CONTINUAÇÃO
O GLOBO
Ações sobre reembolso de plano de saúde crescem 26,5%
Consumidores reclamam dos baixos valores de restituição e da falta de transparência no cálculo das operadoras
Insatisfeitos com o reembolso das despesas médicas feito pelos planos de saúde, os consumidores cada vez mais entram com ações contra as operadoras. Entre 2013 e 2018, o número de processos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) cresceu 26,5%, de 350 para 443, segundo levantamento feito pão Vilhena Silva Advogados.
A maior queixa dos beneficiários diz respeito à falta de transparência no cálculo do valor do reembolso e da tabela de referência usada pelas operadoras. Os consumidores reclamam que os valores de restituição não são atualizados pelas operadoras com os mesmos parâmetros dos reajustes anuais dos planos. A administradora Graça Rodembuig, de 60 anos, entrou na Justiça ao ser ressarcida em apenas 20% das despesas médicas do tratamento de uma doença cardíaca. Durante internações de urgência e emergência em hospital, ela recebeu uma conta de R$ 102 mil, referente a despesas com a equipe médica não conveniada, mas recebeu de volta apenas R$ 21 mil. A Justiça entendeu que o reembolso deveria ser integral.
-A gente não sabe como são feitos aqueles cálculos de reembolso. Eles pagam o que querem. A gente pede esclarecimentos, mas não recebe explicações, e se sente desamparado e explorado -queixa-se Graça.
Segundo as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o reembolso é obrigatório nos casos de urgência e emergência quando não houver médico ou hospital da rede credenciada disponíveis, seja para planos com coberturas nacional, regional ou local. Quando o consumidor contrata um plano de saúde com a opção "livre escolha" tem direito ao reembolso de acordo com as cláusulas contratuais.
De acordo com Ana Carolina Navarrete, advogada e pesquisadora em saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idee), no caso dos planos de livre escolha, se não houver cláusulas claras em contrato, o entendimento é que o ressarcimento das despesas deve ser integral.
Ela ainda vê outros dois casos em que cabe reembolso para planos com rede credenciada, além de urgência e emergência:
– A primeira é quando o procedimento faz parte da sua cobertura e não está disponível na rede credenciada Da sua região geográfica. Entendemos também que o reembolso é devido em situações de vulnerabilidade, quando, por exemplo, o consumidor faz uma cirurgia e não há equipe credenciada.
Na avaliação de Rafael Robba, advogado especializado em direito à saúde do escritório Vilhena Silva, falta de transparência nos cálculos das operadoras acaba aumentando a judicialização do tema:
– O cálculo é uma caixa-preta, e isso leva o beneficiário à justiça. Muitas decisões judiciais determinam o reembolso de forma integral justamente porque a operadora não demonstra como chegou ao valor de restituição.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em julho, que o plano de saúde deve reembolsar despesas em hospital não credenciados mesmo não sendo caso de urgência ou emergência. O argumento usado foi que, se a operadora precisa ressarcir o Sistema Único de Saúde ( SUS) por tratamento em hospital público, não há porque não reembolsar o cliente que recorreu a uma rede não conveniada.
De acordo com a ANS, o reembolso para qualquer serviço, inclusive de urgência e emergência, será correspondente ao valor previsto no contrato e deverá ser pago em, no máximo, 30 dias após a entrega da documentação que comprova a despesa. Caso não haja previsão contratual de reembolso, deverá ser restituído o valor integral desembolsado pelo beneficiário.
Procurada, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos de operadoras de planos privados, não se pronunciou. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informou que entre seus associados não há previsão de reembolso.
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O POPULAR
Com tesoura e pente, voluntário leva autoestima a hospital
Homem de 57 anos dedica noites que seriam de descanso para realizar atendimentos a pacientes e acompanhantes no Araújo Jorge
Há mais de dez anos, quando foi desafiado a oferecer aos pacientes do Hospital Araújo Jorge, principal unidade da Associação de Combate ao Câncer de Goiás (ACCG), um serviço ao qual não estava habituado, Eduardo Vilela Alencar, de 57 anos, não poderia imaginar que chegaria tão longe. Então voluntário da capelania, foi solicitado a ele que fizesse barba e cabelo dos homens internados no hospital. "Eu levei um susto porque nunca tinha feito um curso. Só cuidava da minha barba, mas aceitei porque naquele momento havia muita necessidade". Hoje, o técnico industrial em saneamento é considerado pela instituição um voluntário exemplar.
Funcionário da Saneamento de Goiás (Saneago), Eduardo passou a frequentar o Hospital Araújo Jorge quando se preparava para ser pastor evangélico. O manejo com tesouras, pentes e afins no interior da unidade estava longe dos seus propósitos. Ele estava ali para dar apoio espiritual aos pacientes e acompanhantes. O pedido da Coordenação de Voluntariado foi para ele uma intimação. "Ele começou o atendimento às segundas, mas como a demanda aumentou e não conseguimos achar outra pessoa com seu perfil, passou a vir também às quintas", explica Ângela Machado de Sá Ferreira, vice-presidente da ACCG e coordenadora do voluntariado.
Eduardo trabalha na Saneago de segunda-feira a sexta-feira, das 7h30 às 17 horas. Todas as segundas e quintas, quando termina o expediente, ele chega ao Araújo Jorge. São noites de muito trabalho. Ele percorre todos os setores de internação, às vezes com pedidos já agendados, mas está sempre pronto para atender a cada solicitação. "Já depilei braços e peito, costumo também cortar as unhas, atendo crianças e adultos, pacientes e acompanhantes. Há muita demanda. Já cheguei a fazer 13 barbas e 13 cabelos numa noite", mostra na caderneta onde tudo está anotado.
De jaleco, touca, luvas e máscara ele caminha devagar pelo hospital puxando o carrinho que idealizou. "Ele foi adaptando o carrinho ao longo dos anos para facilitar a locomoção. Ali consegue colocar tudo o que precisa, não esquece de nada", elogia Ângela Machado. Tesoura, pentes, lâminas de barbear, máquina de cortar cabelo, capa de proteção, vassoura, pá, álcool, água, uma mistura de shampoo e condicionador para amaciar a pele e espelho são alguns dos itens essenciais no carrinho de Eduardo. A cada trabalho concluído ele faz questão de oferecer o espelho para que o resultado seja conferido.
Ângela Machado reconhece que Eduardo não é o único voluntário a manejar tesouras e pentes para melhorar a autoestima dos pacientes. "Mas ele é o único assíduo e com comprometimento. Seu trabalho é contínuo e sistemático". O técnico em saneamento e barbeiro/cabeleireiro nas horas dedicadas ao trabalho voluntário faz da atividade uma missão. "O pessoal fica esperando ansioso, por isso não deixo de vir." Há dias que há tanta demanda que ele não volta para casa, no Setor Santa Rita 5, região Oeste de Goiânia. "Ele dorme neste sofá desconfortável aqui na sala do voluntariado", confirma a vice-presidente da ACCG.
Unidade conta com 280 voluntários
Instituição privada de caráter filantrópico, a ACCG foi fundada há 63 nos pelo médico Alberto Augusto de Araújo Jorge, com o apoio do Rotary Clube de Goiânia. Hoje é um dos centros nacionais de referência no tratamento de câncer e em pesquisas oncológicas, sendo o único do Centro-Oeste especializado na área. A grande maioria dos pacientes recebe tratamento no Hospital Araújo Jorge (HAJ), principal braço da ACCG, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Por ser referência, a instituição atende adultos e crianças não somente de Goiânia, mas também do interior e de outros Estados. Anualmente são mais de um milhão de procedimentos, entre consultas, internações, cirurgias, quimioterapia, radioterapia, entre outros. O Hospital Araújo Jorge possui 159 leitos. Todo o tratamento é multidisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas.
O trabalho social voluntário na ACCG é de grande importância, principalmente se for levado em conta as condições econômicas da maior parcela dos pacientes. Muitos, vindos de longe, chegam ao hospital sem nenhuma reserva financeira e sem preparo emocional para enfrentar uma doença e o desconhecido. Hoje, cerca de 280 voluntários atuam no hospital em vários projetos.
Eduardo, o barbeiro improvisado, espera motivar outras pessoas a fazer o mesmo que ele, com igual comprometimento. "São muitos pedidos e às vezes não consigo atender. Às vezes, quando chego para atender, a pessoa já recebeu alta. Eu preciso fazer uma cirurgia e estou adiando", conta. De acordo com a demanda, novos voluntários são selecionados. Interessados devem procurar o hospital no telefone (62) 3243-7004.
"Não estou aqui apenas para cortar cabelos e fazer barbas"
Quando chega ao Araújo Jorge, Eduardo não tem pressa. Quase deslizando pelos corredores, vai parando nas enfermarias e quartos. Pergunta como estão todos, pacientes e acompanhantes, troca uma ideia, diz uma palavra de conforto para, finalmente, oferecer seus serviços. "Não estou aqui apenas para cortar cabelos e fazer barbas. Também converso. Eu gosto de fazer o bem". Desde 2014 em tratamento na unidade, o corretor de imóveis Paulo Bretas, 53 anos, reconhece. "Nas minhas internações sempre o encontro. O serviço que ele faz engrandece. É um alívio", comenta pouco antes de fazer a barba no leito. "Nem pagando fica tão bom", elogia o corretor de imóveis.
"Para nós é muito gratificante. Eu estava agora mesmo pensando se conseguiria cortar o cabelo da minha neta. Tinha acabado de falar com ela que podia aparecer alguém para dar um jeito", disse ao POPULAR a dona de casa Tereza Batista de Souza, de 60 anos. Avó de Rute, de 19, ela estava incomodada ao ver a neta de cabelo volumoso sofrer na cama com o calor da última segunda-feira. Portadora de uma doença neurológica, a jovem não se movimenta o que exigiu de Eduardo um cuidado maior. "Eu não sei fazer o corte, mas posso reduzir o volume, depois ela vai a um salão e resolve". Com a proposta aceita, o voluntário preparou a capa no leito, pediu ajuda para segurar a cabeça da jovem e logo Rute sorria agradecida.
Cortar cabelo de quem está prostrado, barbear um rosto operado são algumas das situações que Eduardo considera "desfavoráveis", mas não impossíveis. Para a vice-presidente da ACCG, o que torna a figura de Eduardo especial é a forma como ele moldou a atividade voluntária ao longo dos anos. "Ele é muito cuidadoso com os detalhes. Faz o trabalho com o coração aberto, sem nenhum tipo de preconceito. Muitas vezes o paciente possui curativo grande ou doença de cabeça e pescoço e ele sempre encontra um jeito de atender. E isso é de extrema importância para a autoestima do paciente", enfatiza Ângela.
O mecânico industrial Sebastião Gomes de Bessa, 60 anos, aproveitou a visita de Eduardo na segunda-feira (16), para fazer serviço completo. "Ele estava incomodado porque, mesmo que tenha raspado a cabeça, os pelos vão nascendo e caindo no travesseiro por causa da quimioterapia", contou sua mulher, Daniela Marques. Depois de raspar os finos pelos da barba e da cabeça, Sebastião, portador de um linfoma, constatou: "Dá um tchan! As pessoas não ficam pensando que a gente está largado".
Ali do lado, o auxiliar de serviços gerais Juracy Severino da Silva, 60 anos, morador de Mineiros, também não via a hora de melhorar sua aparência. Internado há quase 15 dias e fazendo a primeira quimioterapia para tratar de um câncer no intestino, ele contou que na semana anterior Eduardo já tinha cuidado dele. Barba feita, ele pediu uma oração e foi prontamente atendido. Depois, brincando, o voluntário saiu dizendo que naquela noite iria ganhar muito dinheiro. "Tem muito serviço me esperando".
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MIDIA NEWS
Psiquiatra: vida de ostentação nas redes contribui para depressão
Suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens, segundo dados da OMS; profissional faz alerta
Instagram, Facebook, ostentação, imagem perfeita, felicidade a todo custo, imediatismo. O estilo de vida conectado às redes sociais é uma das justificativas do aumento da taxa de suicídio entre jovens no Brasil. A constatação foi feita pelo psiquiatra Carlos Renato Periotto.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o índice de suicídio a cada 100 mil habitantes aumentou 7% no país. Conforme o relatório de 2016, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos.
Para o médico, o estilo de vida urbanizado e tecnológico tem contribuído para o desenvolvimento de doenças mentais como a depressão.
"O estilo de vida atual, mais urbanizado, está levando, do ponto de vista psicológico, às coisas mais impulsivas, mais imediatistas, mais midiáticas. Tudo envolve a mídia, a publicação, a ostentação no Facebook, a imagem, o que leva à privação de sono, a um estado crônico de estar cansado, fadigado, de você estar com cortisol elevado e ser mais propício a um quadro depressivo por estar sobrecarregado mentalmente", explicou Periotto.
O mês de setembro é marcado pela campanha de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. O psiquiatra afirma que a ação tem dado resultados, porém o estigma com as doenças mentais ainda é muito grande na sociedade brasileira.
"A campanha ajuda no sentido de a gente trazer o diálogo, a conversa, ficar mais próxima a conversa com as pessoas que precisam. Inclusive, representá-las diante da sociedade, porque elas se sentem muito injustiçadas de não serem reconhecidas pelo seu problema", revelou.
Em conversa com o MidiaNews , nesta semana, Carlos ainda disse que, com o Setembro Amarelo, mais pessoas têm procurado ajuda e a quantidade de profissionais também está aumentando.
"A psiquiatria voltou a se tornar uma especialidade de interesse dos médicos. Antes era algo deixado de lado, menosprezado, indiferente. Hoje, voltou a ganhar uma relevância até no próprio meio médico", afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – O tema suicídio sempre foi um tabu. Mas de uns tempos para cá, parece ter havido uma mudança de abordagem, com o incentivo para que as pessoas falem mais do tema. É isso mesmo? Falar é melhor do que se calar?
Carlos Renato Periotto – Sim. Antigamente, tinha-se o medo de que a mídia pudesse influenciar pessoas que estavam em estado depressivo, em momento difícil, com fantasias e pensamentos suicidas, como se a maneira como a narrativa de informação é veiculada pudesse de alguma maneira influenciar as pessoas. A gente começou a perceber que se essa narrativa for veiculada de uma maneira correta, dando informação, trazendo esperança, sem fazer sensacionalismo, sem romantizar a doença, sem romantizar o suicídio, ela traz informação para as pessoas que estão nesse momento difícil no sentido de procurar ajuda, procurar tratamento, de procurar resolver aquela situação, de usar a informação, de usar a mídia a favor do problema e não de criar mais sensacionalismo, de piorar mais o problema, de mexer mais na ferida, de criar mais estigma, de chamar mais atenção simplesmente por chamar. Esse é o problema. Então, [o problema] não é veicular informação sobre prevenção do suicídio, é veicular de maneira errada.
MidiaNews – Então o senhor acha que a imprensa tem um papel fundamental no processo de prevenção?
Carlos Renato Periotto – Com toda certeza. Tem o papel social de informar de maneira adequada as pessoas que estão passando por esse tipo de problema.
MidiaNews – O que provoca a depressão?
Carlos Renato Periotto – A depressão é uma doença multifatorial. A gente costuma falar que existem fatores biológicos interagindo com fatores ambientais, experiências de vida negativas, traumas precoces. Questões também da própria psicologia do indivíduo. Cada pessoa é um indivíduo, cada pessoa tem seu funcionamento individual, a sua psicologia. Há fatores biológicos. A personalidade e questões ambientais interagindo entre si ao longo do tempo justificam apresentar ou não um quadro depressivo, um estado mental depressivo. Do ponto de vista dos fatores biológicos, estão envolvidos os neurotransmissores. A gente imagina que a noradrenalina, a serotonina, seriam os principais neurotransmissores envolvidos com disfunção dos neurônios que regulam esses neurotransmissores gerando um estado mórbido patológico crônico.
MidiaNews – Do ponto de vista médico, o que acontece no cérebro de uma pessoa deprimida?
Carlos Renato Periotto – Basicamente, o cérebro da gente são células nervosas, os neurônios, que se comunicam de maneira eletroquímica. Na comunicação entre um neurônio e outro, existe um espaço microscópico chamado sinapse nervosa ou fenda sináptica e, nesse espaço, a gente tem a comunicação através de substâncias, neurotransmissores, e esses espaços estão de alguma maneira disfuncionais. Se eles se apresentam disfuncionais, desorganizados, nos quadros depressivos crônicos, nos quadros depressivos ansiosos crônicos, a gente usa medicações que conseguem atingir esses lugares e regular eletroquimicamente e melhorar o estado mórbido depressivo de apatia, desânimo, de falta de prazer pelas coisas, falta de prazer pela vida.
MidiaNews – Há mais de um tipo de tratamento possível para quem sofre de depressão? Quais?
Carlos Renato Periotto – O tratamento para depressão é multidisciplinar. Tem quadros leves, moderados e quadros graves. Pensando em quadros depressivos leves, a gente pode pensar em um bom estilo de vida, atividade física, terapia, meditação, hobbies. Uma pessoa que toma antidepressivos isoladamente e uma pessoa que toma antidepressivos e faz dança de salão, por exemplo: existem estudos demonstrando que a dança de salão, de maneira adjuvante, melhora a qualidade da vida da pessoa, traz mais prazer, recupera o humor da pessoa de maneira mais impactante do que só a medicação. Então, quadros depressivos leves a gente pode tratar com terapia, meditação, atividade física, um estilo de vida saudável.
Agora, quadros mais moderados a graves a medicação tem sua importância de maneira mais intensa. São pessoas que estão em um quadro depressivo tão intenso que a fala, a conversa, o diálogo, não surte tanto efeito, uma mudança do estilo de vida não é tão recuperador, não é tão recompensador, e aí as medicações são bem importantes. São ainda em estados mais biológicos que talvez essa circuitaria eletroquímica esteja mais prejudicada. A gente tem antidepressivos atuais como os inibidores seletivos de receptação de serotoninas, inibidores da noradrenalina e da serotonina, a gente tem os triciclos mais antigos, inclusive a eletroconvulsoterapia, que seria um tratamento dentro de um algoritmo para quadros depressivos.
Hoje, a gente tem uma grande novidade na psiquiatria que seria a medicação de mecanismo glutamatérgico, que é a quetamina. É uma grande descoberta nos últimos anos que, provavelmente, vai levar a uma nova classe de antidepressivos. A gente não tinha uma medicação específica que conseguisse modular os neurônios glutamatérgicos, que são os neurônios excitatórios do sistema nervoso central. E essa medicação consegue modular neuroquimicamente esses neurônios. É uma novidade, a gente nunca tinha feito isso, não se tinha tanto estudo para isso, mas nos últimos cinco a dez anos tem saído uma grande quantidade de artigos e é uma grande novidade. A gente acredita que vão ter novas moléculas de antidepressivos seguindo esse caminho.
MidiaNews – Quais são as características dos níveis dos quadros depressivos?
Carlos Renato Periotto – Em geral, a depressão se caracteriza por dois sintomas principais: tristeza na maior parte do tempo por mais de duas semanas ou anedonia, que é um termo técnico que se descreve aquela falta de prazer pela vida, a sensação de que nada mais dá prazer, que nada mais é recompensador. Então, a tristeza ou anedonia na maior parte do tempo associada a pelo menos outros três sintomas – como fadiga, desânimo, dificuldade, para dormir, concentração ruim, perda ou ganho de peso, alteração do apetite, da libido, pensamentos de culpa exagerada, pensamentos de querer morrer, de sumir, até o pensamento de suicídio recorrente – de maneira crônica, recorrente na maior parte do tempo, por mais de duas semanas, caracteriza um quadro depressivo. Seria esse o diagnóstico clínico da depressão.
A gente pode graduar a depressão em leve, moderada e grave. Na depressão unipolar, a gente tem depressão com características típicas ou com características atípicas. A gente tem a melancolia, a gente tem o despertar precoce ou antes do que gostaria, mais agitação psicomotora, angústia pela manhã. As características atípicas seriam pacientes que tem hipersonolência, hiperfagia, hiper-reatividade das emoções quando frustrados.
E a gente também tem a depressão bipolar, que faz parte de outra doença chamada transtorno afetivo bipolar, em que [o paciente] oscila polos de mania, que seria o termo técnico para o contrário da depressão, e a depressão. A depressão bipolar tem características possíveis mais orgânicas, do tipo alucinações, delírios, e pode ter quadros um pouco mais intensos. Os tratamentos desses dois tipos de depressão são diferentes. Na depressão unipolar a gente usa antidepressivos e na depressão bipolar a gente usa estabilizadores de humor. São essas as distinções dentro das classificações médicas dos quadros depressivos.
MidiaNews – Os casos de suicídios cresceram nos últimos anos?
Carlos Renato Periotto – Sim. A gente tem no Brasil uma percepção de que o suicídio não está diminuindo. A gente tem dados de 8 mil, 10 mil, 12 mil casos de suicídios nos últimos anos, entre 2016 e 2017, que são os dados que eu acompanhei. 2019 e 2018 estou sem os dados. Mas é uma média de 8 a 12 mil, sabendo que esses números são subnotificados, o número deve ser o dobro disso. Deve ser 20 mil, 30 mil [casos], de maneira real.
A gente tem percebido também que alguns estudos epidemiológicos demonstram que a depressão e ansiedade estão aumentando na população. A população tem apresentado mais quadros de depressão e ansiedade e buscado mais assistência. Se a gente não cuidar da população, se a gente não tratar a população, existe um risco maior da incidência do suicídio com toda certeza.
Existem duas populações que tem chamado mais atenção, onde aumentaram os índices de suicídio, que são os jovens e os idosos. Entre os jovens, de 2010 para cá, aumentou muito a incidência de suicídio e nos idosos também, que era algo que a gente não esperava.
São explicações multifatoriais: um estilo de vida mais urbanizado, mais conectado, de maior concorrência, de maior ostentação nas mídias sociais. Esse estilo de vida mais urbanizado está levando ao maior sedentarismo, maior ganho de peso, maior estado inflamatório, maior acúmulo no abdômen, mais síndrome metabólica, mais diabetes, mais dislipidemia, pressão alta e, consequentemente, mais quadros depressivos na população, mais ansiedade.
O estilo de vida conectado na internet, no smartphone, leva a maior privação do sono e, ao dormir menos, fica mais cansado, mais irritado, mais fadigado, com maior predisposição a ter quadros depressivos cronicamente. Tudo está influenciando. O estilo de vida atual, mais urbanizado, está levando, do ponto de vista psicológico, as pessoas a serem mais impulsivas, mais imediatistas, mais midiáticas.
Tudo envolve a mídia, a publicação, a ostentação no Facebook, a imagem, o que leva a uma privação de sono, que leva a um estado crônico de estar cansado, fadigado, de você estar com cortisol elevado e ser mais propício a um quadro depressivo por estar sobrecarregado mentalmente e você estar mais sedentário porque você está mais conectado também. Isso leva a um estado inflamatório maior, maior obesidade, de maior pressão alta, diabetes, levando você a ter um quadro de depressão por fatores biológicos mais fácil. Tudo isso deve ser um caldeirão de fatores concorrentes que está justificando esse aumento das taxas de suicídio.
MidiaNews – Como identificar que uma pessoa pode cometer o suicídio? Quais são os sinais que não devem ser ignorados?
Carlos Renato Periotto – A campanha do Setembro Amarelo quer passar uma mensagem muito simples de que o suicídio é possível de ser prevenido. Como a gente previne isso? 90% dos casos de suicídios estão associados a uma doença mental. Imagina que a gente possa pegar todos os casos de suicídio. Se a gente for avaliar eles pregressamente, 90% desses casos tem alguma doença mental. De trás para frente, nem todo deprimido vai se suicidar. Talvez a menor parte dos depressivos, 20% a 15% dos casos graves, infelizmente, vai cometer suicídio.
Nem todo deprimido se suicida, mas todo mundo que se suicidou tinha alguma doença mental na sua maioria. Se a gente cuidar dessas pessoas depressivas ou dessas pessoas ansiosas, dessas pessoas com problemas de uso de álcool com esquizofrenia ou transtorno afetivo bipolar, a gente vai conseguir, no final, diminuir o risco do desfecho comum a todas elas, que é o suicídio. A gente precisa quebrar o tabu, a gente precisa tratar essas pessoas como a gente trata pressão alta, como a gente trata diabetes. Essas pessoas precisam de assistência, de cuidado.
O suicídio ocorre em 90% das vezes por causa de alguma doença mental. As mais frequentes são os quadros afetivos, depressões unipolares, bipolares, a esquizofrenia, o abuso de substâncias psicoativas, predominantemente o álcool no Brasil. O uso abusivo de álcool leva a depressão, a impulsividade, que leva ao suicídio, quadros de transtorno de personalidade grave, pessoas que tem dificuldade de se adaptar à realidade, à vida social, pessoas inflexíveis, pessoas muito impulsivas, pessoas muito instáveis, que têm dificuldade de controlar as emoções, a própria raiva. Essas pessoas têm uma taxa maior de suicídio. Essas doenças são as mais frequentes nos pacientes que tentam suicídio.
Se a gente conseguir tratar essas pessoas, se a gente conseguir oferecer o devido tratamento, o devido apoio médico, psicológico, assistência social, todos que eles merecem, a gente vai conseguir prevenir o suicídio. Essa é a mensagem simples.
Como a gente identifica alguém que está em um quadro depressivo? É alguém que está diferente do habitual, é alguém que está mais triste, se isolando, mudou as roupas, mudou as vestes. Então, a pessoa tem alteração comportamental, ela está mais isolada, mais quieta, talvez se comunique pouco.
Um adulto jovem, por exemplo, a gente espera que ele consiga verbalizar as emoções, que ele tenha uma habilidade social de conseguir dizer o que está sentindo e de procurar ajuda. Uma pessoa que não tenha uma habilidade social tão desenvolvida ou a capacidade de expressar o que está sentindo, o que está pensando, talvez ela não fale, ela só tenha então uma alteração comportamental. Então, só é uma alteração observável, não verbalizada. Essa pessoa, provavelmente, vai ter uma mudança do seu comportamento habitual, vai ficar mais isolada, mais desanimada, mais fadigada. Ela para de querer fazer as coisas que dão prazer, ela tem uma alteração comportamental, igual um adolescente que não verbaliza tanto e começa a mudar o comportamento.
MidiaNews – Qual o peso do componente genético e de outros componentes nos casos de suicídio?
Carlos Renato Periotto – É muito individual. Eu não consigo medir o seu peso genético, qual a sua probabilidade de suicídio. Clinicamente, não tem como ter isso. Mas se eu pegar uma população de 20 suicidas e examinar e pesquisar o gene que transporta serotonina naquela população que se suicidou, eu consigo começar a ter uma ideia do componente genético na impulsividade do gene transportador de serotonina e como isso contribuindo para suicidalidade daquelas pessoas.
Mas do ponto de vista real da clínica, eu não meço a quantidade de transportador de serotonina. Não tenho nem laboratório, nem equipamento que faça isso. O componente genético existe, ele é sabidamente diário, a gente sabe que tem isso. A gente tem famílias que foram traçadas, que existiam suicídios de maneira frequente em cada geração e foi avaliado que naquela família existiam pessoas que tinham maior impulsividade mais traços de comportamento agressividade, de baixo controle da raiva. Elas tinham mais capacidade de agredir outros e agredir a si mesmo, e por isso que essas pessoas acabavam se suicidando com mais frequência ao longo das gerações. Foram avaliar e viram que essas pessoas tinham alteração no gene que faziam transporte da serotonina, daquele neurotransmissor. Ficou isso evidenciado na ciência.
MidiaNews – Os medicamentos de última geração são eficientes no combate à depressão?
Carlos Renato Periotto – Os antidepressivos são ótimas medicações, são eficazes, funcionam bem. Quanto mais grave o quadro depressivo, eles funcionam mais, eles dão mais contraste do antes e depois. Quanto mais grave, provavelmente, mais biológico a patologia do paciente, então, mais o funcionamento da medicação vai ajudar aquele paciente. Em 30% dos pacientes graves a gente tem uma refratariedade, que é aquela situação em que o paciente não responde de maneira adequada às medicações e aí a gente pode tentar a eletroconvulsoterapia.
A gente tem antidepressivos modernos que dão poucos efeitos colaterais, são muito seguros, podem usar por longos períodos como remédios para pressão alta e diabetes. É a mesma ideia que a gente tem que ter para pacientes crônicos como diabetes e pressão alta. Chegou um paciente com pressão alta, a gente vai dar um remédio para evitar que ele tenha pressão alta e ele não tenha um infarto aos 40, 50 anos. Esse infarto ele vai ter aos 70, 80 anos. É a mesma coisa. Se você tem uma depressão que se tornou crônica, ela tem 5, 10 anos, a gente trata, usa continuamente o remédio, que é bom, eficaz, seguro e não tem efeito colateral. Você fica bem se você responder a ele e é o que acontece na maioria das vezes e você pode usar pelo resto da vida. Funciona.
O tratamento para depressão tem, é muito bom. A gente tem que pensar que é igual tratar diabetes e pressão alta. Eu não sou cardiologista, mas eu fico com a fantasia de que quando chega um paciente lá, ele não fica questionando tanto o fato de tomar remédio. Eles já chegam com medo, eles têm muito medo da pressão alta, mas as pessoas não tem medo da depressão? É a mesma coisa, o tratamento é a mesma coisa. Isso sem contar toda a terapia. Hoje a gente um portfólio de terapia cognitiva comportamental, psicanalítico, gestalt, logoterapia. Hoje, a oportunidade de fazer terapia é muito mais fácil do que no passado, a quantidade de psicólogos é muito melhor. Eu acho que a gente só precisa organizar melhor a acessibilidade das pessoas ao serviço de saúde mental porque profissional tem, gente bem preparada tem.
Uma coisa é adjuvante da outra, nunca é excludente. A gente tem que botar na cabeça que é igual tratar pressão alta. Você chega aqui com pressão alta, eu falo que você vai ter que ter um estilo de vida saudável, você vai ter que fazer atividade física, vai ter que se alimentar bem, vai ter que dormir oito horas por noite, vai ter que cuidar do estresse. Se tem alguma coisa te incomodando você vai ter que tomar uma decisão, mudar seu estilo de vida, mudar de emprego para um em que você não fique tão estressado, resolver seus problemas para você ficar menos estressado e aí você vai ter que tomar o remédio da pressão. Aí, você volta daqui a 30 dias para ver como você ficou. Deixa eu te encaminhar para um educador físico para você fazer atividade física, deixa eu te encaminhar para um nutricionista para você melhorar sua alimentação. Você volta daqui a dois meses, você está se alimentando melhor com um nutricionista, que fez uma intervenção, você está fazendo atividade física com um educador físico.
Você falou: "Doutor, não consegui resolver nenhum dos meus problemas. Estou cheio de pepino. Estou tomando o seu remédio e melhorei a alimentação". Aí o cardiologista fala: "Vai nessa psicóloga que ela é boa e vai te ajudar". Você vai lá naquela psicóloga para você melhorar o seu estresse, para melhorar seus problemas e você volta no cardiologista menos estressado e a sua pressão está realmente controlada. Então, ele é um médico que mandou você tomar uma medicação para controlar a pressão e sugeriu um tratamento para você multiprofissional, com várias intervenções. É a mesma coisa, não tem nada diferente. Você chega aqui depressivo e eu vou falar: "Faça atividade física, tenha um estilo de vida saudável, procure uma psicóloga para lidar com seus problemas e tome a medicação. Volte daqui 30 dias para eu ir te avaliando e acompanhando". É a mesma coisa.
MidiaNews – O senhor acha importante a realização de campanhas como o Setembro Amarelo para alertar sobre a depressão?
Carlos Renato Periotto – Com certeza. O estigma, o preconceito, é muito grande ainda. A falta de conhecimento da área é muito grande. A campanha ajuda no sentido de a gente trazer o diálogo, a conversa, ficar mais próxima a conversa com as pessoas que precisam. Inclusive representa-las diante da sociedade porque elas se sentem muito injustiçadas de não serem reconhecidas pelo seu problema. A campanha do Setembro Amarelo é muito importante, com certeza, para ajudar os pacientes, informar, conscientizar.
Tem dado resultado tanto que, se você for procurar alguns números, a busca pelos médicos querendo fazer psiquiatria como especialidade médica tem aumentado nos últimos anos. A psiquiatria voltou a se tornar uma especialidade de interesse dos médicos. Antes, era algo deixado de lado, menosprezado, indiferente. Hoje, voltou a ganhar uma relevância até no próprio meio médico. Você vê mais gente fazendo psiquiatria, mais vagas de psiquiatria. Aqui em Cuiabá, quando eu cheguei em 2013, deviam ter 40 psiquiatras no Estado. Hoje, em 2019, tem o dobro, tem de 90 a 95 [profissionais]. Tem muita gente fazendo psiquiatria, procurando, o interesse aumentou. A concorrência, imagino que aumentou, desde a minha época.
MidiaNews – Como diferenciar uma tristeza profunda da depressão?
Carlos Renato Periotto – Depressão é uma tristeza prolongada. Muitas vezes é uma tristeza diferente, que o paciente percebe que é algo diferente, não é uma tristeza comum, alguns pacientes falam isso. Outra questão é o tempo. Muitos pacientes falam que é algo que vai passando e não vai melhorando, vai passando o tempo e vai piorando. Então, vai dando, 15, 20, 30 dias e ele vai se sentindo pior com o passar do tempo e não melhor. Outra coisa é o prejuízo ocupacional funcional. A pessoa vai se sentindo prejudicada para fazer as mesmas tarefas de antes. Ela não consegue se manter no trabalho, nas tarefas domésticas, porque aquilo se torna muito difícil. Ela diz que parece que tem subir uma montanha para vencer a dificuldade do fardo que é a depressão. Outra coisa é que muitas vezes não está associado com nada que está acontecendo, não tem um gatilho específico. Então, eu estou na minha rotina normal, está tudo bem aqui no consultório, está tudo bem na minha casa, não tem nenhum fato recente nessa semana, mas eu me sinto muito triste, depressivo, fadigado, cansado, não consigo nem ir para o consultório. Outra coisa é que você tem uma discordância entre o que está acontecendo com pessoa e no seu ambiente. Isso pode chamar a atenção da gente, de ver que tem algo acontecendo com aquele indivíduo. Isso demonstra que não é uma tristeza comum.
A tristeza comum é algo menos duradouro, é algo mais passageiro, costuma melhorar com o passar dos dias. Ela é muito reativa ao que está acontecendo no ambiente. Se aconteceu alguma coisa, você tem uma reação de tristeza. Ela dura por alguns dias e aquilo vai embora. Você, naturalmente, passa por aquilo, elabora aquilo, melhora com os dias, você volta a perceber o humor reativo em situações que te deixariam alegres e ela vai embora, não é duradoura. É algo que causa um abatimento leve, muito curto ao longo do tempo.
MidiaNews – Há ainda muita resistência por parte da sociedade em levar a sério as doenças mentais?
Carlos Renato Periotto – Com certeza. Há preconceito, falta de conhecimento, de entendimento. É uma especialidade muito bacana, a psiquiatria, porque é uma especialidade muito clínica. Não existem exames específicos para comprovar o que está acontecendo. Então, como não existem exames probatórios, de certa maneira, isso cai em descrédito. "Ah, mas você está falando isso da boca para fora, não tem nada que prove o que está acontecendo, que você está supondo". Então eu acho que a ignorância, esse descrédito por não haver um exame comprobatório específico, leva ao reforço dessa situação. Mas eu acho que isso está mudando. Eu acho que está tão frequente, está tão intenso, está ocorrendo tanto e está todo mundo passando por isso junto que eu acho que as pessoas estão valorizando e acreditando mais.
MidiaNews – Falta estrutura do Estado para ajudar no tratamento e no acolhimento de quem precisa de tratamento e não possui condições de pagar?
Carlos Renato Periotto – Eu acho que isso acontece não só no caso da psiquiatria, isso acontece em várias especialidades. Mas eu acho que sim, na psiquiatria isso ocorre de maneira mais intensa e descarada. A omissão do estado de Mato Grosso na saúde mental é muito grande. A gente não tem no PS 24 horas, a gente não tem um serviço organizado de psiquiatria, e isso [é feito] de maneira premeditada. A Rede de Atendimento Psicossocial (Rapsi) foi construída de uma maneira a adotar um modelo em que você não tem um suporte adequado para as pessoas. A quantidade de pessoas procurando não é suportada pela quantidade de profissionais e fica do mesmo, não evolui, não muda.
Se você for comparar com outros estados aqui do lado, se a gente for olhar Mato Grosso do Sul, Campo Grande tem o Nosso Lar, que é privado e SUS, tem Acarandá, que é privado, a gente tem o Hospital Regional, que é público, e tem pelo menos dois ou três Caps, que são unidades de Centro de Atendimento Psicossocial que funcionam com regime de plantão, com equipes treinadas para receber caso de surto psicótico. Você tem duas em uma cidade de 500 a 800 mil habitantes. A gente tem um porte equivalente, mas por que a gente não tem nada disso?
Em Goiânia, tem Pax Clínica, tem duas ou três clínicas públicas do SUS. Em São Paulo, tem um monte de clínica para atendimento, não dá conta também, mas tem. Aqui não tem nenhuma. A gente vai ter em Rondonópolis o Hospital Paulo de Tarso, que é uma unidade do SUS, que parece que está sendo reformada, que está tendo investimento, parece que está mudando isso. Mas o que a gente tem hoje é resultado de dez anos atrás. Parece que, de maneira premeditada, foi se sucateando, deixando de lado, para deixar acabar de maneira premeditada para que não tivesse.
MidiaNews – Diante desse quadro, pode-se dizer que há um descaso em relação à saúde mental em Mato Grosso?
Carlos Renato Periotto – O que eu estou falando é a minha opinião pessoal. Essa é a minha sensação aqui dentro do consultório. Eu não sei se é isso, eu não posso afirmar que é isso. Esse descaso com a saúde mental, a gente vê no Brasil inteiro. Infelizmente, parece que a psiquiatria é uma especialidade deixada um pouco de lado. Ela não é valorizada, por exemplo, como a cardiologia, como a oncologia, que a gente tem um hospital de oncologia aqui. A gente não tem um hospital especializado em psiquiatria, então parece que é uma especialidade deixada de lado.
O resultado de hoje é o resultado das políticas públicas dos últimos dez anos. A gente não vê um serviço bem organizado, bem estruturado, para receber a quantidade de pessoas que estão necessitadas de atendimento. Eu não sei te dizer a razão pela qual aconteceu, quem é responsável por isso. Mas parece que sim, infelizmente, sim. A gente não tem uma estruturação equivalente de estados ao entorno. Eu não sei se é descaso. Não é correto afirmar isso, é leviano. Eu não conheço a história, eu não estava presente. Mas por que a gente não tem uma estrutura equivalente, no mínimo, ao estado do lado? A gente está um pouco atrás dos outros estados, é meio deixado de lado, sim.
MidiaNews – O que precisa ser melhorado no Estado, quando falamos do tratamento na rede pública?
Carlos Renato Periotto – Eu acho que a gente não precisa inventar a roda. A gente tem que copiar os exemplos de sucesso no país. Em São Paulo ,tem bons exemplos de sucesso. Você tem o Instituto de Psiquiatria da USP. Parece que você está passeando em um shopping, é tudo muito bem organizado. Os pacientes que estão lá tem um atendimento de primeiro mundo.
O Centro de Atendimento Integrado de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo também parece ser uma boa referência. São serviços bem organizados, são muito bem estruturados, bem administrados. A gente precisa ter alguma coisa nesse sentido, não precisa ser daquela dimensão, mas que tivesse pelo menos dois serviços, um que o Estado administrasse e um que o Município administrasse, mas que fossem pequenos, de tamanhão reduzido. Mas pelo menos o paciente teria duas oportunidades de ter acesso mais fácil. Ele teria mais acesso ao serviço e isso ajudaria mais pessoas.
No Centro de Atendimento Integrado da Santa Casa de São Paulo você tem tudo no mesmo lugar. Você tem um espaço onde você tem consultórios de consultas eletivas, ambulatoriais, você tem a enfermaria para pacientes crônicos, você tem uma enfermaria para pacientes agudos, de no máximo 30 dias, você tem uma eletroconvulsoterapia para você fazer nos pacientes internados ou para pacientes ambulatoriais, você tem salas para terapias de grupo. Terapia individual também é oferecido ali, tem farmácia para dispensação de medicações de alto custo para os próprios pacientes que pedem medicação ali, tem enfermarias para populações diferenciadas, psicogeriatria, psiquiatria infantil, psiquiatria da mulher, dependentes químicos, tem ambulatórios especializados por patologias. Você tem um regime de internação intermediário entre a consulta eletiva e a internação integral, que a gente chama de hospital dia, onde a pessoa passa o dia internada, mas volta para casa para dormir, para tomar medicação, e no outro dia volta para fazer as atividades do hospital dia, que seria o equivalente ao que a gente tem aqui no Caps. No mesmo lugar você tem todas as complexidades para atender todos os tipos de populações. É um centro que você pode oferecer assistência, você pode fazer pesquisa, você pode fazer ensino. Eu acho que isso aqui seria muito bom. Não precisa ser só um modelo hospitalar de internação. Você pode ter tudo.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação