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Verba de combate à Covid-19 é questionada pelo TCU
Critérios de distribuição e destinação dos recursos são os principais pontos de controvérsia; prefeitos também estão insatisfeitos com a divisão
A forma de distribuição de R$ 13,8 bilhões em recursos da União para Estados e municípios combaterem o coronavírus tem sido alvo de questionamentos de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e organizações como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Os critérios de distribuição e a destinação dos recursos são apontados como principais pontos de controvérsia. Juristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo divergem quanto à clareza da Portaria 1.666, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no início do mês.
A distribuição é questionada por prefeitos. "Os recursos disponibilizados pela União são insuficientes", disse o secretário executivo da FNP, Gilberto Perre. "Os critérios utilizados para distribuição não estão claros e os prefeitos pediram esclarecimentos a respeito da partilha. Chama a atenção o fato de que as cidades que mais concentram casos e respondem pelos atendimentos mais onerosos tenham recebido valores per capita bastante inferiores à média nacional, na Portaria 1.666. Por exemplo, as cidades acima de 1 milhão receberam R$ 34,61 per capita e as cidades até 10 mil receberam R$ 89,94."
O TCU deu 15 dias para que a Saúde mostre a "lógica de financiamento" dos fundos estaduais e municipais, e como definiu a estratégia de compras durante a pandemia, apresentando documentos sobre logística e distribuição de insumos.
A Portaria 1.666 prevê que os recursos serão destinados ao "custeio das ações e serviços de saúde para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, podendo abranger a atenção primária e especializada, a vigilância em saúde, a assistência farmacêutica, a aquisição de suprimentos, insumos e produtos hospitalares, o custeio do procedimento de tratamento de infecção pelo novo coronavírus".
"Tais gastos podem ser confundidos ou misturados por conveniência às demais verbas orçamentárias previstas em orçamento público (Lei Orçamentária Anual)", disse a advogada constitucionalista Vera Chemin, mestre em Direito Público Administrativo pela FGV. "As expressões 'atenção primária' e 'atenção especializada' têm uma abrangência aberta e vaga. Tudo pode acontecer no dia a dia sem um efetivo controle da execução dos gastos, podendo, sem sombra de dúvida, serem direcionados para outras rubricas de caráter supérfluo e com pretensões eleitoreiras, uma vez que estamos próximos de uma eleição municipal."
Já para a ex-juíza federal Cecilia Mello e para o especialista em Direito Administrativo Marcus Vinicius Macedo Pessanha, a portaria é clara. "Embora possa aparentar certa generalidade, que em tese daria margem a eventual uso indevido desses valores por entes da Federação, há uma finalidade expressa e específica para o uso desses valores, o enfrentamento da pandemia", afirmou Cecília.
Segundo Pessanha, "todas a contratações que venham a ser realizadas com estes recursos e não estejam vinculadas ao combate ao novo coronavírus, na verdade, configuram utilização irregular e gestão temerária do erário, ensejando aplicação de sanções aos gestores públicos responsáveis".
Estratégia
Ao Estadão, o senador Major Olimpio (PSL-SP) acusou o governo de propor a parlamentares que indicassem onde parte do dinheiro da Portaria 1.666 seria alocada. "O parlamentar distribuiu o dinheiro para as bases dele. Ele não combinou com o vírus. Onde era necessário pôr o recurso? Onde está morrendo gente. Se era o dinheiro para o enfrentamento da Covid-19 não seriam os infectologistas, os médicos que deveriam definir onde o dinheiro é mais necessário? Em vez disso, é a planilha do senador que vale."
Ele afirmou que o dinheiro foi distribuído pelo governo federal para pelo menos 50 senadores e 200 deputados a fim de garantir a construção de uma base de apoio. "Me ofereceram R$ 30 milhões. Dinheiro da Covid-19." Segundo Olimpio, a oferta foi feita por um representante do governo e cada colega recebeu R$ 30 milhões em emendas.
Em relatório emitido na semana passada, o TCU diz que o Ministério da Saúde gastou só cerca de 30% do dinheiro prometido para enfrentar a Covid-19 de março a junho. A equipe técnica do órgão não conseguiu identificar a estratégia de compras, logística, distribuição de insumos, além de desconhecer "critérios para transferência de recursos" da pasta.
O Ministério da Saúde afirmou que, entre os critérios para a distribuição dos R$ 13,8 bilhões liberados para municípios, estão o tamanho da população (priorizando municípios com menos habitantes) e a média de recursos transferidos para atenção hospitalar e atenção básica em 2019. Para os Estados, segundo a pasta, também foi considerado o número de leitos de UTI, a taxa de incidência de Covid-19 por 100 mil habitantes e a infraestrutura e capacidade logística para recebimento de ventiladores.
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Por baixo da máscara
SAUDE Problemas como a "mascne"e irritações na pele têm sido causadas pelo uso dos acessórios de proteção facial
A massoterapeuta Mirtes Arantes, de 26 anos, passa cerca de 11 horas por dia com a máscara de proteção no rosto por causa do seu trabalho, que exige contato direto com os clientes. Como possui pele oleosa, o surgimento de algumas espinhas sempre foi algo natural para ela. Desde que iniciou o uso contínuo do acessório de proteção, no entanto, o aparecimento aumentou. "Acho que todo mundo tem uma espinha de vez em quando, assim como eu, mas elas começaram a aparecer mais que o normal. De uns dois meses para cá, não consigo mais controlar", diz.
Além do aumento no número, Mirtes percebe que o aspecto tem sido diferente. "Elas nunca secam e ficam sempre com o aspecto de vermelhidão e irritação", explica. Por causa da região em que as espinhas têm surgido, ela logo associou ao uso da máscara facial. "Não sei se tem alguma coisa a ver com o tecido da máscara, mas pretendo me consultar em breve com um dermatologista", completa.
O caso da massoterapeuta é o mesmo de muitas pessoas que têm realizado o uso contínuo das máscaras de proteção nos últimos meses, uma das medidas para evitar a transmissão do novo coronavírus e item obrigatório em grande parte das cidades brasileiras. Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, o uso por tempo prolongado pode causar ou agravar problemas como dermatite de contato e seborreica, ressecamento e a própria acne.
Esse tipo de acne ganhou até um termo específico: "mascne", tradução para o português de "maskne", como vem sendo chamada em outros países. "O novo termo é a junção de mask (máscara em inglês) com acne, que nada mais é do que um tipo de acne mecânica, ou seja, causada pelo atrito, obstrução e consequente inflamação dos folículos nessa região", explica a dermatologista Marília Prego Guimarães. Nos últimos meses, os casos agravantes pelo uso frequente da máscara têm aparecido cada vez mais em seu consultório.
Agora parte da rotina da população, o atrito das máscaras com o rosto passou a desenvolver um maior grau de sensibilidade e irritação. "Isso está agravando doenças pré-existentes como dermatite atópica, seborreica, rosácea e a acne", diz a dermatologista. Os casos têm sido mais frequentes principalmente nos profissionais que estão na linha de frente contra a Covid-19, pelos longos períodos utilizando os equipamentos de proteção individual.
O quadro pode ser de aumento repentino de acne ou, até mesmo, o aparecimento em quem não tenha sofrido com a acne antes. Esses sinais no rosto, especialmente no queixo e nas bochechas, se devem pelo ambiente abafado criado pela máscara. "Devido ao ambiente úmido e oclusivo que a máscara propicia, uma vez que ocorre acúmulo de vapor, saliva e suor por baixo dela. Como consequência, ocorre um desequilíbio na barreira cutânea e na microbiota da pele (flora de bactérias), tornando-a mais sensível e inflamada", explica a especialista.
Coceiras, alteração da cor, ressecamento excessivo e surgimento de espinhas são alguns dos sintomas de que o acessório está ocasionando problemas no rosto. "O quadro pode ser ainda mais agravado pelo uso de maquiagens, principalmente para pessoas que têm pele oleosa e com tendência à acne, por causar uma obstrução ainda maior dos folículos pilosebáceos", destaca a dermatologista.
Tempo seco acende o alerta
A pele está entre as principais vítimas dos períodos de baixa umidade do ar. Os cuidados com a hidratação devem ser redobrados e começam na ingestão adequada de líquidos. "Como as pessoas estão ficando mais em casa, podem acabar se descuidando. É fundamental beber bastante água, se alimentar bem, praticar atividades físicas e, principalmente, ter momentos de lazer. O estresse também repercute na pele", afirma a dermatologista Juliana Araújo.
O uso de hidratantes específicos para cada região e tipo de pele deve ser diário e reforçado ao longo do dia. "Nesse período tão seco no nosso Estado, é preciso aplicar até mais vezes por dia devido ao atrito da máscara com o rosto, que acaba retirando o produto da pele", recomenda a especialista. Os lábios também precisam de hidratantes próprios para a região, que podem demonstrar maior ressecamento e rachaduras após um longo período usando o acessório de proteção.
Sobre os tipos de tecidos que podem diminuir os casos, Juliana acredita ser uma questão individual. Cada tipo de pele pode reagir de uma maneira diferente a um tecido, sendo necessária a observação diária. Além da acne mecânica, casos frequentes de dermatite e eczema têm chegado ao seu consultório ultimamente. "Tudo acaba girando em torno de limpeza adequada e hidratação, que ajuda a pessoa a se livrar de irritações e quadros agudos de certas doenças de pele", afirma. Aos primeiros sinais aparentes, ela recomenda a procura por um profissional.
Cuidados para o período seco
Nos meses de umidade baixa, o corpo pede atenção especial. Confira algumas dicas elaboradas pela dermatologista Juliana Araújo para amenizar os efeitos do uso da máscara nesse período
Pele sempre limpa
Antes de colocar a máscara a pele deve estar limpa e seca. O recomendado é fazer a limpeza do rosto duas vezes por dia. Para quem apresenta acne, é preciso lavar com sabonete específico para não aumentar a oleosidade e o surgimento de espinhas. Não esquecer do filtro solar, mesmo com o uso da máscara!
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BR POLÍTICO
A omissão do Conselho Federal de Medicina
Diante de estudos cada vez mais conclusivos a respeito da ineficácia e dos riscos do tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina para casos leves e moderados de covid-19, chama a atenção o absoluto silêncio do Conselho Federal de Medicina a respeito do protocolo assinado pelo ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, recomendando a adoção desses medicamentos nas fases iniciais do tratamento de pessoas infectadas com o novo coronavírus.
O protocolo foi uma imposição de Jair Bolsonaro recusada por dois ministros da Saúde médicos, Luiz Mandetta e Nelson Teich. Foi assinado pelo general Pazuello mesmo depois de o STF modificar medida provisória de Bolsonaro que isentava agentes públicos de responsabilidade judicial por medidas adotadas na pandemia. Pela decisão do Supremo, medidas que contrariem recomendações de autoridades sanitárias, médicas e científicas podem, sim, ser passíveis de responsabilização.
Em entrevista depois de deixar o cargo, Mandetta chegou a revelar que Bolsonaro pressionou o Ministério da Saúde para que fossem feitas alterações na bula dos remédios para incluir a prescrição para o novo coronavírus, quando não existe nenhuma evidência científica confiável e nenhum país do mundo adotou essa decisão de prescrever em bula.
O protocolo da cloroquina foi editado em 20 de maio. Diz que os medicamentos podem ser usados desde as fases iniciais, mesmo para pacientes com sintomas leves, desde que haja prescrição médica e que o paciente assine um termo de consentimento.
Antes disso o CFM havia se manifestado em março e abril recomendando a médicos a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina em casos excepcionais, e fazendo as mesmas ressalvas do protocolo. Nunca falara em uso para casos iniciais e leves, e desde a edição da nova orientação do Ministério da Saúde, a entidade não voltou a se pronunciar.
O site da principal entidade profissional médica do País não traz dados sobre a pandemia, estudos ou recomendações. Sua manchete neste sábado é a respeito de revalidação de diplomas obtidos no exterior. Médicos de todo o País, bem como gestores de Saúde dos Estados e municípios, criticam a omissão do CFM em relação à política bolsonarista de incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada para uma pandemia que já matou quase 90 mil pessoas no Brasil.
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DAQUI
Paciente esperou 30 horas por leito
Moradora de Varjão, Idelma Aparecida da Mota, de 51 anos, morreu na madrugada do dia 17 de julho depois de enfrentar a falta de informação, o medo, uma espera de quase 30 horas por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e uma fila de ambulâncias para ser transportada para um hospital de Goiânia, a cerca de 100 quilômetros.
Filha de um lavrador e de uma dona de casa, Idelma cresceu na cidade, que tem menos de 5 mil habitantes. Desde jovem, enfrentou problemas de saúde: anemia falciforme, psoríase e trombose. Há três anos, amputou o braço direito, acima do cotovelo, por conta de complicações médicas. Na época, chegou a ficar internada dois meses e, desde então, adquiriu o medo de ser hospitalizada novamente.
Foi esse medo que a levou a se negar a ser internada, mesmo com indicação do médico da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Varjão, após alegar dor no peito e febre. "Ela morria de medo de ser entubada, tinha trauma de hospital. Mas, de um dia para o outro, a pessoa decai e piorou rápido", diz a irmã, a técnica de enfermagem, Angela Aparecida.
Somado a esse medo de ser internada, Idelma e outras pessoas que convivia não respeitavam isolamento social e até desacreditaram da gravidade da doença. "Cidade do interior todo mundo é conhecido. Pessoal pensava que a doença não ia chegar. Ela mesma falava que "não existe, que a doença estava lá no exterior e não vai chegar em Varjão". Eu falava: "Idelma, tem que usar máscara, mas ela não obedecia"". Apesar da saúde debilitada e raramente sair de casa, Idelma recebia visitas constantes.
ISOLADA
De acordo com a família, Idelma procurou o hospital no dia 9 de julho. Ela voltou para casa e passou muito mal no final de semana, piorando o quadro respiratório. Na segunda, dia 13, uma ambulância a buscou e a moradora de Varjão foi internada em um o leito isolado da UBS. Enquanto perdia sua capacidade de respirar, Idelma se comunicava com os parentes, pelo celular. "Ela falava que estava com muita falta de ar", relata Angela. Na terça-feira, dia 14, o exame sorológico (teste rápido) para Covid-19 deu positivo. Na quarta-feira, 15, às 11h29, a equipe médica entrou com um pedido de leito de UTI de um hospital estadual. A vaga saiu no dia seguinte, às 16h50, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia. Uma espera de quase 30 horas.
Resoluções de 2014 do Conselho Federal de Medicina orientam que um paciente deve ficar internado no máximo 24 horas em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), espaço que tem mais estrutura que uma UBS, onde Idelma estava.
Ministério Público teve de ser acionado
"Não tenho nada que reclamar (sobre fila da UTI), saiu rápido", diz a secretária municipal de Saúde de Varjão, Cristiane Kelen da Silva. Ela acredita que a "rapidez" foi porque acionou o Ministério Público de Goiás (MP-GO). A Secretaria Municipal de Saúde chegou a procurar
o MP-GO quando se deparou com a paciente que se negava a ser internada. Ela assinou um termo de responsabilidade quando optou voltar para casa.
O promotor que recebeu a demanda chegou a fazer um pedido de internação compulsória e o Judiciário determinou que o município transportasse a paciente para o hospital com UTI mais próximo em 24 horas. Em caso de descumprimento, a multa seria de R$ 50 mil. Quando a decisão saiu, Idelma já estava internada, esperando por uma vaga em um hospital estadual. A vaga saiu no mesmo dia.
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Rosane Rodrigues da Cunha
Assessoria de Comunicação