covid-19 – e “entubada”, isto é, ligada a respiradores mecânicos. Brenda Rodrigues conta que o Hospital Jacob Facuri não deu explicações acerca de como proceder, agora que a família poderia estar infectada, ou acerca de como sua equipe não percebera a contaminação pelo novo vírus.
Maria Rodrigues Perequito faleceu no dia 25 de abril e a família não teve acesso a prontuários médicos ou a qualquer tipo de informações oficiais. “Só soubemos que o teste para Covid-19 deu resultado positivo através de um médico da prefeitura de Anápolis, que nos atendeu no dia 30, em casa, quando soube do falecimento da minha avó”, conta Brenda Rodrigues.
Brenda Rodrigues relata ainda que a senhora Maria Domingas, que dividiu o quarto de UTI com sua avó, também foi diagnosticada com Covid-19. E que também neste caso, a família da colega de quarto não foi testada.
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“Todo mundo sabe a gravidade da Covid-19. Mas tem pessoas que são inconsequentes com a vida dos pais, filhos e com a sociedade”
Por Augusto Diniz
Ex-ministro da Saúde diz acreditar que a população tem consciência do perigo que o novo coronavírus representa, mas que é preciso insistir na informação sobre prevenção e combate ao Sars-CoV-2
Pouco se falava sobre o ministro Luiz Henrique Mandetta no governo Bolsonaro até a chegada do novo coronavírus ao Brasil. Quando o primeiro caso da Covid-19 foi constatado, na noite de 26 de fevereiro em São Paulo, o titular do Ministério da Saúde adotou como tática de prevenção a transparência. Com entrevistas diárias transmitidas pela internet e canais de TV, os dados eram atualizados, os novos protocolos de prevenção e tratamento vinham a público.
A repercussão da forma de agir do ministro da Saúde despertou certo incômodo no presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que viu a popularidade de Mandetta crescer nas pesquisas de opinião pública. Enquanto o nome do médico e ex-deputado federal pelo DEM do Mato Grosso do Sul era assunto em qualquer lugar do País, Bolsonaro chamava ministros de “estrelas” no governo. Entre a ameaça de demissão e a troca do titular da pasta, o Brasil discutiu durante duas semanas o assunto.
Mandetta foi demitido em 16 de abril e deu lugar a Nelson Teich, que foi empossado como ministro no dia seguinte. Uma semana depois, o ex-juiz Sergio Moro fez denúncias contra Bolsonaro em um pronunciamento e entregou o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública. No dia que Mandetta foi demitido, o Pais tinha 33.682 casos confirmados da Covid-19 e 2.141 mortes causadas pela doença. Na sexta-feira, 8, o Brasil chegou a 145.328 pessoas com o novo coronavírus e 9.897 mortos, com 751 óbitos confirmados em 24 horas.
Em entrevista ao Jornal Opção, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta fala sobre o trabalho de combate ao novo coronavírus no Brasil, a transparência dos dados, uso de máscaras caseiras, o que foi planejado para enfrentar a pandemia no País e como tem visto o trabalho de Teich na pasta.
Desde que o sr. saiu do governo federal, como tem visto a atuação do País no combate à Covid-19?
De uma maneira muito assimétrica. Alguns governadores e prefeitos mais cuidadosos, mais zelosos, outros menos cuidadosos. Cada um tem feito uma leitura muito individualizada. Falta uma unidade de corpo, que infelizmente o Brasil não conseguiu dar.
Como podemos fazer municípios, Estados e governo federal se entendam? Principalmente o governo federal, que continua a contrariar todas as recomendações dos profissionais de saúde e da comunidade científica.
Esse o ponto lastimável da história toda porque o SUS [Sistema Único de Saúde] é um pacto federativo vivo. Enquanto estive ministro, consegui dialogar com os secretários estaduais e municipais de Saúde. O Ministério da Saúde procurava o consenso, um caminho, e estava construindo esse consenso. Tanto que conseguimos excelentes índices de isolamento e distanciamento sociais, conseguimos uma padronização, compra conjunta e expansão do sistema.
Após o desmanche da equipe, me parece que o sistema tem funcionado com cada Estado procurando sozinho fazer a sua tomada de decisões, já que, aparentemente, o governo federal se distancia muito dessa tomada de decisões conjunta, que era a tônica do Ministério da Saúde e que é o princípio fundamental do SUS.
Depois da decisão do STF, que dividiu as responsabilidades na decisão por medidas restritivas com Estados e municípios, muitas cidades flexibilizaram bastante as atividades econômicas. Como o sr. tem visto o movimento de grande flexibilização das atividades consideradas não essenciais? Que tipo de preocupação isso pode trazer nas próximas semanas?
O governo federal tem preparado decretos nos quais vai gradativamente considerar tudo essencial. Isso vai gerar uma espiral de casos cada vez maior da Covid-19, com número de óbitos cada vez maior. Como vão se dar a velocidade com que vamos passar pela doença e a dramaticidade dos números o tempo vai dizer, a história vai dizer.
A impressão que tenho é que quanto mais se quer flexibilizar na hroa errada a movimentação da sociedade, mais tempo vamos levar para poder ter uma retomada da economia. E este vírus não negociou com nenhum chefe de Estado do mundo. Não negociou com nenhum sistema de saúde do mundo.
Temos de tentar evitar colapsos, porque o colapso que o novo coronavírus provoca é um colapso muito maior do que o do sistema de saúde. Se fizermos movimentos errados, vamos pagar um preço muito alto.
Os pesquisadores têm falado bastante da necessidade de definir o R, quantas pessoas são infectadas por uma única pessoa com o vírus, no Brasil. Com a baixa testagem da população, como vamos conseguir identificar a taxa de transmissão no País?
Existem técnicas para fazer a identificação. Normalmente se faz isso por algo chamado inquérito sorológico, que é o que foi feito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no Rio Grande do Sul, serve hoje de modelo para todo o Brasil e deixamos pronto para fazer por Estado.
No inquérito sorológico é possível ver velocidade de propagação, saber o percentual da população que esteja imunizado e consegue confrontar os dados com os casos notificados. O inquérito sorológico é a grande chave para fazer planejamento.
A adoção do uso de máscaras para toda a população, como no caso de São Paulo, demorou muito para começar. A capital paulista só adotou a medida na quinta-feira, 7. A máscara, que o sr. recomendou enquanto ainda era ministro, já deveria ter sido adotada há mais tempo?
A máscara ajuda. Durante muito tempo, ficamos sem uma regulamentação por parte da Anvisa [Agência Nacional da Vigilância Sanitária] sobre máscara de pano, de tecido, que era uma coisa que o Ministério da Saúde solicitava à Anvisa que fizesse a sua regulamentação.
Sou médico de uma geração que quando comecei a operar nós operávamos todos com máscara e roupa de pano. Existia um protocolo de lavar, limpar e esterilizar. Demorou muito tempo até o Ministério da Saúde fazer uma regulamentação própria para permitir que as pessoas possam usar máscara caseira.
É importante usar? É. Mas é preciso saber que tem de lavar com água sanitária, que é uma peça que você pode usar durante um período de tempo, mas não adianta ficar com a máscara vencida, com umidade, com saliva.
Não é porque está com a máscara que pode tudo. A máscara é simplesmente uma barreira mecânica que ajuda. Mas o mais determinante é distanciamento, ficar em casa, lavar as mãos, fazer a higiene das mãos, do rosto, passar o álcool em gel. Tomar as medidas de higiene é mais importante do que a máscara.
Há cidades nas quais o transporte público tem funcionado com frota reduzida de veículos num mesmo momento em que as medidas restritivas são afrouxadas, o que tem gerado aglomerações nos pontos e terminais de ônibus. Qual o risco de aumentar o contágio nesses locais?
É preciso ter bom senso. Tem de haver distanciamento, não pode ter ônibus superlotado. O ônibus vai refletir qual é o nível de atividade social que tem uma cidade. Enquanto não há circulação intensa de vírus, aparentemente isso é inofensivo. Na hora que tiver uma circulação mais intensa do vírus, será um dos primeiros serviços a fechar.
Se discute a possibilidade de o novo coronavírus ter sofrido mutações em diferentes países, se há uma letalidade maior do Sars-Cov-2 em uma região do que em outra. Já há a informação se no Brasil o vírus sofreu alguma mutação?
Não. O vírus é o mesmo com variações genéticas mínimas. Estamos falando do mesmo vírus. A letalidade é em função da velocidade como que o coronavírus se propaga e da capacidade do sistema de saúde de atender os pacientes. Todos os países vão passar pelo coronavírus com maior ou menor grau.
Chegou a ser cogitada a vinda do sr., ao sair do Ministério da Saúde, para o cargo de secretário estadual de Saúde em Goiás. Quais são os planos do sr. a partir de agora?
Sou muito amigo do governador Ronaldo Caiado (DEM), talvez por isso essa possibilidade foi cogitada. Secretário Ismael Alexandrino é uma pessoa maravilhosa, trabalha muito bem e eu não tenho nenhuma possibilidade, no momento, de ser secretário de Estado nenhum.
Não conheço a realidade do Estado de Goiás. Seria muito ruim para Goiás. Eu ajudo com leituras para o governador, com sugestões, assessoria. Gosto muito do Estado de Goiás. Sou de um Estado aqui do Centro-Oeste, sou do Mato Grosso do Sul, somos todos da mesma forja. Será um prazer e uma honra para mim sempre ajudar o Estado de Goiás, que faz um bom trabalho.
Vemos a diferença dos números de Goiás para outros Estados, fruto da seriedade com que prefeitos e o governador têm tratado o tema. É preciso tomar cuidado, não podem relaxar para não ter problemas daqui para frente.
Enquanto o sr. estava à frente do Ministério da Saúde, o Entorno do Distrito federal já era uma preocupação por causa da Covid-19. O que o Hospital de Campanha de Águas Linda de Goiás representará no combate à doença quando começar a funcionar?
O Hospital de Campanha foi uma solicitação do governador Caiado. O que nos comprometemos foi em montá-lo e, quando for necessário, o governador irá ativá-lo através dos equipamentos, pessoal, enfermeiros e médicos que o Estado definir.
É uma área que tem uma desassistência muito grande. Tem um hospital que foi construído, gastaram muito dinheiro, uma obra definitiva que o governador retomou. Esse hospital sim dará uma condição melhor para aquela região. É uma região muito preocupante porque concentra um número grande de pessoas e Brasília já tinha dado sinais de que não atenderia a população goiana que está no Entorno do Distrito Federal.
O Hospital de Campanha é uma unidade de 200 leitos que precisa ser ativada assim que o Estado tiver as necessidades de utilizar a estrutura. Mas foi uma solicitação do governo de Goiás.
Como fazer as pessoas entenderem que a Covid-19 não é uma gripezinha ou um resfriadinho, principalmente quem insistem em convidar amigos e parentes para fazer churrasco e ver lives de artistas na TV?
Acho que a população já entendeu. Todo mundo já sabe a gravidade da doença. Mas tem pessoas que são inconsequentes com a vida, com a vida dos seus pais, dos seus filhos, dos seus parentes, inconsequentes com a sociedade, inconsequentes com o sistema de saúde. Pessoas que insistem e fazem esse tipo de atitude. Normalmente não assumem.
Infelizmente, temos de insistir, falar, aconselhar. Não é uma questão de violência, nada disso. É uma questão de diálogo, de explicar. A maioria dos brasileiros já entende, já faz a sua parte. Alguns se submetem ao trabalho porque precisam trabalhar, sabem que a vida é dura. Precisamos acreditar que a ciência vai nos dar algumas notícias boas para podermos sair desta crise sanitária.
Mas enquanto não temos, precisamos preservar e lutar pela vida de uma maneira muito intensa. Temos o resto da vida para nos arrepender de não termos cuidado da vida.
Parece ter passado aquela fase em que agentes públicos defendiam o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento da Covid-19, até pelo resultado preocupante das pesquisas. Começamos a ver o início das autorizações no mundo para o uso do remdesivir nos pacientes internados. Por que nunca se discutiu o uso do remdesivir no Brasil, mesmo com resultados preliminares melhores nas pesquisas para a Covid-19 do que a cloroquina e a hidroxicloroquina?
Isso é típico da ciência. Deixemos os médicos pesquisarem, os infectologistas analisarem, pesquisarem, submeterem, fazerem os estudos. Podemos torcer. Sou um homem de muita fé. Rezo todos os dias o terço e peço para que ilumine os cientistas para que eles nos tragam melhores drogas, melhores medicamentos, para que tragam uma vacina, testes melhores.
Posso torcer. Não posso adotar uma linha sem ter embasamento científico. Defendo com intransigência a ciência, o apoio à ciência, porque será através da ciência que vamos virar esta página.
No que o sr. diz ter feito, com torcida para que cheguemos a uma fase melhor, como o sr. tem acompanhado o trabalho do novo ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich, que está no cargo há 22 dias?
Da mesma forma que você, como cidadão. Não o conheço, não conheço a equipe, as medidas. Me parece que este vírus não deixa muita opção. Para quem jurou defender a vida, o coronavírus não deixa muita opção a não ser procurar desviar da doença. O resto é só força de expressão, força de palavras: se elas vão ser mais duras, mais intensas ou mais amenas.
Eu lutei intransigentemente pela vida do povo brasileiro. Acreditei que era a razão de ser, de eu estar ali, era alertar ao máximo, dar o maior número de informações, trabalhar com muita transparência, estar presente nas coletivas, responder a pergunta da imprensa. A imprensa livre divulgando tudo, perguntando, é a melhor que podemos ter para lutar contra este vírus, contra este inimigo.
Diferente de uma guerra contra um inimigo que você precisa ter segredos de guerra, quando seu inimigo é um vírus, você tem de ter o maior número de informações na mão da população. Porque só a população sabendo de tudo, das suas fraquezas, das suas possibilidades, é que ela pode se preparar, é que você pode dar o mínimo para a pessoa lutar. Procuramos dar às pessoas o máximo de informação sempre.
Eu, como cidadão, sinto o Ministério da Saúde mais distante daquela quantidade de informações que era entregue, comentada, analisada e submetida. Nossos erros e nossos acertos eram submetidos sistematicamente à opinião pública.
A visão do sr. como médico com relação ao SUS mudou depois que ocupou o cargo de ministro da Saúde?
Não mudou. Os princípios filosóficos que aprendi na medicina nunca foram tão atuais. E que o Juramento de Hipócrates, que os profissionais fizeram, principalmente os mais jovens, sirva de referência. Aquilo não é simplesmente um enfeite para uma formatura de medicina. Aquilo é uma verdade. E é atras daquela verdade que temos de ir atrás.
Qual é o tamanho da preocupação que temos de ter hoje com quem está na linha de frente do tratamento de pacientes da Covid-19? Quais são os cuidados que precisam ser tomados na atuação das equipes de saúde?
Os profissionais de saúde são aqueles que temos de cuidar muito deles, tratá-los muito bem. Organizar ao máximo esta força de trabalho. É através deles que vamos ter tratamento. A enfermagem brasileira é uma enfermagem guerreira, uma enfermagem com raça, é uma enfermagem que não larga o doente. É reconhecida como uma enfermagem inspirada em Anna Nery.
Junto com uma enfermagem profundamente comprometida, um corpo clínico comprometido, os agentes comunitários precisam assumir mais as visitas domiciliares, orientar mais os idoso para quem tenham consciência, orientar as famílias na hora de fazerem a promoção da saúde de uma maneira mais intensa.
O dia 12 de maio é o Dia da Enfermagem. É um dia para rendermos todas as homenagens à enfermagem, porque ela está na linha de contágio, está na linha de frente. E é inadmissível que qualquer pessoa não renda homenagens, não agradeça. Inadmissível que alguém pratique qualquer ato de violência, agressão verbal à enfermagem, aos médicos, que estão na ponta, muitas vezes submetidos a um trabalho sem as devidas condições.
Merecem todo o nosso aplauso, todo o nosso respeito pelo carinho e a dedicação que têm dado aos milhares de pacientes que batem à porta do sistema hospitalar brasileiro.
Como ficou a relação do sr. com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)?
Nunca tive… Nunca tive… O presidente tem toda a prerrogativa de trocar os ministros, ele foi eleto. Os ministros são nomeados pelo presidente e são exonerados pelo presidente. Saí sem nenhum conflito com o presidente. Sempre o tratei com muito respeito e sempre também me tratou com muito respeito. Desejo um bom trabalho e boa sorte ao presidente. Temos opiniões diferentes sobre este assunto, mas isso é normal da democracia.
Como ficará o trabalho do sr.? O que fará a partir de agora?
Estou aguardando a Comissão de Ética da Presidência da República. Quando se ocupa o cargo de ministro de Estado, é preciso solicitar se a comissão permite que a pessoa trabalhe. Não quero ficar recebendo um salário durante seis meses para ficar em quarentena. Sou obrigado a perguntar e comissão dirá o que eu posso ou não fazer, se posso fazer consultoria, se posso ter assessoria, se posso fazer palestra, se posso cobrar ou não. Isso quem define é a Comissão de Ética da Presidência da República.
Por isso, estou aguardando. Se disser que não posso fazer nada, que tenho de ficar em casa, ficarei muito triste, porque nos últimos cem dias estudei muito o assunto e poderia ajudar muito as cidades, os Estados, governadores, hospitais, entidades médicas e de enfermagem. Poderia transmitir a eles coisas que aprendemos e dos contatos que tivemos no mundo.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação