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DESTAQUES
Governo faz nova revisão de normas de segurança no trabalho
Orçamento 2020 da saúde depende de emendas para chegar ao valor mínimo
Drauzio Varella: 'Os médicos não gostam de trabalhar em cadeias'
Conheça os riscos da harmonização facial feita por dentistas
Anvisa deve legalizar uso de maconha em tratamento de saúde
Justiça proíbe Policlínica São Luiz de fazer propaganda de médicos especialistas sem registro profissional
ESTADÃO
Governo faz nova revisão de normas de segurança no trabalho
Regras que serão publicadas no 'Diário Oficial’ da União focam em higiene e conforto nos locais de trabalho
BRASÍLIA – O governo fará nesta terça-feira, 24, uma nova rodada de simplificação em normas de segurança e saúde no trabalho, conhecidas como NRs, com o objetivo de reduzir as exigências às empresas. O Estadão/Broadcast apurou que portarias da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que serão publicadas no Diário Oficial da União, focarão desta vez higiene e conforto nos locais de trabalho, fiscalização e penalidades, e embargo e interdição.
As alterações na NR 24 trazem uma série de mudanças nas exigências feitas hoje às empresas para as condições de higiene e conforto dos trabalhadores.
A normal atual, por exemplo, traz uma série de detalhamentos como o tipo de tinta a ser usada nas paredes de banheiros e alojamentos, o material das janelas, e inclusive a obrigatoriedade do uso de lâmpadas incandescentes. As regras eram tantas que possibilitavam, segundo o governo, a aplicação de 40 multas diferentes em apenas um banheiro.
Entre as principais alterações na nova NR 24 está o dimensionamento das estruturas — banheiros, vestiários, refeitórios — com base no número de trabalhadores por turno, e não mais conforme todo o contingente de empregados. Além disso, estabelecimentos com até dez funcionários poderão ter apenas um banheiro individual, para uso comum de todos os sexos.
As mudanças também permitem que as regras sobre essas instalações possam ser atendidas coletivamente por um grupo de empregadores ou condomínio. A nova regra também deixa mais claras as ocasiões em que se exige a existência de chuveiros nos locais de trabalho, além de revisar as regras sobre uso de armários e sobre os turnos para a tomada de refeições.
Já as alterações na NR 28 eliminam, segundo o governo, redundâncias e itens considerados supérfluos na fiscalização. A quantidade multas possíveis foi reduzida de 6,8 mil para cerca de 4 mil.
Além disso, as alterações na NR 3, que trata de embargos e interdições, reforçam que essas ações são medidas emergenciais que deve ser adotadas apenas em casos de risco de acidente ou doença graves relacionadas ao trabalh
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FOLHA ONLINE
Orçamento 2020 da saúde depende de emendas para chegar ao valor mínimo
O governo federal conta com recursos que dependem do aval do Congresso para aplicar o mínimo constitucional na área de saúde em 2020. O projeto de Orçamento do próximo ano reservou R$ 122,9 bilhões para ações e serviços públicos de saúde, conhecidos como ASPS.
Nesse total, estão previstos R$ 8,1 bilhões de emendas parlamentares -dinheiro que deputados e senadores destinam a suas bases eleitorais. Sem essa parcela, os gastos com saúde em 2020 não alcançam o mínimo a ser aplicado na área, estimado em R$ 121,2 bilhões pela consultoria de Orçamento da Câmara.
Na prática, para cumprir o piso constitucional o governo precisará negociar com o Congresso a liberação das emendas, pois não há uma regra que obrigue os parlamentares a transferirem o valor à saúde.
Dos R$ 8,1 bilhões, R$ 3,3 bilhões são referentes a emendas de bancada. A alocação desses recursos é decidida por parlamentares de cada estado e também não há uma cota reservada para saúde, como acontece com as emendas individuais.
"Uma parte do orçamento da saúde leva mais em conta critérios definidos pelos parlamentares do que aquilo que as áreas técnicas do governo têm planejado, inclusive junto com estados e municípios. Isso preocupa bastante", afirma o economista Francisco Funcia, da comissão intersetorial de orçamento e financiamento do CNS (Conselho Nacional de Saúde), instância do SUS (Sistema Único de Saúde).
O piso previsto na Constituição parte da concepção de que a saúde é direito de todo cidadão e é dever do Estado. Desde 2018, esse mínimo é calculado com base no valor aplicado no ano anterior, corrigido pela inflação do período.
Para Funcia, a limitação, estipulada por emenda constitucional, provoca uma redução do financiamento da saúde. "Estão retirando recursos de algo que é insuficiente. Compromete bastante o atendimento das necessidades de saúde."
O orçamento da pasta para 2020 prevê cortes em algumas ações de saúde. Para compra e distribuição de vacinas, houve redução de quase R$ 400 milhões nos valores para o próximo ano, de R$ 5,3 bilhões para R$ 4,9 bilhões. Desse total, R$ 1,44 bilhão viriam via crédito suplementar, sujeito à aprovação do Congresso.
Outras ações também estão com o orçamento integral condicionado ao aval do Congresso. Dos R$ 13,5 milhões do orçamento para o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde, R$ 3,9 milhões estão travados.
O fortalecimento do sistema nacional de vigilância em saúde tem R$ 81,24 milhões dos R$ 288,5 milhões dependentes do Congresso. Parlamentares já se mobilizam para tentar direcionar recursos via emendas. Presidente da Frente Parlamentar da Saúde, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) disse que vai tentar destinar o dinheiro principalmente para o atendimento básico e procedimentos de média e alta complexidade.
Para 2019, Zanotto conseguiu que emendas de Santa Catarina fossem para saúde. Ela reconhece, no entanto, que atualmente há pressão para que o dinheiro seja usado em obras de infraestrutura, como rodovias.
"Na saúde, além do [efeito do] envelhecimento da população, a inflação é sempre maior. Por isso, precisamos melhorar a gestão e brigar por mais recursos, ou a gente não vai conseguir atender à população", defendeu a deputada.
Mesmo com a previsão de R$ 8,1 bilhões de emendas parlamentares, o Orçamento de 2020 para a saúde tem a menor margem (R$ 1,7 bilhão) em relação ao piso constitucional desde 2014, quando foram gastos R$ 300 milhões acima do mínimo.
Ex-ministro da Saúde no governo de Michel Temer, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) disse que a equipe do presidente Jair Bolsonaro precisa tornar a máquina pública mais eficiente. "O governo tem uma crise fiscal muito grande. Se os ministérios não diminuírem a estrutura, não tem chance de dar certo".
É a mesma avaliação do deputado dr. Frederico (Patriota-MG), que defende corte nos custos administrativos para aumentar o fôlego para investimento na área. "Dificilmente vai ter um aumento de aporte de recurso. E a gente não tem saída, a única saída que a gente tem é melhorar mecanismo de gestão".
Para ele, há espaço para cortar na estrutura administrativa de hospitais. "Às vezes, há salários de diretores que não são compatíveis com a função que ele está realizando. E a gente tem realmente como realizar esses cortes", afirmou. "Tem que entender que o cobertor é curto e não dá para ficar esperando mais recursos do governo, porque a gente não tem como sugerir um aumento de impostos."
Funcia, da comissão do CNS, faz críticas às diretrizes econômicas do governo. Na avaliação dele, o aperto financeiro impede que a economia e a receita cresçam. "Temos percebido que muitas áreas técnicas do Ministério da Saúde têm manifestado que há falta de recursos e expressado preocupação com o impacto disso no atendimento da saúde à população", diz. "Pelo que vemos no noticiário, o Ministério da Economia não demonstra sensibilidade em relação a essas questões."
O economista defende o controle de despesas pelo governo federal, mas acrescenta que "não é possível achar que o tiro para combater a crise fiscal vai ser somente cortando despesa."
Procurado, o Ministério da Saúde disse que o orçamento de 2020 é realista, pois, em 2019, recebeu R$ 7 bilhões em emendas parlamentares. Lembrou ainda que o projeto agora está nas mãos do Legislativo, que poderá alocar ou não mais recursos para a saúde, considerando a disponibilidade financeira para 2020.
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O GLOBO
Drauzio Varella: 'Os médicos não gostam de trabalhar em cadeias'
SÃO PAULO – O problema da superlotação dos presídios brasileiros divide espaço com dramas relacionados à falta de médicos nas cadeias do país. É o que afirma o oncologista Drauzio Varella, reconhecido por seu trabalho com presos desde a época em que atuou como médico no Carandiru. Para ele, um dos maiores gargalos nas penitenciárias é o desinteresse dos profissionais de saúde em atender a população carcerária: "Primeiro, os salários são baixos, nada atrativos. Segundo, ninguém quer trabalhar no meio de presos. As pessoas têm medo, receio de serem usadas como reféns num levante qualquer". Drauzio, no entanto, trabalha na contramão dos demais profissionais. Atualmente, atende voluntariamente mulheres encarceradas em São Paulo. "Esse medo que o médico tem de entrar nesse ambiente é infundado porque os presos nunca vão agredir alguém que está lá para cuidar deles", diz. Durante entrevista ao GLOBO, Drauzio também fez críticas ao sistema de saúde penitenciário. "Se já não é fácil organizar a saúde para quem está em liberdade, imagina nessas condições, quando há celas que têm 30 pessoas com problemas sérios de disseminação de doenças infecciosas?", questiona.
O Jornal O Globo produziu uma série documental sobre a situação do sistema prisional brasileiro, passando por assuntos como a superlotação carcerária, a violência dentro dos presídios, a solidão das mulheres, entre outros temas.
Como é a sua história de trabalho nos presídios, principalmente no Carandiru?
Eu cheguei ao Carandiru em 1989 para fazer um estudo sobre HIV. Testamos 1.492 presos e encontramos 17,3% com HIV positivo. Depois, testamos os resultados contra vírus da hepatite C. Havia 60% positivos porque naquela época se usava muita droga na veia. A droga da moda era cocaína injetável. Íamos uma vez por semana para atender os doentes e eu fazia palestras de esclarecimento sobre a Aids, de 1989 até 2002, quando a cadeia foi desativada. Depois, passei a fazer o atendimento na penitenciária do estado de São Paulo, que fica atrás do Carandiru. Fiquei três anos porque ela acabou sendo desativada para ser transformada em cadeia feminina. Em 2006, quando houve aquela coisa de o PCC colocar fogo na cidade, o pessoal me pediu pra ir pra feminina porque estava muito complicada a situação lá. Não tinha médico nenhum.
Especial: Violência encarcerada
O que o senhor viu no Carandiru?
As cadeias mudam com o tempo. O Carandiru é muito diferente das cadeias de hoje, não há nenhuma comparação. A situação era muito dramática porque havia entre 7 e 8 mil homens, às vezes mais. As celas do pavilhão quatro, por exemplo, eram individuais, mas nos pavilhões cinco e oito as celas eram coletivas. Tinha muito problema de saúde, especialmente problemas de pele. Estávamos em uma fase em que a Aids se disseminava fortemente na periferia das cidades através da cocaína injetável, e eu peguei o impacto inteiro da epidemia lá. São Paulo era o epicentro da epidemia brasileira. O Carandiru era o lugar para onde convergiam essas pessoas. Desenvolviam a doença na prisão, ou às vezes já vinham doentes da rua mesmo em fase final de evolução. Os médicos daquela época não conheciam a doença. Tinha uma enfermaria de Aids que eu coordenava, na medida do possível porque o trabalho sempre foi voluntário. Uma vez por semana eu ia ao Carandiru.
O pior: Rio tem a pior situação de saúde entre todos os estados no sistema prisional
Quando temos um caso de risco de morte, precisamos levar para um pronto-atendimento. Como leva? Precisa de procedimento de escolta, pois por lei não pode levar um preso para fora sem escolta. A gente leva muitas horas até conseguir uma escolta
O senhor diz que muito mudou de lá para cá. Seria em relação à saúde? Ao tratamento de presos?
Acho que há vários fatores. O massacre foi um divisor de águas, porque a partir dele o estado perdeu o controle da cadeia. Havia várias facções, mas os funcionários eram muito hábeis em não deixar nenhuma facção sobrepujar as outras, a estabelecer o controle geral. E, depois do massacre, o estado perdeu o controle completamente. Começaram a surgir as facções que ganharam hegemonia do controle do sistema penitenciário. Do ponto de vista da saúde, não houve muita diferença porque sempre foi muito difícil. O estado nunca conseguiu organizar o sistema de saúde. Primeiro, porque não é fácil, especialmente nessas cadeias superlotadas. Se já não é fácil organizar a saúde fora, de quem está em liberdade, imagina nessas condições, quando há celas que têm 20, 30 pessoas com problemas sérios de disseminação de doenças infecciosas. E não tem médicos, simplesmente porque eles não gostam de trabalhar em cadeia. Não querem ter esse tipo de trabalho. Nós temos vários CDPs (Centro de Detenção Provisória) aqui em São Paulo e não tem médico nenhum. É zero. Imagina pelo Brasil afora? Quando temos um caso agudo, de alguém passando muito mal ou correndo risco de morte, precisamos levar para um pronto-atendimento fora da cadeia. Como leva? Precisa de procedimento de escolta, pois por lei não pode levar um preso para fora da cadeia sem escolta. A gente leva muitas horas até conseguir uma escolta. É sempre precária. Sempre tivemos dificuldade em organizar o sistema de saúde dentro das cadeias. Primeiro pela falta de médicos, porque abre-se concurso e ninguém comparece. Segundo pela dificuldade mesmo de transporte dos doentes para hospitais especializados.
Descaso: Falta de higiene e de assistência são responsáveis por 61% das mortes no sistema penitenciário
E só fazem o transporte em caso de vida ou morte?
Não, às vezes conseguem organizar, quando é possível planejar. Se há tempo, conseguimos levar o doente para fazer um exame e ser atendido, mas é muito difícil. Se eu peço um exame na quarta-feira, ele só vai fazer na segunda. Agenda dentro da cadeia, autoriza o transporte, e chega na hora não tem escolta. Perde tudo. Até agendar de novo começa todo o processo. A cadeia é uma demonstração mais clara de que a ênfase na saúde tem que ser na atenção primária. Tem de evitar que as pessoas fiquem doentes. Se ficarem doentes, evitar que elas fiquem gravemente enfermas. Eu atendo na penitenciária feminina e resolvo 95% dos casos porque organizo, vejo uma hipertensão ou diabetes, problema de pele, ou um simples problema ginecológico que nem precisa passar por médico, resolve-se na atenção primária. Fica um pequeno número de casos que são mais complexos para serem encaminhadas a hospitais. O problema é que não conseguem organizar o serviço médico dentro da cadeia por causa das dificuldades já citadas.
Quais são as doenças mais frequentes nos presídios?
No estado de São Paulo, as doenças das mulheres são mais simples. Geralmente, quando elas são presas, ficam sozinhas, completamente abandonadas pela família, pelo marido, namorado, ou por quem quer que seja. É quase uma regra. A dieta é baseada em carboidratos. É uma comida cansativa. Tem as quentinhas, que elas acabam enjoando. E o que fazem, então? Tomam grande quantidade de refrigerante, ninguém bebe água ou suco. Acabam comendo biscoitos e chocolates. São sempre alimentos altamente calóricos. Elas engordam e ficam sedentárias. 60% das mulheres na cadeia feminina trabalham, mas é um trabalho sedentário. E aí vem o pacote da obesidade, que é pressão alta, diabetes, problemas articulares, o joelho que dói porque está muito pesada. Dores na coluna quase todas têm, e cefaleia também é muito frequente.
Nas cadeias masculinas há muitos problemas de pele, especialmente por causa das celas muito apinhadas de gente. Em geral, têm no mínimo o dobro de pessoas que caberiam na cela
Nas penitenciárias masculinas, o perfil da doença é diferente?
É muito diferente. Nas cadeias masculinas há muitos problemas de pele, especialmente por causa das celas muito apinhadas de gente. Em geral, têm no mínimo o dobro de pessoas que caberiam na cela. E há problemas pulmonares com frequência porque ficam uns em cima dos outros. O preso com pneumonia está respirando encostado nos companheiros. Tuberculose, por exemplo, é terrível. Perdi vários doentes com tuberculose, especialmente porque muitos tinham Aids também. No Carandiru, tivemos uma epidemia de tuberculose. Tivemos um grande número de tuberculose resistente, que é uma tuberculose muito perigosa porque é transmitida da mesma forma e não consegue-se trata-la com medicamentos de rotina.
É possível definir as doenças que mais matam dentro dos presídios?
No presídio feminino, posso dizer com segurança que são as doenças degenerativas. É gente que enfarta e que tem acidente vascular cerebral. São doenças relacionadas à hipertensão arterial, obesidade e diabetes. Esses casos acontecem, em geral, em mulheres que têm acima de 50. Em cadeias masculinas, são mais as doenças infecciosas, embora haja entre os mais velhos doenças degenerativas.
A presença de médicos nos presídios brasileiros é um impasse, como o senhor mesmo disse. O que ocorre?
Primeiro, os salários são baixos, não são atrativos. Segundo, ninguém quer trabalhar no meio de preso. As pessoas não querem, têm medo, têm medo de serem sequestradas, de serem usadas como reféns num levante qualquer. Essas pessoas fantasiam muito, acham que é uma coisa muito perigosa, que podem ser sequestradas ou mortas. Isso é fantasia, não acontece jamais. Nesses 30 anos, se eu disser que passei algum perigo é mentira minha. Entro na cadeia e fico totalmente sossegado, tenho mais medo na rua. Na cadeia, sei que não vai acontecer. Esse medo que o médico tem de entrar nesse ambiente é infundado porque os presos nunca vão agredir alguém que está lá para cuidar da saúde deles. Mesmo que um tenha essa ideia maluca, ele não faz porque fica com medo dos companheiros.
Como é o acesso a medicamentos dentro dos presídios?
A gente luta com os mesmos problemas de todo mundo que depende das compras do estado. Teoricamente, tem uma cesta básica de medicamentos, os mais comuns. E o certo é fazer isso mesmo, pois não tem que tem que ter medicamentos sofisticados em uma farmácia esperando que um dia alguém precise. Quando surge um caso especial, o estado tem mecanismos e pode efetuar a compra do medicamento especificamente para aquele caso. Tem um princípio geral da organização que está certo. O problema é que às vezes tem falta dos medicamentos inclusive dessa cesta básica. Se falta dipirona, um medicamento baratíssimo, não deveria faltar. No estado não é assim: se falta, corre na farmácia e compra. Tem que ter licitação. O esquema é muito complicado. Tem que ser muito bem organizado para funcionar, e é essa organização que falta.
Há estudos que mostram uma incidência altíssima de depressão, de pânico e de vários transtornos psiquiátricos ligados à ansiedade e ações suicidas. Na penitenciária feminina, onde estou há 13 anos, ao menos meia dúzia de meninas se suicidaram
De que forma a superlotação e a situação precária dos presídios afetam a saúde física e mental dos presos?
A saúde mental é afetada diretamente. Você está andando na rua, liberdade total, faz o que quer, pega ônibus, metrô, vai passear, anda cinco quilômetros a pé, e de repente está trancado em uma cela? É um impacto muito grande. Há estudos que mostram uma incidência altíssima de depressão, de síndrome do pânico e de vários transtornos psiquiátricos ligados à ansiedade e ações suicidas. Na penitenciária feminina, onde estou há 13 anos, ao menos meia dúzia de meninas se suicidaram dentro da cadeia, e não há uma estrutura psiquiátrica para poder dar esse atendimento. Temos um psiquiatra para 2.200 mulheres. Como é possível uma coisa dessa? E os transtornos psiquiátricos nessa população tem uma prevalência maior do que na população geral, porque você lida com todo tipo de gente ali.
Como deveria ser feito esse acompanhamento psicológico? Principalmente tendo em vista que um dia essas pessoas voltarão a ter liberdade?
A sociedade não se interessa por esse aspecto, é muito obtusa nesse tipo de raciocínio. Querem que você pegue uma pessoa que está cometendo um crime e ponha na cadeia. O que vai ser feito lá ninguém está interessado. Nós vimos um candidato à presidência da República dizer se não tiver lugar, eu empilho. Vai empilhar para sempre? Prisão perpétua para todos? Vão ficar lá empilhados definitivamente? Eles saem, voltam para as ruas e esse é o problema todo. No Cadeião de Pinheiros, cabem 15 deitados, mas nenhuma cela tem menos do que 30. Então chega um menino de 19 anos, bobão, e o lugar cheio daqueles homens. Ele acha que vai morrer naquele lugar. O cara que diz que não tem medo numa situação dessas é mentiroso, todo mundo fica com medo. Aparece alguém que apresenta o comando, porque tem um custo de vida na cadeia. O estado não te dá sabonete, toalha, cueca, tênis. Você passa a ter tudo isso garantido pelo grupo. Sua família passa a receber uma cesta básica mensal. Se está preso no interior, pode usar um dos ônibus que eles fretam disfarçadamente para levar a família para visitar, pois as passagens custam R$ 300 e nenhuma família pode cobrir essas despesas. Eles passam a fazer parte de um grupo e passam a contar com a proteção desse grupo. Mas aí venderam a alma para o diabo.
É lógico, ele volta para a rua. E quando volta, agrava o problema. Ele chegou bobinho na cadeia, ladrãozinho, sem experiência nenhuma. E sai mais esperto, com conexões no mundo do crime
A não existência de uma situação que garanta integridade e recuperação dos presos faz com que tudo seja agravado?
É lógico, ele volta para a rua. E quando volta, agrava o problema. Ele chegou bobinho na cadeia, ladrãozinho, sem experiência nenhuma. E sai mais esperto, com conexões no mundo do crime. Saem com condição de galgar na hierarquia do tráfico, por exemplo. Nós não sabemos fazer diferente. Sabemos prender. Eu também não sei qual a solução. Sei que essa solução é a mesma da época medieval. Você prende, mas a cadeia não reduz a violência urbana. Quando cheguei no Carandiru, em 1989, havia no Brasil 90 mil presos. Grande parte das cidades era tranquilíssima. Hoje, nós temos cerca de 720 mil presos, o que quer dizer que hoje prendemos oito vezes mais. Essa coisa da impunidade, de que o Brasil não prende, não é verdade. E nesses 30 anos em que prendemos oito vezes mais melhorou a segurança nas cidade brasileiras? Só piorou. A conclusão imediata é que vamos prender quem está cometendo um crime, mas não vamos ter a ilusão de que com isso a gente vá conseguir ter segurança andando nas ruas, justamente porque quando saem voltam para o crime. As nossas cadeias não oferecem uma oportunidade de socialização. Pegam o cara, jogam lá dentro e tá acabado. Não tem uma possibilidade de mudança de vida.
Não é uma situação resolutiva…
Não resolve e não tem perspectiva de solução. Não dá para ter um país com essa desigualdade social e querer andar em paz nas ruas. É ilusão. Com essa meninada na periferia das cidades brasileira, sem nenhuma perspectiva, chance ou futuro pela frente. Não dá. O que você quer que aconteça?
Como é a situação nas solitárias, em relação a riscos para a saúde dos presos?
Acho que teve uma evolução, está um pouco melhor. Eu peguei uma época em que tinham celas de castigo, onde iam colocando os presos independente de quantos estivessem de castigo. Se há um número finito de celas e um número crescente de pessoas cometendo delitos dentro da cadeia, aquilo vai lotando de gente. Antigamente era muito pior, havia mais pessoas e tinha que fazer rodízio para dormir, pois eram 25 pessoas em uma cela. Um terço deitava, dormia e os outros ficavam em pé, encostados uns nos outros. Depois rodava. E só tinha um banheiro dentro da cela. Podiam urinar, mas esvaziar o intestino só duas vezes por semana. A fisiologia tinha que se adaptar ao regime da cadeia. Imagina passar dezesseis horas do dia em pé sem fazer barulho porque os outros estavam dormindo? Coisa medieval. O cara ficava trancado no escuro 10, 30 dias. Você vai causando nas pessoas os piores sentimentos, não traz nada de bom que porventura ela tenha. Castiga, castiga, castiga e depois vai ter que conviver com isso nas ruas.
O senhor falou bastante sobre a solidão nos presídios femininos, que as mulheres recebem poucas visitas, são abandonadas. O que acontece?
A diferença é brutal. No Cadeião de Pinheiros, sexta-feira à tarde, já tem aquela fila de mulheres que levam barracas, ficam esperando para entrarem cedo no pátio. Um homem preso tem sempre uma mulher que vai visitar, seja a esposa, a namorada, o vizinho, a prima, a tia, a irmã, a mãe. A mulher vai para a cadeia e…esquece. Ninguém vai visitar, são abandonadas. Muitas vezes, sou obrigado a perguntar se elas recebem visita porque quero saber se poderiam comprar um remédio fora, um remédio que esteja faltando. De dez, sete não recebem visitas. Das 2.200 mulheres oitenta recebem visitas íntimas. E essas mulheres tinham maridos e namorados na rua. Oitenta é ninguém, praticamente. É uma solidão total e provoca modificações no comportamento, adaptativas para essa situação. É uma pessoa na rua que tinha uma vida social e de repente é jogada em uma cela e fica sem ter ninguém. Todos se afastam. Quando a mulher vai para a cadeia tem uma pecha moral em cima dela. A sociedade se comporta assim: Se ela trafica, sabe-se lá o que ela faz além de traficar. Tem uma conotação sexual envolvida. Ninguém pergunta para o ladrão como é a vida sexual dele. Já com a mulher, tem sempre essa conotação, é uma manifestação do preconceito da sociedade. Acho que é isso que envergonha as famílias. O cara vai pra cadeia, não ficou sozinho esse tempo todo, sempre foi visto por alguém, e isso facilita o seu retorno para a sociedade. No caso das mulheres, perde-se os vínculos. Não tem mais amigos, a família se afastou. O homem vai preso e sabe que alguém vai cuidar dos filhos. Uma mulher presa sabe que ninguém vai cuidar como ela, mesmo que ela seja uma mulher de vida complicada e use drogas, ninguém vai sentir aquele amor. Essa mulher está na cadeia com a cabeça pensando nos filhos. É um martírio.
E quanto o senhor acha que a lei de assistência médica está se distanciando da lei de execuções penais?
Está muito distante. Nem sei se pode se distanciar mais. Não consegue-se organizar um sistema de saúde dentro da cadeia. É uma situação muito difícil, pois não tem enfermagem dentro da cadeia, não tem médicos em número suficiente. Como vai organizar um sistema de saúde sem pessoal? E com todas as dificuldades administrativas que o estado tem é tudo complicado, não tem verba. É muito difícil. Uma cadeia não tem vocação para ser um centro de saúde. A vocação da cadeia é prender e deixar a pessoa presa. O sistema foi feito para privar a pessoa de liberdade, não feito para dar atendimento médico. Não foi pensado para dar atendimento médico. Como você chama os presos e as presas? O nome oficial é reeducandos, na papelada jurídica. Para não chamar de detento, de presidiário. Mas, na verdade, estamos reeducando quem nesse sistema? É até irônico. (Com Fernanda Pontes)
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BANDNEWS
Conheça os riscos da harmonização facial feita por dentistas
Um alerta para os riscos dos procedimentos de harmonização facial realizados por odontólogos deixou o Brasil espantado na última semana. Em reportagem, o programa Bom Dia Brasil mostrou o drama de duas mulheres jovens que, atraídas por promessas de alguns profissionais não-médicos, aceitaram se submeter a tratamentos que deixaram sequelas profundas em seus rostos.
Essas histórias emolduraram uma denúncia feita pela SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), preocupada com os riscos à saúde da população. O dermatologista Egon Baxbacher, diretor da SBD, afirmou que esses procedimentos estéticos invasivos devem e só podem ser realizados por médicos, com respaldo da Lei do Ato Médico. Segundo relatou, é necessário conhecimento aprofundado sobre pele e tecidos, pois preenchimentos faciais são atos com riscos possíveis.
Você dermatologista está ultrapassando camadas da pele até a gordura, chegando até próximo do osso, injetando algum tipo de substância que não é própria do organismo´, afirmou Daxbacher, que destacou, ainda, o fato de que se houver alguma intercorrência, é o médico que terá condições de agir em situação de emergência, garantindo a vida do paciente.
Efeitos colaterais – Nos procedimentos apresentados pelo Bom Dia Brasil, as pacientes, que atualmente buscam sua recuperação com a ajuda de dermatologistas, fizeram aplicações com ácido hialurônico, um gel que ameniza a perda de volume da pele. O resultado foram efeitos colaterais graves: uma delas sofreu uma necrose no nariz e a outra ficou com rosto deformado.
Não é adequado achar que é um procedimento simples e que pode ser feito em qualquer lugar. É importante fazer em ambiente seguro, em um consultório médico, e de preferência com um profissional completamente habilitado para fazer o procedimento´, afirmou André Maranhão, médico da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), também ouvido pela reportagem.
O presidente da SBD, Sergio Palma, espera que o alerta ajude a esclarecer a população sobre os riscos aos quais muitos se submetem. Na avaliação do profissional, com promessas de resultados e ofertas de valores baixos, alguns profissionais arrebanham interessados em fazer procedimentos estéticos.
O problema é que essas pessoas não têm conhecimento e nem capacitação para diagnosticar e manejar as complicações graves que estes procedimentos estéticos invasivos podem acarretar, como necroses, cicatrizes, embolia e infecções´, pontua. Segundo ele, os dermatologistas passam por um treinamento que pode levar até nove anos para ser concluído. Não é um curso de fim de semana ou de poucos dias que vai substituir esse preparo. Além disso, algumas complicações necessitam de atendimento médico de urgência, diagnóstico imediato e tratamento com medicações injetáveis´, ressaltou.
Justiça Além da denúncia na imprensa, a SBD, juntamente com o CFM (Conselho Federal de Medicina), a AMB (Associação Médica Brasileira) e a SBCP, também está atuando no campo jurídico contra os abusos cometidos, em especial por parte dos dentistas.
Em fevereiro, as entidades protocolaram na Justiça Federal uma ação civil pública contra o CFO (Conselho Federal de Odontologia) que, contrariando a legislação, editou Resolução para os profissionais de sua área, autorizando-os a realizarem procedimentos de caráter invasivo e estético que são exclusivos dos médicos.
Diante dos excessos administrativos e dos riscos inerentes, as entidades médicas pediram à Justiça Federal a concessão de liminar com a suspensão imediata da Resolução nº 198/2019, do CFO, com informe da decisão à população por meio de publicação no Diário Oficial da União e informes no site do Conselho Federal de Odontologia e junto à imprensa.
Em 29 de janeiro, a Resolução nº 198/2019, do CFO, reconheceu a harmonização orofacial como especialidade odontológica, permitindo aos dentistas o uso da toxina botulínica e de preenchedores faciais na região orofacial e em áreas anexas, bem como a realização de procedimentos com vistas a harmonizar os terços superior, médio e inferior da face´.
No entendimento da SBD e das outras entidades médicas, essa é mais uma tentativa de ampliar irregularmente o escopo de atuação de dentistas, invadindo a esfera de atuação exclusiva dos médicos, segundo disposições expressas da Lei do Ato Médico (nº 12.842/2013), o que pode causar um prejuízo considerável à saúde da população a longo prazo e aumento de custo no atendimento destas complicações no SUS (Sistema Único de Saúde).
Infelizmente, há categorias profissionais da área da saúde que tentam extrapolar suas atribuições e praticar atos exclusivos aos médicos, com o intuito de se beneficiarem da demanda da sociedade por procedimentos estéticos. No entanto, ignoram o potencial risco de causar sérios danos irreversíveis aos pacientes ou até a morte, como já vimos recentemente no Brasil´, afirmou o presidente da SBD, Sérgio Palma.
Abusos Na ação civil pública, as entidades descrevem o abuso praticado pelo CFO, inclusive ressaltando a impossibilidade de alteração de escopo de atuação profissional por decisão administrativa e sem respaldo da legislação que regula a atividade. A Resolução CFO n. 198/2019 destoa expressamente da Lei nº 5081/66, que estabelece os limites de atuação dos dentistas, com consequente desvirtuamento completo da atuação desses profissionais, trazendo prejuízo à saúde da população como um todo.
De acordo com a Lei dos Dentistas, em nenhum momento (salvo autópsia/necrópsia) se permite a realização de atos na face, pescoço e cabeça, tampouco se outorga ao cirurgião dentista a prática de atos invasivos em tais partes do corpo, já que tais atos são praticados exclusivamente por médicos, na forma da Lei n. 12.842/2013, pois demandam perícia profissional e possuem potencial de complicações clínicas.
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O DIA
Anvisa deve legalizar uso de maconha em tratamento de saúde
Decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária será comunicada em breve. No entanto, o anúncio oficial ainda é tratado como segredo de estado em Brasília
A Anvisa está em uma sinuca de bico. Explica-se: Nos últimos dois meses, a Anvisa organizou diversas audiências públicas no país para saber a opinião da sociedade sobre a liberação do plantio de Cannabis Sativa em solo brasileiro e sobre a regulamentação da fabricação nacional de produtos e medicamentos à base da planta. Foram ouvidas milhares de pessoas, de associações de pacientes e indústrias de medicamentos de Cannabis, a corporações médicas e de farmacêuticos, além, evidentemente, de parlamentares e do próprio governo. Em meio às discussões, "ficou transparente o preconceito, a desinformação e as preocupações políticas que o tema envolve", afirma o médico oncologista Leandro Ramires, presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis (AMA-ME).
Avaliações à parte, de acordo com os participantes, os debates foram ricos em conteúdo. Ao longo de 60 dias, destrincharam-se informações técnicas e comprovações científicas de que a maconha para uso medicinal não é um bicho de sete cabeças. Na verdade, ela é a única alternativa para dar conforto à pacientes de muitas enfermidades. Nos encontros, ficou muito evidente também segundo Ramires que o Brasil precisa se posicionar sobre o tema, afinal em mais de 40 nações no mundo a planta é liberada para uso medicinal. Na América do Sul, o Brasil é o único país que ainda não caminha nesta direção. "Conseguimos alguns avanços, como a liberação da importação de remédios à base da planta. Mas a importação de remédios não é a única saída", diz Ramires. "Queremos plantar, cultivar, colher, fabricar e distribuir nossos próprios medicamentos", defende.
Médico oncologista do Hospital das Clínicas da UFMG, Ramires tem um filho com epilepsia refratária e é usuário de um remédio à base da Cannabis. "Cheguei fazer tráfico internacional para tratar meu filho Benício com o óleo da maconha", afirma. "Meu filho, que já teve 60 surtos num dia e se internou 48 vezes, 14 delas em UTI", lembra, "hoje, Benício vive uma vida tranquila, diante das possibilidades de uma criança autista. "Há cinco anos, ele não se interna", relata o médico. Foi a batalha com filho que levou o médico a se dedicar a causa da liberação dos tratamentos terapêuticos com produtos à base de Cannabis. "A questão da maconha não pode ser só tratada como caso de polícia, mas de saúde pública", afirma. "A questão é política. Vamos ver o que vai dar", diz, meio que reticente, Ramires.
A dúvida do médico é, também, a de cerca de dez mil brasileiros que hoje têm autorização da Anvisa para importar medicamentos à base da Cannabis. Devido ao altos custos dos medicamentos importados, como o Canabidiol, o pacientes têm a esperança da agencia de emitir um sinal verde para produzirem de forma associativa seus próprios medicamentos. O problema é que a Anvisa tem sofrido uma pressão gigante por parte do governo federal, leia-se ministro da Cidadania, Osmar Terra, para proibir geral o plantio da Cannabis em solo brasileiro e a regulamentação dos medicamentos à base da planta.
Num arroubo retórico, ele chegou a ameaçar fechar a agência se a mesma liberar o plantio da maconha para fins medicinais e científicos no país. "Somos contra a legalização da maconha, e o que a Anvisa está fazendo é o primeiro passo para legalizar a maconha no Brasil", bradou o ministro. Para Terra, uma alternativa seria a produção sintética dos medicamentos. "Todos os produtos podem ser feitos sinteticamente. Senão tem que plantar folha de coca no Brasil para ter lidocaína, vai ter que plantar papoula para ter morfina, e não tem sentido isso aí", disse o ministro. Não existe qualquer pesquisa, autorização para comercialização ou regulamentação de produtos sintéticos de Cannabis no Brasil, afirma a Anvisa.
Em meio à verborragia de Terra, querendo ou não o ministro, a Anvisa irá liberar a maconha para fins medicinais. Sabe-se que até agora uma das dezenas de indicações terapêuticas, a epilepsia refratária, será contemplada pelas novas normas de regularização. No entanto, a tímida resolução divide a opinião de técnicos da Anvisa, que defendiam uma liberação menos conservadora. "Não estamos resolvendo em nada o problema que nos foi colocado pela sociedade", afirma à ISTOÉ, um dos 11 representantes do Conselho Consultivo da agência, que pede anonimato. "A regulamentação que o corpo técnico da Anvisa, que nos assessora, queria era para dar mais segurança jurídica e sanitária aos pacientes e familiares ampliando o uso e possibilitando o plantio, colheita e distribuição ds produtos aqui no Brasil. Não fizemos isso", afirma o conselheiro.
A tomada de decisão da cúpula da agência de somente dar aval a importação dos remédios com Canabidiol e contrário ao plantio e cultivo da Cannabis para fins de pesquisa e produção de medicamentos vai de encontro ao parecer do Ministério da Saúde. Elaborado no último mês de agosto, o documento, alega o Ministério, é fruto de da revisão de estudos ligados a casos de uso de derivados da cannabis para "doenças debilitantes graves ou com ameaças à vida e sem alternativa terapêutica" feitos pela secretaria de ciência e tecnologia da pasta e de consulta a organizações da área de saúde, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Conselho Federal de Farmácia (CFF). A resolução da cúpula da Anvisa de autorizar a regulamentação apenas para o registro do Canabidiol (CBD) criou um clima de mal-estar geral no corpo técnico da agência. Nas consultas públicas e nas revisões de estudos científicos ficou evidente os benefícios do Tetraidrocanabidiol (THC), outro cabidinoide existente na maconha, esse com potencial psicoativo, no tratamento de outras doenças.
Devido as pressões internas do corpo técnico da agência, a decisão da liberação pode ser um pouco mais ampla em referência a regulamentação dos medicamentos. A justificativa do corpo técnico da Anvisa, para cobrar da cúpula da agência, um posicionamento menos político e mais técnico, é que, atualmente, o Brasil já tem um medicamento registrado à base de maconha, o Mevatyl. Composto de THC e CBD, o remédio é indicado para o tratamento de espasmos musculares nos casos de esclerose múltipla. Na verdade, desde 2015, a Anvisa autoriza a importação de óleos e outros produtos à base de maconha para pacientes de autismo, dores crônicas, Parkinson e para alguns tipos de câncer. Atualmente, dez mil pessoas têm autorização para importar o produto. O grande problema da importação é o alto custo do remédio que, no mínimo, custa em média R$ 1,5 mil, um frasco de 30 ml. Há quem precise de três frascos ao mês. Em função do preço altíssimo do medicamento importado, cerca de 70 famílias no país têm autorização judicial para o cultivo e fabricação do óleo na própria residência, cujo custo do frasco sai a 50 reais.
As associações de pacientes já preparam centenas de ações judiciais para interpelar a agência na justiça sobre a decisão de somente regulamentar o remédio para uma única enfermidade, sendo que ela, hoje, já autoriza para outra tantas doenças. Ainda não se consolidou totalmente as outras decisões que serão comunicadas junto à liberação da maconha para uso medicinal. Para tentar amenizar as críticas e "jogar para torcida", espera-se que a Anvisa vá aprovar o plantio para produção de medicamentos e pesquisa. Porém, com exigências tão absurdas de segurança e sanitárias que as associações não serão capazes de atender.
Desde 2006, no entanto, a lei 11.343 prevê a possibilidade de que a União autorize o plantio, o cultura e a colheita "para fins medicinais e de pesquisas em locais e prazo predeterminados e mediante fiscalização". Ao certo, será a primeira tentativa da agência em regular o tema. Não era sem tempo. Na verdade, vive-se nos país uma situação contraditória em relação ao uso medicinal da maconha, entende o advogado Ricardo Nemer. "A Anvisa libera regulamenta o registro de medicamentos importados sendo que nós brasileiros, que temos a expertise da fabricação do mesmo produto quese de forma clandestina, não podemos fabricá-los", diz Nemer. "Trata-se de uma hipocrisia", afirma ele, que representa a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma).
Outra força política que pode ampliar a decisão da Anvisa de só liberar para registro o Canabidiol são as pressões das indústrias do mercado farmacêutico de cannabis. Esse grupo tem "acampado" no Planalto Central em busca de uma regulação que atenda o mundo dos negócios. O mercado de maconha medicinal é um dos segmentos que mais cresce no mundo, com taxa de 22% ao ano. Segundo estudo da consultoria New Frontier Data , especializada em análises de negócios da indústria da cannabis medicinal, com a regularização do setor no Brasil as empresas movimentarão cerca de 5 bilhões de dólares, nos próximos três anos. Ao fim e ao cabo, será um grande negócio.
Os dirigentes das organizações de pacientes não vêem com bons olhos essa euforia do mercado. "Corre-se o risco que o aval da Anvisa ao cultivo seja restrito apenas as grandes empresas do setor, que vai manter os preços caros dos tratamentos", avalia Cidinha Carvalho, presidente da Associação de Cannabis e Saúde (CULTIVE), em São Paulo. Mãe de Clárian, uma adolescente que tem Síndrome de Dravet, Celinha é uma das 70 pessoas no Brasil que têm autorização judicial para cultivar e fabricar o próprio óleo de cannabis para o tratamento de saúde da filha. Ela conta que, hoje, um frasco de canabidiol no mercado custa em média R$ 1.500 e a fabricação artesanal do mesmo óleo, como o produzido por ela e o marido, chegam a gastar 50 reais. "O grande desafio e a democratização total da maconha medicinal. Não quero criar grandes expectativas em relação à Anvisa", avalia. Ao cabo, ela tem razão em relação ao sentimento de desânimo. Entre as propostas que estão sendo analisadas pela Anvisa sobre a regularização dos medicamentos, os brasileiros pacientes de doenças graves só poderão importar os produtos à base do canabidiol. "Importar não é a saída", dispara Celinha.
A médica neuro oncológica Paula Dall'Setlla, diretora cientifica da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis (AMA-ME), entende que boa parte da população ainda não tem conhecimento do que está acontecendo. "Estamos diante de uma nova era da Cannabis e teremos que educar médicos, jovens e idosos para explicar os benefícios da maconha no organismo", avalia. "É uma revolução na medicina que vem de 10 mil anos e só agora estamos vivenciando. O Brasil não pode ficar para trás nessa corrida e deixar milhões de pessoas sofrendo com dores, surtos e ataques sendo que existe um super remédio", finaliza. Com a palavra a Anvisa
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CLICK PB
Justiça proíbe Policlínica São Luiz de fazer propaganda de médicos especialistas sem registro profissional
Policlínica da Capital deve se abster de contratar médicos sem registro de especialidade no CRM
A Justiça da Paraíba proibiu nesta segunda-feira (24) que a Policlínica São Luiz faça propaganda de profissionais que não possuam devido registro em órgão profissional e de manter especialistas que não tenham o Registro de Qualificação de Especialistas (RQE), na respectiva especialidade, perante o Conselho Regional de Medicina (CRM/PB).
A decisão foi do juiz Kéops de Vasconcelos, da 15ª Vara Cível da Capital, que deferiu tutela antecipada nos autos da Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público estadual, para determinar as abstenções ao Hospital São Luiz (Policlínica São Luiz), sob pena de multa de R$ 50 mil.
Em caso de descumprimento de qualquer uma das determinações, será aplicada uma multa diária de R$ 1.000,00 até o limite de R$ 300 mil, nos termos do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Segundo os autos, conforme o que foi apurado em inquérito civil instaurado pelo MP, o Hospital São Luiz vem prestando seus serviços com as mais diversas irregularidades, tais como a atuação de médicos denominados de especialistas sem registro de especialidade junto ao CRM e publicidade enganosa de especialidades médicas. A direção do hospital se recusou a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para sanar as irregularidades.
Ao decidir sobre o caso, o juiz Kéops de Vasconcelos destacou a importância de o médico dispor do RQE na especialidade em que irá atuar. "O Registro de Qualificação de Especialista foi criado pelo Conselho Regional de Medicina e tem a função de deixar explícito quando um profissional da saúde é especialista em alguma área. Tal exigência está prevista na Resolução CFM 1974/2011", explicou.
No tocante à vedação de anúncio de especialidades médicas de profissionais não registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM), o magistrado observou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é explícito ao dispor que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
"De fato, a atividade médica impõe uma gravíssima responsabilidade, pois lida com a saúde, o bem-estar e a vida das pessoas. Não se pode confiar tais bens imateriais a profissionais não devidamente capacitados, sob pena de sério risco à incolumidade pública. O registro no CRM da especialidade médica é exigência que não se pode descurar, pois é a garantia de que o profissional médico tem preparo para atuar na referida especialidade", ressaltou o juiz.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação